Pessoas em situação de rua desafiam a sorte em meio ao lockdown

Como estão os que não têm casa para se abrigar e, muito menos, cumprir isolamento social?

Tainá Cavalcante

"Eu não vou dizer que tá ruim, porque tem muitas pessoas que estão numa situação pior que nós. Estão doentes, num leito de UTI, com coronavírus, precisando de um aparelho pra respirar. Eu estou respirando aqui de boa, me locomovendo, não precisando de UTI, então pra mim tá bom". Esse é o desabafo de Paulo Gomes, de 50 anos. Natural de Teresina, mas vivendo nas ruas de Belém há quatro anos, ele sabe que a situação de quem está em vulnerabilidade social é grave, mas é incisivo em defender que não são eles que estão nas piores situações.

"Não, não! Imagina quem tá no hospital, podendo morrer por causa do coronavírus? Nós estamos bem aqui, tá todo mundo bem" diz ele, que chegou a passar 18 dias no Mangueirão, onde foi montado um abrigo às pessoas em situação de rua da capital. "Lá eu peguei uma virose e pra mim aquilo lá é covid-19. Fiquei com falta de ar, dor no corpo, cansaço, mas graças a Deus consegui me recuperar", conta. Por motivos pessoais, decidiu deixar o abrigo e voltar às ruas. "Quem manda lá não é a polícia, não. A gente sabe que tem os grupos", desabafou, sem dar tantos detalhes em relação ao que se referia.

Nas ruas da capital paraense novamente, ele diz que, apesar de a situação não estar tão preocupante, "porque eu estou com saúde, né?", ela poderia, sim, estar melhor. "Minha esperança é que essa pandemia passe logo e que eu volte às minhas vendas para ter meu quarto. Eu já morei em quarto de aluguel, só que com esse coronavírus aí minhas vendas acabaram. Eu vendia cortador de unha, barbeador, tesoura, naftalina. Eu botava a lona no chão e botava a mercadoria, mas o povo tá com receio de comprar, é claro", explica, ao admitir que até ele ficou com receio de continuar as vendas. "No começo, meu psicológico afetou muito. Eu nem conseguia mais ficar no meio de muita gente, por medo de pegar esse 'bagulho'. Aí me afastei das vendas, porque era contato com muita gente", diz.

Questionado se a diminuição no tráfego de pessoas nas ruas o incomodava, Paulo, que vive nas proximidades da Estação das Docas, foi enfático ao responder que não. "Pra mim não faz tanta falta, não, porque eu gosto de ficar na minha, mais reservado". Já sobre o receio de estar nas ruas em meio à pandemia, ele afirma que não tem mais medo. "Já perdi até o medo de adoecer. Agora eu tô na mão de Deus. Se eu tiver que morrer, eu vou, e se não tiver, também não vou morrer".

Quem também passa boa parte do dia nas imediações da Estação das Docas é Marcos Antônio, de 50 anos. Há oito anos morando nas ruas de Belém, Marcos reclama da diminuição de doações nesse período. "Quase não tem mais doação. Tem até briga quando vem. Não dá para quem quer" diz, sendo complementado por Paulo. "Tem um pessoal que é gente boa, que passa distribuindo uma comida aí pra nós, mas diminuiu mesmo".

Marcos também conta que nunca viveu uma situação parecida e que acredita que Deus é a única razão para ele ainda não ter adoecido. "Deus é tão bom que a gente abre a lixeira, come, e não adoeceu. Só Deus tá sustentando pra gente não adoecer. Por que sem comida, sem nada? Só Deus. Um pouquinho daqui, outro dali, e nós se divide. Um ajuda o outro, um divide com o outro. A gente tá usando máscara, mas é só Deus mesmo", avalia.

Problemas familiares desencadeados pelo vício em substâncias ilícitas fizeram com que ele acabasse nas ruas, mas o seu lugar de dormir continua garantido todas as noites, segundo ele. "Eu vim por causa da família, né? A pessoa é drogada, aí é complicado. Eu morava com a minha mãe, ela faleceu. Eu tenho irmão, ele é bem de vida, mas quando a gente é usuário, é mais fácil um desconhecido te ajudar do que um familiar", diz, ao garantir que “nunca mexi em nada de ninguém”. "Minha mãe faleceu com 85 anos. Eu morava com ela. Hoje eu recebo um benefício por causa de um problema que eu tive e paralisou toda a minha perna, daí sou operado da medula. Então, eu passo o dia aqui, mas eu durmo em um quarto. Eu venho pra cá porque não vou ficar sozinho lá o dia todo", explica, ao afirmar que "agora a gente só tem que orar pra Deus mesmo. Pedir pra sair logo disso".

MEDIDAS DO ESTADO E MUNICÍPIO EM PROL DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

De acordo com a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), o acolhimento às pessoas em situação de rua foi uma das primeiras estratégias adotadas pelo Governo do Pará para conter a disseminação do novo Coronavírus. Atualmente, cerca de 300 pessoas estão abrigadas no Mangueirão e Mangueirinho. Na sede do São Raimundo (Panterão), em Santarém, são mais de 50 acolhidos. Todos eles, segundo a secretaria, recebem refeições diárias, roupas e kits de higiene, além de atendimentos de saúde (consultas, aplicação de medicamentos e testes rápidos e, quando necessário, encaminhamento às Unidades de Pronto Atendimento), atividades de esporte e lazer. Desde que a iniciativa começou, a Seaster contabiliza que cerca de 8 mil atendimentos e 600 testes rápidos já foram oferecidos aos abrigados.

Já a Prefeitura de Belém, por meio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), informou que um plano de Atendimento Emergencial à Pessoa em Situação de Rua e aos Migrantes e Refugiados no Município de Belém foi criado com estratégias para o atendimento aos que apresentam os sintomas leves da Covid-19. Em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), a Funpapa preparou o ginásio Altino Pimenta, que tem capacidade para receber 150 pessoas, como espaço de assistência aos casos suspeitos. Lá, essas pessoas são assistidas por uma equipe multidisciplinar do Consultório na Rua, composta por assistentes sociais, enfermeiros e médicos, que realizam o acompanhamento e monitoramento dos casos 24h por dia.

Ainda de acordo com a Funpapa, os serviços dos Centros de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop de São Brás e Icoaraci) também foram ampliados para acolher pessoas vulneráveis do grupo de risco prioritário que estejam assintomáticas. O espaço está aberto 24 horas com uma equipe formada por cinco educadores e dez cuidadores para acolher idosos, mulheres e famílias que estão assintomáticos.

Em relação as Casas Abrigo para Moradores Adultos de Rua I e II, a Funpapa afirma que o período do isolamento social está sendo compensado com atividades pedagógicas, de lazer e esportes. Além disso, os abrigados recebem orientações e são acompanhados pelos profissionais do Consultório na Rua que avaliam o estado de saúde dos abrigados.  Para atendimento no abrigo, o encaminhamento é feito por meio do Centro Pop (São Brás e Icoaraci) ou demanda espontânea no Ginásio Altino Pimenta (Av. Visconde de Souza Franco, 456).

Tanto o Governo do Estado, como a Prefeitura de Belém foram questionados sobre uma estimativa em relação a quantidade de pessoas em situação de rua que, por motivos diversos, permanecem desabrigadas. Os órgãos não responderam a esse questionamento.

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