Letras que Navegam: Mestres abridores de letras da Amazônia levam tradição para todo o Brasil

Público brasileiro vai conhecer de perto a arte que, há um século, colore embarcações pelos rios da floresta amazônica

Laura Serejo
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Pela primeira vez em cem anos, os guardiões da tradição amazônica de pintar barcos, conhecidos como abridores de letras, percorrerão o país para transmitir o saber desse ofício a novos públicos. O projeto Letras que Navegam – Oficinas de Letras Amazônicas pelo Brasil, patrocinado pela CAIXA e viabilizado pela CAIXA Cultural, já iniciou um circuito inédito que passará por oito capitais. Fortaleza e Rio de Janeiro foram as primeiras contempladas, nos dias 3 e 8 de outubro, respectivamente. A próxima será Brasília, no dia 16 deste mês. Belém recebe o projeto no dia 24.

Durante todo o mês de outubro, os mestres ribeirinhos, herdeiros de um conhecimento centenário, ministrarão oficinas, conduzirão bate-papos e realizarão demonstrações ao vivo, permitindo que o público brasileiro conheça de perto a arte que, há um século, colore embarcações pelos rios da floresta amazônica. A iniciativa coincide com a celebração dos 100 anos do ofício de abrir letras, que começou em 1925 com a obrigatoriedade da identificação pintada nas embarcações pela Capitania dos Portos.

Abrir letras, no contexto amazônico, vai muito além de pintar o nome de um barco. Com o passar do tempo, cada mestre desenvolveu seu próprio “sotaque”, combinando curvas, cores e ornamentos que registram memórias de pertencimento e histórias locais nos cascos das embarcações. Cada composição é única, carregada de simbolismos e tradição.

Agora, os próprios mestres assumem o papel de formadores, conduzindo oficinas e bate-papos em que transmitem, em primeira pessoa, seus saberes, criando pontes entre arte, identidade e território. Para Fernanda Martins, diretora do Instituto Letras que Flutuam, o projeto representa um marco histórico:

“Levar o saber dos abridores de letras para outras regiões do Brasil, que não o Norte, é muito importante. Primeiro, porque permite que o Sul, o Sudeste e outras regiões conheçam mais sobre a cultura amazônica. E, na medida em que eles reconhecem e conhecem pessoalmente essas pessoas, começam a se interessar pela região, que tradicionalmente é conhecida como um mito cheio de afirmações genéricas. Levamos a Amazônia verdadeira, abridores de letras sem filtro, que vão com seu jeitinho de ensinar, com sua forma de falar, com sua maneira de explicar o que fazem e de contar sua vida. Isso cria um vínculo humano e passa a dar um valor maior à cultura amazônica.”

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Formação, salvaguarda e futuro

Antes de percorrer o país, os mestres passaram por uma preparação especial. Em setembro, o III Encontro de Abridores de Letras do Pará, realizado em Belém, reuniu mais de 20 ribeirinhos para uma oficina conduzida pela pesquisadora Marcela Castro, que ajudou a estruturar metodologias pedagógicas respeitando os estilos individuais.

Fernanda Martins explica a importância dessa preparação: “Para que os mestres pudessem viajar e estivessem preparados, realizamos uma oficina para trabalhar a didática da transmissão do conhecimento. Uma coisa é saber pintar, outra é saber ensinar a pintar. Foi uma oficina feita com a professora Marcela Castro, muito dinâmica e aberta, e os mestres gostaram muito do trabalho realizado. Dessa oficina surgiu um manual para o professor, com orientações, e um caderno de alunos para reforçar o conhecimento que fica sobre a Amazônia.”

O projeto também busca aproximar os jovens da tradição. ‘O objetivo do Instituto é trazer os jovens para perto. Alguns pintores mais jovens têm ganhado destaque no Pará e vão contar sua verdade para outros jovens. Também há planos de ensinar filhos de abridores a fotografar, fazer postagens na internet e trabalhar com comunicação, aproximando-os desse saber e encantando-os para a continuidade da preservação”, afirma Fernanda.

Além disso, a experiência fortalece tanto o mestre quanto o público: “Esperamos que essa interação desperte o interesse dos jovens por outras formas de atuar na vida e valorizar saberes tradicionais. Ao levar os abridores com sua verdade, sem gourmetizar, propiciam que as pessoas se encantem pelo patrimônio cultural amazônico e se tornem embaixadores desses saberes.”

Oficinas abertas: da sala de aula à demonstração pública

O circuito de outubro será totalmente gratuito e dividido em duas frentes. Pela manhã, os mestres ministrarão oficinas exclusivas para estudantes da rede pública, fortalecendo o diálogo entre juventude e patrimônio amazônico. À tarde, os espaços serão abertos à comunidade em geral, com bate-papos e demonstrações ao vivo, nos quais os abridores de letras pintam palavras diante do público, compartilham suas histórias e respondem a perguntas.

Uma tradição que ganha voz nacional

Com o projeto Letras que Navegam, os abridores de letras deixam os rios amazônicos e levam sua arte para o país inteiro. Mais do que ensinar técnicas de pintura, os mestres compartilham histórias, memórias e saberes que carregam séculos de cultura. Para o público, é a chance de conhecer a Amazônia de dentro de suas embarcações, entendendo como cores, traços e palavras traduzem a identidade de uma região inteira.

O projeto não apenas preserva um ofício centenário, mas também conecta gerações, territórios e culturas, permitindo que as letras pintadas nos barcos amazônicos continuem a navegar pelo Brasil — e pela imaginação de quem acompanha essa tradição viva e pulsante.

Calendário das oficinas

As oficinas acontecerão nas unidades da CAIXA Cultural de cada cidade.

  • Brasília: 16 de outubro – Donielson da Silva Leal, o Kekel, SBS Quadra 4, Lotes 3/4, Asa Sul.
  • Recife: 21 de outubro – Waldemir Caravelas Furtado, Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife.
  • Salvador: 22 de outubro – Antônio Jorge Corrêa Leal, Rua Carlos Gomes, 57, Centro.
  • Belém: 24 de outubro – Francivaldo da Silva Oliveira e Simão Costa Sarraf, unidade em implantação do complexo Porto Futuro II, ao lado da Estação das Docas (inauguração prevista para outubro de 2025).
  • Curitiba: 29 de outubro – Odir Lima Abreu, Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro.
  • São Paulo: 30 de outubro – Rossinhe Nunes Farias, Praça da Sé, 111, Centro.
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