Os protocolos que cercam o entretenimento: artistas da noite falam sobre retomada ainda na pandemia
Com apresentações em bares e restaurantes - onde o público normalmente fica sem máscaras, seguir protocolos de segurança se torna um grande desafio
Desde o começo da pandemia de coronavírus, os artistas da noite bateram na tecla de que seriam os últimos a poder retomar suas atividades com total segurança. O passar do tempo infelizmente não surpreendeu a categoria de forma positiva, que apesar de viver uma retomada gradual de sua atividade, ainda enfrenta certa dificuldade fazendo o próprio trabalho.
Atualmente, a Região Metropolitana de Belém está em bandeiramento amarelo, o que permite o funcionamento de bares e restaurantes até 1h da madrugada, respeitando a lotação máxima de 50% da capacidade dos ambientes. O bandeirante não limita horário para a venda de bebidas alcoólicas, nem a quantidade de músicos. A determinação também permite eventos privados em locais fechados com o número máximo de 200 pessoas. No entanto, boates, casas noturnas, casas de shows e estabelecimentos similares permanecem fechados, assim como a realização de shows e festas abertas ao público.
Esta reabertura fez com que a classe de artistas da noite pudesse retomar suas atividades, ainda sob medidas de segurança contra a covid-19. Essa retomada, no entanto, já havia ocorrido antes, mas teve de ser interrompida devido a um último lockdown, em março deste ano.
Geovani Lima, vocalista da banda De Bobeira, é um dos artistas que passou por todas as fases do trabalho de artistas da noite. Ele define o momento atual como uma “não retomada completa”, isto porque mesmo com a permissão de ter bandas completas nos palcos de bares e restaurantes, a limitação de horário ainda impossibilita esta realidade, assim como o fechamento das casas noturnas.
“As bandas, na verdade, se readequarem. Da primeira forma foi acústica, com dois músicos. Começamos a fazer voz e violão, até que depois aumentaram para seis músicos em cima do palco. Logo que aumentaram para seis teve de novo o lockdown, então as coisas voltaram à estaca zero para a classe de músicos. Agora está da mesma forma, as coisas estão caminhando de forma gradativa, ainda não se normalizou”, explica.
Geovani tem uma agenda lotada. De quinta-feira a domingo, chega a fazer cerca de 12 shows, e conta que sua banda passou a ter dois formatos de apresentação: as acústicas, com dois músicos; e o que chama de “roda”, com seis integrantes no palco.
“Eles [proprietários de estabelecimentos] também não conseguem pagar a banda completa, e preferem um show acústico ou compacto. Isso ocorre até mesmo porque os horários não são propícios. Antes, as festas podiam durar a noite toda, hoje não, elas vão até 1h da madrugada. Então eles têm a metade do tempo para tentar recuperar o dinheiro que vão pagar aos músicos”, justifica.
Vacina também é segurança para a vida noturna
Com a retomada dos shows noturnos, os artistas retornaram aos palcos, mas em situações onde ficam bastante expostos ao vírus da covid-19. Em restaurantes, por exemplo, as pessoas precisam ficar sem máscaras durante as refeições, mesmo com o distanciamento de mesas e redução na lotação em ambientes. Em bares, o risco aumenta ainda mais, já que a circulação de pessoas é praticamente inevitável.
Geovani Lima observa que os locais têm feito sua parte, no sentido de permitir apenas entrada de pessoas de máscara, e fornecer álcool em gel, por exemplo. Mas o público também precisa se comprometer com os protocolos.
“É difícil conter todo mundo, pelo fato de ter um número de pessoas um pouco maior. Os estabelecimentos fazem a parte deles, deixando as mesas distantes, com o espaço permitido, mas a galera às vezes acaba se empolgando, e quando existe bebida alcoólica, fica um pouco mais difícil. Mas eu tenho visto muito a boa vontade dos proprietários das casas, de fazer as coisas de forma correta, usando as medidas de segurança”, diz.
Layse Rodrigues, vocalista da banda Farofa Tropikal, também passou por todas as fases que a pandemia submeteu os artistas. Na primeira retomada, ela descreve o período como um pouco chocante, e de uma certa “falsa esperança de que as coisas tinham passado”, já que o trabalho foi novamente interrompido por um lockdown.
“Desta vez acredito que está diferente, porque estamos vendo mais pessoas vacinadas. Nosso público atinge pessoas mais velhas, e tem uma galera já vacinada. Fico bem feliz de ver, por exemplo, o seu Godô. Ele já está vacinado das duas doses, e ele é um personagem aqui de Belém, é um ícone, ele sai pra dançar, sai sozinho. Ainda não está podendo dançar direito, mas ele vai, vai pra ouvir a música”, conta Layse, que destaca novamente o papel das vacinas para que a retomada do trabalho dos artistas seja totalmente segura.
“De alguma forma dessa vez é diferente, porque tem mais pessoas imunizadas, então se isso tivesse acontecido antes, quem sabe a gente já teria retomado os shows com mais segurança, sem ter tido essa ida e vinda de lockdown”, diz.
Layse é vocalista e baterista da Farofa Tropikal, banda que tem três integrantes como base. Atualmente eles já voltaram a se apresentar com a formação completa na festa semanal Quartas Tropikais, que ocorre todas às quartas-feiras no Espaço Cultural Apoena. A artista conta que o grupo tem priorizado locais que seguem as medidas de segurança, justamente para não pôr em risco os músicos, que não podem ficar de máscara quando estão cantando, por exemplo.
“Na hora do show a gente não tem como se proteger com o uso de máscara pelo menos, se eu fosse citar um problema seria isso. Mas acredito que, no fundo do coração, isso de não se cuidar e não sair de casa, é muito pessoal. Nós, artistas, estamos saindo de casa porque precisamos trabalhar, mas a pessoa que está saindo de casa por lazer, pra tomar uma cerveja, fazer alguma coisa, não tem essa obrigação. Ela sabe onde está se metendo, sabe o que está fazendo. Então o certo seria as pessoas não lotarem os lugares, e os lugares não permitirem além da sua capacidade máxima. Mas orientação por orientação, todo mundo tem”, destaca Layse.
Geovani concorda, e diz que muitas vezes ele mesmo chega a alertar o público sobre as medidas. “Eu falo como artista, acaba sendo até taxativo porque a gente fica batendo muito nessa tecla, de pedir para as pessoas ficarem nos seus lugares, e de forma contida, porque como fomos a classe mais prejudicada nesse sentido, não queremos que isso retorne. Então acabamos batendo mesmo nessa tecla, para que não possa ter um novo lockdown”, diz.
Apesar da pandemia, tanto Layse quanto Geovani confessam que os shows são uma parte muito importante de suas vidas, que vão além de garantir o sustento da casa.
“Na pandemia descobri que nós artistas, que trabalhamos com arte, com público no geral; quando paramos de fazer nosso trabalho, eu pelo menos, parecia que eu estava esquecendo um pouco de quem eu era. Então, para mim o palco é muito importante. Não digo nem só o palco, mas essa conexão com o público, de poder falar uma mensagem, olhar no olho da pessoa, mesmo de longe”, conta Layse.
Geovani diz que os shows seguem uma linha tênue, entre precisar levar alimento para casa, e também levar um pouco de alegria ao público. “Quando eu falo de levar alimento, falo de todo um aparato de pessoas, desde o bombonzeiro, do rapaz que repara o carro, até do dono do estabelecimento que estamos tocando. Aí envolve garçom, técnico de som, envolve muita gente. Mas também temos consciência da pandemia, que tem devastado e destruído famílias. Por isso digo que ele anda nessa linha tênue, mas de alguma forma a gente precisa mesmo levar alimento para as nossas casas, e reencontrar as pessoas e poder levar entretenimento e felicidade, porque a música é isso, entretenimento e felicidade”, diz.
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