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Intuição canibal de Sônia Gomes com seus mundos será exposta em São Paulo

Com exposição marcada para o dia 9 de setembro deste ano, as esculturas da artista poderão ser vistas no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Camila Lanhoso Martins, especial para o Grupo Liberal

A artista plástica mineira Sônia Gomes apresenta sua arte na emblemática Pinacoteca do Estado de São Paulo no dia 9 de setembro. "Minha obra é brasileira". Essa é a frase que integra o final do seu livro, publicado pela editora Cobogó. Discutida como cânone da história da arte no Brasil, dentre vários mundos entrelaçados a um só, Sônia é uma artista contemporânea afro-brasileira do município de Caetanópolis, em Minas Gerais. Neta de parteira e benzedeira negra e pai branco europeu, a artista se baseia nos acontecimentos que partem desde a sua infância. Apropriando-se da arte, ela realiza um processo terapêutico ou catártico, dando um tom de "natureza erudita" às suas esculturas. 

Segundo a artista, seu trabalho é como o Brasil. "Tem um lado popular e uma contrapartida erudita. Nós nos movemos muito bem entre esses dois aspectos", relatou a artista para o site “Arte Versa” durante entrevista em 2018. Sua arte é marcada por um impulso descolonizador, diante a questões que invocam: o imperialismo, o colonialismo, o pós-colonialismo - dando uma conotação de defesa de autonomia cultural do Brasil, envolvendo diversas questões identitárias -. Neste contexto, a matriz das tradições africanas tomam corpo em suas obras de caráter cultural dando espaço para abordarmos temas que permeiam na Amazônia, desde a antropofagia, cuja o cerne vem dos povos indígenas nos Sermões do Padre António Vieira (1652-1662), questões quilombolas, a devastação ambiental. Sua prática pode vir a ser comparada à arte de Louise Bourgeois, que é conhecida por seu conteúdo temático altamente pessoal envolvendo seu desejo inconsciente. 

image Uma das artes de Sônia Gomes (Sonia Gomes & Juliana dos Santos (Mergulho, 2022))

 

 

Além das fronteiras brasileiras

O trabalho de Gomes foi recentemente adquirido pelo Museu Guggenheim em Nova Iorque, assim como, pela Tate Modern em Londres. Em 2015, a artista participou da Bienal de Veneza e em 2018 tornou-se a primeira mulher negra brasileira viva a ter uma exposição monográfica no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Destaque no The New York Times, ela foi chamada de “a artista com histórias ricas através de tecidos”. Em sua primeira exposição individual intitulada “Skin is the deppest”, que significa “O mais profundo é a pele”, na "Pace" Gallery, em Nova York, Gomes encerrou o ano com chave de ouro, destacando, além disso, sua assistente Juliana dos Santos. Suas esculturas poderão ser vistas no segundo semestre de 2023, a partir do dia 9 de setembro, em outro espaço de destaque internacional, o Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo com a curadoria do Renato Menezes. 

Segundo Samanthe Rubell, presidente da Pace Gallery, "Sonia não vai desacelerar tão cedo! Ela terá grandes projetos em museus nos EUA e no exterior, em um curto prazo. Também estamos filmando um documentário maravilhoso sobre seu trabalho, que eu acho que será uma maneira muito especial para acesso uma gama mais ampla de pessoas à vida e energia de sua prática", garantiu. 

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Como um ritual canibal, a prática de Sônia é intrínseca e simples. Uma das principais características da sua obra, é o fato de ela utilizar em suas criações tecidos capturados de amigos e familiares, que são torcidos, costurados, transformados. Além disso, por meio da reciclagem deles, ela enfatiza a importância da sustentabilidade. “Sinto que quando as pessoas me dão esses itens, elas estão me concedendo uma grande responsabilidade, uma espécie de apelo pedindo-me para não os deixar morrer”, disse ela. “É a vida em transformação”, relata Sônia ao site “Das Artes”.

Assim sendo, ela dá vida a uma nova história os devorando. Portanto, ao devorar a cultura do outro, através de um processo de "aglutinação" (ou ingestão), Gomes retrata uma metáfora antropofágica, com a caracterização de que não se pode negar a cultura do outro, tanto quanto imitá-la. Estas que são questões caracterizadas ao retrato da América Latina. 

image A parte mais profunda é a pele por Sônia Gomes (Fotografia Cortesia da Pace Gallery)

A máscara do “patriarcado contemporâneo - Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana, 1960-1985. O choque da miscigenação de raças no Brasil derivado da violência colonial contra escravos e índios, deu forma ao patriarcado, em decorrência. Visto como “status social”, os homens brancos (europeus) gozavam de uma posição de privilégio e poder social, econômico e político, enquanto as mulheres e outros sujeitos que não seguem a norma eram relegados à submissão e invisibilidades no sistema de uma sociedade patriarcal. Na luta por questões raciais, ela se sobrepõe a esse sistema, quebrando este padrão - enfatizando um pensamento decolonial.

São questões que permanecem no Brasil de forma mascarada ou escancarada. Especialmente após os horrores da Ditadura Militar (1964-1985) que indica que a violência do Brasil hoje se “democratizou”. Portanto, dando frequência a essa afinação, a escultora é uma mulher radical contemporânea. Por conta das suas abordagens, ela crava em sua pele um tom de leveza e resistência que transcende seu autorretrato que é manifesto. “Minha obra é negra, é feminina e é marginal” relata para o site da revista C& America Latina. 

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Através do sua prática corporal, Gomes integra a um campo político desafiando os cânones da arte estabelecida. "Meu processo é muito simples". Aparentemente, é tão natural, que flui dentro da sua realidade que choca, pois não é. "Sonia é uma ligeira radical. Seu trabalho é cheio de carinho e sua forte inteligência é inquestionável", relata Pedro Mendes, um dos sócios da Galeria Mendes Wood DM, representante da artista no Brasil.

Sua intuição é intensa e forte. "É um estado de transe, de meditação, de não pensar em nada, de se comunicar com o cosmos. Às vezes eu termino um trabalho e olho para a peça e choro. E eu penso comigo mesma 'ei, quem fez isso? Há algo além. O processo é pensado, mas muito intuitivo também. Eu sigo principalmente a minha intuição, e o material escolhe o que vai se tornar. Nunca sei o que vai ser", diz Gomes em entrevista ao jornal "Folha de São Paulo".

Um forte exemplo, que possa vir a nos dar um diagnóstico claro dessa presunção, foi quando a gota de um choro veio a ser constituída por ela antes da pandemia. "Nunca imaginei que o mundo fosse chorar tanto". Assim sendo, "lágrima" foi o título dado a sua individual após a pandemia, em 2021, na Galeria representante da artista no Brasil, Mendes Wood DM, em São Paulo.

Ao se deparar com suas esculturas, o receptor pode vir a individualizar suas emoções e levantar questões de uma forma intuitiva e afetiva - despertando o imaginário daqueles que estão ao redor de sua obra. Há algo ali que não pode ser entendido ou explicado, fazendo com que sua arte toque profundamente sua pele. E é exatamente o nome de seu primeiro solo na Pace Gallery, em Nova York, intitulado "O mais profundo é a pele, “Skin is the deppest”. 

“A exposição foi um grande sucesso em todos os aspectos atingindo diferentes públicos. Nossos colecionadores mais exigentes se sentiram cativados por seu trabalho. Temos visto um envolvimento maravilhoso de um público de pessoas que estão mais concentradas em artistas mulheres. Além disso, o processo da Sônia nos EUA, assim como sua individual na Pace, foi e tem sido muito bem frequentada por críticos, curadores e uma gama de pessoas que estão aos redores de Nova Iorque, bem como aqueles vindos do Brasil. Acho que isso é um testemunho da maneira como o trabalho de Sonia realmente captura o zeitgeist do nosso momento em sua complexidade, novo uso de materiais, engajamento político, fusão de várias esferas culturais e o equilíbrio entre a luz e a escuridão de tudo isso", acrescenta Samanthe Rubell.

Pace Gallery

A Pace Gallery representa artistas potentes do mercado de arte internacional. Entre eles está o artista e escultor contemporâneo vivo mais caro do mundo, o americano Jeff Koons. De acordo com o curador-chefe da 34ª Bienal de São Paulo, que também representa o pavilhão brasileiro na 59ª Bienal de Veneza como curador, Jacopo Crivelli Visconti, Koons é o novo Warhol. Os trabalhos do rei da arte contemporânea são atribuídos ao movimento neo-pop, bem como a arte "kitsch". No qual, entra na melodia do "Brega" que é um tipo de música que predomina nas emissoras de rádios na Amazônia.  A música de Brega foi reconhecida como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Pará - Amazônia/Brasil. O "kitsch" ou o "Brega" já era rotulado de forma pejorativa porque é excessivamente romântico, ou ingênuo dentro da Amazônia. Enquanto isso, hoje em dia, mesmo com o preconceito colonial, encareceu.  

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