Transporte público não acompanha retomada econômica noturna

Dependendo de linhas, passageiros podem esperar duas horas ou mais para voltar para casa. Aos fins de semana é pior

Victor Furtado
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A Região Metropolitana de Belém viu o início da retomada econômica em vários setores nas últimas semanas. Só que quem trabalha à noite ou termina o expediente das 22h em diante, viu o "novo normal" do transporte público ser um normal pior do que antes da pandemia de covid-19: ainda menos ônibus nas ruas à noite. Isso resulta em veículos mais lotados e maior tempo de espera nas paradas. Em alguns casos, essa espera pode obrigar o usuário a recorrer a outro método para chegar em casa. Veja:

Nas paradas de áreas mais comerciais, como perto dos shopping centers e supermercados, sobram histórias de quem precisou alterar rotinas, gastar mais com transporte ou chegar em casa de madrugada, após uma aventura com meios alternativos de transporte que vão das vans, ao mototáxi, veículos de aplicativos e pedidos de socorro a amigos e familiares. E são necessários todos os tipos de jeitinhos para garantir o retorno seguro após um dia de trabalho. 

À noite, os passageiros precisam contar com a solidariedade de grupo. Tentam sair em conjunto. Companheirismos rápidos se formam pelo medo e duas ou mais pessoas se fazem companhia e tentam passar alguma segurança. Outro medida improvisada é, em alguns locais onde há cruzamento de duas vias corredores de ônibus, ficar na encruzilhada para ver qual para primeiro. Só que isso requer um pouco mais de compreensão dos rodoviários e isso nem sempre ocorre para parar fora do ponto.

Dados do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel) apontam que a última média de usuários em um período "normal" — antes da pandemia iniciar, de fato, no Pará, no dia 18 de março — foram 905 mil passageiros por dia, em 16 de março. A frota da RMB é composta por 2 mil ônibus, operados por 18 empresas. Atualmente, a frota circulando, afirma o Setransbel, é de 70% do total. O pico de passageiros é 60% da quantidade regular.

O desafio de voltar para casa após o trabalho


"Moro em Marituba. Cheguei a vir e voltar de bicicleta por causa do ônibus. Eu largava às 23h, mas pela dificuldade do ônibus, comecei a ser liberado às 22h. Continua sendo difícil. Às vezes preciso pegar van e o pessoal cobra R$ 5. Ou preciso pegar ônibus, descer em São Brás e lá pegar outro. Muita gente fica até tarde e é inseguro, principalmente para mulheres, né?", contra Paulo Victor Silva, que trabalha em um hotel, no centro de Belém.

 

 

image Paulo Victor precisa ir ao meio da rua: meta é pegar primeiro que passar (Cristino Martins)

 

"Moro em Marituba. Cheguei a vir e voltar de bicicleta por causa do ônibus. Eu largava às 23h, mas pela dificuldade do transporte, comecei a ser liberado às 22h. Continua sendo difícil. Às vezes preciso pegar van e o pessoal cobra R$ 5. Ou preciso pegar ônibus, descer em São Brás e lá pegar outro. Muita gente fica até tarde e é inseguro, principalmente para mulheres, né?", Paulo Victor Silva, trabalhador de hotelaria

No último dia 15 (sábado), pouco depois de retornar ao trabalho presencial, Sandra Silva passou por um perrengue. Ela é funcionária de um shopping, no bairro do Umarizal. Ela saiu às 21h e esperava um ônibus para ir para Águas Brancas, em Ananindeua. Depois de 22h30, ela percebeu que não viria mais. Os veículos de aplicativos estavam dando mais de R$ 60 para a viagem.

Já às 23h, Sandra pegou uma van que ia para a Cidade Nova. Nem de longe era o ideal. Pagou R$ 4 para ficar no meio do caminho, na BR-316. Foi quando teve de pedir socorro ao marido. "Pedi pra ele dar um jeito de me buscar. Aí ele foi na casa da mãe dele, pegar a moto do irmão emprestada para me pegar. esses dias, não espero menos que uma hora na parada. Antes da pandemia, num domingo, que é só metade da frota, o máximo que esperei foram 40 minutos".

image Sandra Silva saiu do trabalho às 21h. Chegou em casa à 1h do dia seguinte (Cristino Martins)

 

Sandra Silva, funcionária de um shopping, saiu às 21h e esperava um ônibus para ir para Águas Brancas, em Ananindeua. Depois de 22h30, percebeu que não viria mais. No aplicativo, R$ 60 era o custo da viagem. Às 23h, Sandra pegou uma van que ia para a Cidade Nova. Pagou R$ 4 para ficar no meio do caminho, na BR-316. Foi quando teve de pedir socorro ao marido

Jonas de Jesus e Antônio Costa moram no Guamá. Eles trabalham em um supermercado, no limite entre os bairros Batista Campos e Jurunas. Antes da pandemia, se desse tudo errado, eles ficariam até 30 minutos, num ponto de ônibus da avenida 16 de Novembro. Depois de passarem duas horas esperando, criaram um novo ritual: vão andando, por mais de 15 minutos, até a Padre Eutíquio.

"A gente antes pegava fácil o UFPA / Alcindo Cacela ou UFPA / Ver-o-Peso. Agora precisa ser o Guamá / Conselheiro ou o UFPA / Pedreira. Mas a gente continua esperando muito tempo", contam Jonas e Antônio.

Adriana Belúcio trabalha em um shopping no bairro de Batista Campos. Ela mora em Mosqueiro. Antes, até 23h ela tinha ônibus para voltar para casa e conseguia pegar tranquilamente. Os ônibus agora param às 21h. Se ela não conseguir organizar o horário de trabalho e sair cedo, precisa ir dormir na casa do filho, mas é outra longa espera. "E não me sinto segura em ficar tanto tempo na parada", diz.

image São Brás é encontro de vários passageiros da cidade: movimento linhas disponíveis (Cristino Martins)

Setransbel: poder público deve arcar com subsídios


O diretor de operações do Setransbel, Natanael Romero, defende que o poder público deveria subsidiar o transporte público por ter um papel social a ser cumprido. Ele observa que, apesar de Belém ter uma das menores tarifas do Brasil, não adianta aumentar o custo agora se não há passageiros. E se tantos setores econômicos tiveram auxílio financeiro, o setor de transporte público também deveria.

"Conforme o número de passageiros aumentar de novo, a frota retorna proporcionalmente. Estamos com 60% dos passageiros e 70% da frota. O que a Semob nos exige é proporcionalidade e estamos cumprindo. Mas estamos operando no vermelho e com muitos prejuízos acumulados. Chegamos a ter 20% dos total de passageiros. Nossa tarifa hoje é 65% para pagar os 10 mil colaboradores do sistema — não demitimos ninguém — e 30% para o combustível", afirma Natanael.

O sistema BRT parou no dia 1º de abril e retornou nesta segunda (17). Natanael reconhece que é um reforço para os horários de pico, mas nada pode ser feito em relação a lotação. Ele argumenta que esse é um problema de todo o país. Acredita que quando as aulas retornarem, a frota possa aumentar proporcionalmente ao máximo outra vez.

"É uma situação muito difícil para o motorista controlar na rua. Como ele impede pessoas de entrarem nos ônibus se já tiver oito pessoas em pé? Como obriga a entrar somente de máscara, se não tem poder de polícia? Mas para ver que temos menos passageiros: o BRT transporte 38 mil passageiros. Na reabertura, transportou 3 mil", analisou Natanael.

image Paradas lotadas às noites e pessoas ansiosas: situação agravada no "novo normal" (Cristino Martins)

Semob e Setransbel: passageiros devem denunciar


Em nota, a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) informou que "... enviou ofício para que as empresas cumpram os horários regulares de circulação dos coletivos e tem fiscalizado para que a determinação seja respeitada. A Semob ressalta que a parceria com a população é importante neste momento, para que denuncie qual linha específica não tem cumprido o que está sendo cobrado"

Para que a denúncia seja formalizada, é necessário informar o nome da linha, o código alfanumérico do veículo, dia, hora e local do ocorrido. As denúncias podem ser feitas pelo e-mail contato.semob@belem.pa.gov.br ou pelos números 181 e 98429-0855. O Setransbel também afirma que duas horas de espera por um ônibus são injustificáveis e que as denúncias precisam ser feitas à Semob.

"Quanto ao transporte alternativo, durante a última semana, uma operação da Semob apreendeu 38 veículos que estavam adotando medidas irregulares no transporte de passageiros", diz a nota do órgão.

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