Novas gerações mantêm tradição secular paraense dos pássaros juninos

Vito Gemaque
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Quando a Belém do início do século XX vivia o auge da Belle Époque, com a elite da borracha tentando imitar Paris na arquitetura e apresentações artísticas, como as óperas internacionais no palco do Theatro da Paz, do lado de fora, o povo recriava a sua maneira os espetáculos luxuosos. Surgiam ali os pássaros juninos, operetas populares, que contavam melodramas de personagens conhecidos da população. No longínquo ano de 1907, nascia o Pássaro Junino Rouxinol, um dos mais antigos em atividade. Após mais de 100 anos, os pássaros juninos resistem e se reinventam com as novas gerações.

Os pássaros juninos são uma expressão cultural tipicamente paraense, que inexiste em outros lugares. O povo paraense excluído criou os pássaros inspirados nas óperas misturando encenação, melodia e canto. Um dos guardiões dessa herança cultural é o mestre Wanderlei de Castro Rodrigues, de 55 anos, neto da antiga guardiã Julieta Malcher de Castro, que cuidou do grupo desde 1933.

“O que existe hoje vem das grandes obras europeias. O pobre não tinha poder aquisitivo para assistir uma ópera, mas era o pobre que limpava a coxia do teatro, levava o cafezinho para os atores, e via como era. Em termos de protesto criaram os pássaros amazônicos. Cada bairro tinha os seus pássaros. Tem o pássaro junino que é o melodrama, e existe o cordão de pássaro e de bicho, que os brincantes formam meia-lua e cada uma vai na frente cantar. Já o melodrama precisa de teatro, tem mais elenco, músicos”, compara.

A brincadeira se transformou no Ponto de Cultura Pássaro Junino Rouxinol, do bairro da Pedreira, localizado na Vila Santos, na avenida Marques de Herval. Mestre Wanderlei retomou o pássaro no início dos anos 2000 e chegou a ser tetra campeão nos concursos realizados antigamente pela Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult). De acordo com ele, no auge existiam centenas de pássaros por toda Belém. O poder público realizava concursos o que instigou a rivalidade entre os grupos e a efervescência do movimento.

Atualmente, a Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) contabiliza apenas 18 grupos na cidade. Segundo a chefe de divisão de artes cênicas da Fumbel, Luciana Porto, a gestão pública teve a surpresa de ter mais dois pássaros surgindo neste ano. “Foi uma boa surpresa. Como a gente está vindo de dois anos pandêmicos então alguns grupos encerraram atividades, outros surgiram, mas em outras categorias. A gente não tinha tomado conhecimento do surgimento de novos grupos de pássaros”, revela.

Mestre Wanderlei incentiva as novas gerações no Rouxinol. Um dos brincantes também se tornou guardião de outro pássaro. O jovem Mayllon Patrick da Silva, de 21 anos, cuida agora da existência do Pássaro Junino Papagaio Real, também do bairro da Pedreira.

Após o falecimento da antiga guardiã a mestra Isabel Melo, Mayllon continuou com a tradição. Neste ano, eles se apresentarão na Revoada dos Pássaros Juninos, no Teatro Waldemar Henrique, que integra a programação junina oficial da Prefeitura Municipal de Belém (PMB), no dia 22 de junho. “É um sentimento de felicidade de estar continuando. Esse era o sonho da dona Isabel para que esse pássaro não morresse. Então, estamos levando em frente o legado dela”, afirmou.

Alguns brincantes estão há décadas saindo e voltando de vários pássaros. Raimundo dos Santos, de 80 anos, e o amigo Sílvio Silva, de 73, contracenam no Rouxinol. Raimundo está há 55 anos, atuando nos pássaros juninos, tendo começado como índio aos 25. Ele interpretará o Morubixaba, o chefe dos índios. “É uma cultura paraense e foi com isso que me identifiquei”, assegura.

Já Sílvio, que interpreta o caçador, está há 60 anos atuando nas peças populares. Ele chegou a conhecer a esposa durante os concursos de pássaros juninos em Belém como integrante de outro grupo. “Enquanto puder falar, andar e sorrir estou na quadra. Espero que seja mais um ano feliz de brincadeira. Para mim isso é como uma terapia”, enfatiza.

image Isabela Santana - Pássaro Rouxinol (Márcio Nagano)

A mais nova renovação dos pássaros é a jovem Isabella Monteiro Santana, de 11 anos, que pela primeira vez interpretará o Pássaro Rouxinol. “Tá sendo muito legal! Quem me falou do Rouxinol foi a madrinha da minha irmã. Eu sempre quis participar de teatro e me interessei muito”, conta a menina. A garota diz estar preparada para a grande apresentação do Rouxinol na Programação da Revoada dos Pássaros, no Teatro Waldemar Henrique, na Praça da República, que juntamente com outros grupos se apresentará no dia 22 de junho. As apresentações continuam nos dias 23 e 29 de junho, sempre a partir das 19h, com entrada gratuita.

Serviço - Revoada dos Pássaros

Local: Teatro Waldemar Henrique

Dia 22/6
19h - Cordão de Bicho Oncinha
20h - Pássaro Rouxinol
21h - Pássaro Papagaio Real

Dia 23/6
19h - Pássaro Sabiá
20h - Pássaro Tem-Tem do Guamá

Dia 29/6
19h - Pássaro Ararajuba
19h50 -Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro
20h40 - Cordão de Bicho Borboleta Azul
21h30: Pássaro Beija-Flor
22h15 - Pássaro Japiim

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