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Pacientes são recusados em unidades de saúde fechadas ou sem médicos

Reportagem acompanhou o sofrimento de muitas pessoas, incluindo profissionais da saúde, que não sabiam mais o que fazer para encontrar atendimento

Victor Furtado
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A Prefeitura de Belém, há alguns dias, vem dizendo que a capacidade de atendimento de urgência e emergência da capital esgotou. Isso já é possível de se ver. Jornalistas da Redação Integrada de O Liberal passaram a manhã desta sexta-feira (24) registrando a decepção e desespero de quem nem passava das portas das unidades de saúde. E até a dor de quem perdeu alguém. A pandemia de covid-19, grave doença respiratória causada pelo coronavírus sars-cov-2, bagunçou severamente a rotina do planeta.

Cada pessoa que necessita de atendimento precisa fazer múltiplas apostas. É sair e tentar ser atendido em alguma unidade ou seguir, em peregrinações por unidades de saúde e hospitais, até encontrar uma vaga. Ou profissionais dispostos a gastar ainda mais a energia que já não têm. Em algumas unidades, não havia médico. Havia enfermeiros, fazendo o que podiam para ajudar.

image UPAs já sucateadas, sem profissionais suficientes para atender e demanda sendo reprimida frente à pandemia de covid-19 (Thiago Gomes / O Liberal)

Informalmente, se diz que os médicos e enfermeiros estão sendo preservados para os plantões da tarde e da noite, que é quando as coisas pioram. Formalmente, dificilmente um profissional da saúde fala. Não que não haja movimento suficiente pela manhã e início da tarde. Mas final de tarde e à noite há dois fatores predominantes para um aumento de movimento nos postos e hospitais: não conseguir dormir e não ter mais farmácias abertas para comprar um remédio que amenize o sofrimento.

Nas portas das unidades, ambulâncias vão formando filas. Assim como carros de funerárias. É gente chegando, gente esperando atendimento, gente saindo porque não tem como ficar no local. A pé, outras pessoas vão chegando. Às vezes entram e podem ficar horas esperando atendimento. Outras vezes, nem passam da porta. Tudo depende do horário, local e condição de quem chega.

image Com o choro contido para não perder o que o restava de fôlego, Cristiano dizia não saber o que tinha, após ter sido recusado na porta da UPA da Terra Firme e no HPSM da 14 de Março (Thiago Gomes / O Liberal)

No hospital de pronto socorro municipal Mario Pinotti (HPSM da 14 de Março), o vendedor autônomo Cristiano Moraes, de 43 anos, e a esposa, novamente, não foram atendidos. O homem sente falta de ar, dor pelo corpo, febre e uma tontura forte, que mal o deixa ficar em pé. Só ainda não tossiu, mas teme ser covid-19. Desde o dia 14 ele vem sentindo esses sintomas. Seguiu as recomendações de ficar em casa e repousar. Não melhorou.

"Viemos da UPA da Terra Firme. Nem deixaram ele entrar e mandaram voltar para casa. Ele continua passando mal. Aqui no PSM (da 14 de Março) a mesma coisa. Nem passamos da entrada", disse a esposa, aflita. Cristiano sentou à calçada. Olhos vermelhos e disse: "Eu não sei o que eu tenho", segurando para não chorar e não acabar perdendo o pouco de ar que lhe restava.

No final da manhã, uma cena chamava a atenção na porta do Mário Pinotti: dois jovens, um rapaz e uma moça, choravam desesperadamente. O rapaz se ajoelhou diante da porta da recepção de visitantes. A moça perguntava se a família já havia sido avisada. A equipe de reportagem não teve como saber o que afligia os dois. Nem era momento para isso.

 

Corrida contra o tempo e os sintomas de uma síndromes respiratória letal

O HPSM Humberto Maradei Pereira (Guamá) tinha uma situação semelhante. Só entravam pacientes em estado muito grave. Não dá para saber o que era tão grave para entrar. A universitária Mônica dos Santos chorava, sentada num banco, pedindo ajuda. Febre, tosse, falta de ar intensa. São cinco dias assim. A mãe dela, com os mesmos sintomas, já passa de uma semana e foi recusada onde tentou buscar ajuda. Ambas tentaram as UPAs da Marambaia e Terra Firme e os HPSMs do Guamá e da 14 de Março.

"Dizem que só entram casos graves. O que é mais grave? Como eles podem saber o que estamos sentindo ou não?", questionava Mônica, com lágrimas e puxando o ar com força para respirar. Cambaleava, como se fosse desmaiar a qualquer momento.

image A universitária Mônica dos Santos mal aguentava em pé, sentindo falta de ar intensa. Da porta do HPSM do Guamá, foi mandada de volta para casa, chorando e desamparada. O profissional que a recepcionou não sabia o que fazer para ajudar frente à incapacidade de recursos (Thiago Gomes / O Liberal)

Álvaro Hernando, mototaxista que trabalha na porta do Humberto Maradei Pereira disse: "Fico aqui de 6h às 18h. Todo dia é isso. Gente voltando da porta. Graças a Deus, nem eu e nem ninguém que conheço precisou ainda. Porque se precisar, não sei como vamos fazer", comentou.

Pouco antes das 10h, um senhor, sozinho e a pé, entrou na unidade de saúde básica da Pedreira. Os pés escurecidos e inchados denunciam a diabetes, colocando o homem de 73 anos em duplo risco. Tossia, tinha febre e falta de ar. "Ao que tudo indica, é covid-19", disse Raimundo, motorista da ambulância que fazia o possível para dirigir rápido e em segurança. Cada minuto poderia ser o último daquele paciente. Ele só se identificou assim. Profissionais da saúde têm cada vez mais receio de falar com a imprensa e sofrerem retaliações.

Raimundo e o médico que o acompanhava foram ao Mário Pinotti, ao Humberto Maradei Pereira, à UPA da Terra Firme, ao Hospital de Campanha do Hangar e só conseguiram uma vaga para o idoso na UPA da Sacramenta. A equipe de reportagem seguiu a peregrinação e aflição dos profissionais de saúde. Apressado por já ter mais pacientes para buscar, Raimundo, o motorista de ambulância falou rapidamente e chorando:

"Eu tive covid-19. Me recuperei e nem tive tempo de descansar. Em toda minha carreira, nunca vivi nada assim, um cenário desses. A gente fica aflito, angustiado, desesperado. Graças a Deus eu me recuperei, porque precisava voltar para atender essas pessoas que precisam tanto. Como esse senhor que deixamos aqui na UPA. A gente nem pode parar", disse Raimundo, com os olhos vermelhos e lágrimas sendo contidas. O médico que estava com ele não falou nada. Mas suspirava profundamente ao ouvir o colega.

image Raimundo e o colega de equipe, angustiados, corriam pelas unidades de saúde em busca de alguém que socorresse um senhor diabético, de 73 anos, sozinho e com todos os sintomas da doença causada pelo coronavírus sars-cov-2 (Thiago Gomes / O Liberal)

Filha de vítima da covid-19 aponta dificuldade com funerárias

Só havia enfermeiros na UPA de Icoaraci. Uma justificativa para, numa sexta-feira, início de tarde, a unidade estar quase vazia. As poucas pessoas que estavam lá reclamavam da demora no atendimento. Irritadas, nenhuma queria falar. Uma mulher — será identificada apenas por Sandra, o numa fictício, pois ela não quis se identificar — contou que o pai dela morreu por covid-19 na UPA, como consta o atestado de óbito.

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"Ele morava sozinho e veio pra UPA a pé, com febre, tosse e falta de ar. Tinha 65 anos e era diabético e hipertenso. Veio na quarta à noite e morreu de madrugada. Desde então minha família está com dificuldades em encontrar funerária. Cheguei às 9h desta sexta e ainda estou aguardando, quase às 13h. O que tenho visto é gente voltando direto da porta e com raiva. Não tem médico. Só quando chegam pacientes já morrendo é que entram, mas não sei quem atende eles", relatou Sandra, apontando que até a demanda por funerárias pode estar chegando ao limite.

Marambaia. A UPA do bairro também estava totalmente parada. Portas fechadas. O taxista Rafael Santiago já estava há mais de uma hora rodando com um homem idoso e, possivelmente, com covid-19. Ao menos todos os sintomas eram característicos da doença. "Já passamos pela Pedreira, Sacramenta e estamos saindo da Marambaia. O segurança disse que nenhuma UPA está funcionando. Isso é um descaso com a população!", disse, apreensivo e correndo para o táxi, para seguir a busca por um lugar onde deixar o homem.

image Revoltado, o taxista Rafael Santiago corria com um possível paciente de covid-19 no carro. UPAs e PSMs já o haviam recusado (Thiago Gomes / O Liberal)

 

Prefeitura nega a situação caótica registrada pela reportagem

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma) "...não confirma as informações mencionadas e esclarece que a equipe médica do HPSM Mario Pinotti (Umarizal) está atendendo normalmente os pacientes que já estão dentro do hospital e triando os casos leves e moderados, que não necessitem de internação. No entanto, como o Governo do Estado do Pará, por meio da SESPA/ Central Estadual de Regulação, não vem cumprindo com a liberação de leito para os pacientes já internados no HPSM, a própria equipe médica vem se manifestando em não receber novos casos graves, apenas casos leves e moderados em função da capacidade instalada já estar esgotada".

"A Sesma ressalta que todos os Hospitais de Prontos Socorros e  as Unidades de Pronto Atendimento do município de Belém  estão em funcionamento. No entanto, devido à grande procura verso à capacidade instalada, algumas precisam suspender os atendimentos de porta temporariamente. A Sesma ressalta que as UPAs da capital estão recebendo  grande demanda de pacientes sem regulação de outros municípios, que poderiam ter seus problemas atendidos na cidade de origem. Também há uma grande procura de casos leves pelos serviços de saúde, que, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, devem ser tratados em casa", concluiu nota.

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