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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

Laranja Mecânica – 50 anos de polêmicas

Marco Antonio Moreira

No início dos anos 1970, após uma série de transformações culturais e comportamentais ocorridas nos anos 1960, o cinema foi meio de experiências temáticas que apresentaram novas perspectivas de interpretação sobre diversos assuntos polêmicos. Novos tempos exigiram novas abordagens e alguns cineastas, além de querer provocar o público, apresentaram obras que tinham propostas de inserir diferentes enfoques sobre temas como a violência e a religião. Neste período, vários filmes estimularam intensos debates, foram censurados em alguns países e geraram críticas sobre a violência explicita revelada em suas cenas, estimulando distintas opiniões conservadoras e/ou progressistas. Entre os filmes desta época que permanece contemporâneo e atualizado, sem dúvida, Laranja Mecânica de Stanley Kubrick é uma das principais referências. O filme é uma das obras mais instigantes do cinema e, ao completar 50 anos de lançamento nos cinemas, em 2021, merece ser revisado e historicamente valorizado. 

laranja mecânica

O cineasta Stanley Kubrick estava em busca de um novo projeto após o sucesso da sua obra prima 2001: Uma Odisseia no Espaço e o cancelamento de sua nova produção sobre a vida de Napoleão Bonaparte (que seria filmada nos final dos anos 1960, mas foi interrompida pelos altos custos e, principalmente, pela realização de outro filme sobre Bonaparte no mesmo período). Na sua busca por obras literárias como inspiração (prática comum em sua carreira), Kubrick se interessou pelo livro de Anthony Burgess, lançado em 1962, intitulado A Clockwork Orange (intitulado no Brasil como Laranja Mecânica). Esta publicação causou polêmica por apresentar visão de um futuro distópico de uma sociedade que gera personagens que tem a violência e a desumanização como valores principais. O anti-herói Alex é o líder de uma gangue que tem orgulho de usar extrema violência contra suas vítimas até que é preso e o estado o usa como cobaia para uma experiência revolucionária contra a criminalidade.

A polêmica do livro foi ampliada com o filme de Kubrick que teve muitas reações negativas de parte da crítica e público, logo após seu lançamento em 1971. Inevitavelmente, a história de Burgess adaptada por Kubrick questionou dogmas vinculados à política e educação, entre outras referências da sociedade, que não entenderam a sátira da história e seus personagens em ironizar os rumos de uma sociedade que não entendia e não buscava alterar a geração de indivíduos  que, entre outras premissas, tinham como referência a falta de empatia, a desvalorização do ser humano e uma capacidade egocêntrica de se relacionar de modo destrutivo com o mundo. As cenas violentas do filme provocaram críticas e reações inesperadas de grande parte do público que não estava preparado para assistir a uma obra tão provocadora e questionadora sobre uma sociedade no futuro que demonstrava sinais de desumanização e indiferença aos indivíduos no período de sua criação literária (Burgess) e, posteriormente, sua versão para o cinema (Kubrick).

Proibido em diversos países, inclusive no Brasil (o filme foi liberado em nosso país para exibições somente em 1978 com cópias que apresentavam tarjas pretas nas cenas de nudez), Laranja Mecânica, entre outras produções, comprovou a atitude visionária de cineastas que perceberam a necessidade de filmar temas importantes para criar reflexões e novos posicionamentos e ações a respeito do mundo em constante crise social, política e educacional. Kubrick teve problemas com sua ousadia de filmar a obra de Burgess, a partir de diversas ameaças que ele e sua família receberam após a estreia do filme. Por esse motivo, ele pediu que a produtora e distribuidora Warner Brothers retirasse sua obra das salas de exibição na Inglaterra (o filme foi relançado nos cinemas deste país somente após o falecimento de Kubrick em 1999).

Laranja Mecânica é outro admirável exemplo fílmico de genialidade, criatividade e originalidade de Kubrick em utilizar os elementos da linguagem cinematográfica de maneira extraordinária. É necessário destacar a trilha musical (com Beethoven, Gioachino Rossini, Edward William Elgar, Wendy Carlos), fotografia (do genial John Alcott), montagem, cenografia e a atuação de todo o elenco especialmente Malcom McDowell como Alex na sua melhor interpretação no cinema. Filmado entre setembro de 1970 e abril de 1971, Laranja Mecânica inicialmente teve quatro horas de duração, mas Kubrick decidiu reduzir o filme para 136 minutos e gerou diversas opiniões incluindo declarações de cineastas ilustres como o espanhol Luis Buñuel que afirmou: “Laranja Mecânica é meu filme favorito. Estive muito predisposto contra ele. Depois, descobri que é o único filme sobre o que o mundo moderno significa".

Laranja Mecânica permanece atual pela coragem em abordar/questionar um tema social, politico e educacional importante vinculado ao mundo em que vivemos e por ser um filme jovem em uma concepção estética que impressiona e revela um dinamismo criativo de um diretor que sempre tratou o cinema de modo sério e significativo. Assista, reveja, promova debates sobre o filme! Afinal, este trabalho de Stanley Kubrick é uma obra contemporânea que certamente merece atenção nos seus 50 anos de lançamento.

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