Gastronomia paraense e a herança cultural com visibilidade para o mundo

10 anos da lei que que reconhece as comidas típicas paraenses como patrimônio de natureza imaterial

Emanuele Correa

Cultura imaterial está relacionada ao que é abstrato, tem a ver com os hábitos ou rituais de uma população ou região. A alimentação paraense, como: Pato no Tucupi, Maniçoba, Tacacá, Vatapá, Caruru e Chibé, desde 2011 são declaradas como integrante do patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará. Ao longo desses dez anos de lei, a gastronomia na região se fortaleceu e, mais recentemente, o prefeito Edmilson Rodrigues declarou que pretende investir R$ 5 milhões no Projeto Boulevard da Gastronomia, que será um corredor gastronômico, na área da Boulevard Castilhos França. Para entender as raízes da gastronomia regional, a relação de afeto e de valor para o Estado, Márcia Wayna Kambeba do povo Omágua/ Kambeba, geógrafa, artivista indígena e atualmente ouvidora geral do município de Belém, explica as raízes indígenas dos pratos: "a culinária paraense por conta da grande população indígena que aqui vivia e ainda vive de modo reduzido hoje, continua mantendo essa relação de identidade com a culinária que vem dos povos indígenas. Belém antes de ser elevada a categoria de município foi um grande território que abarcou outros povos. Hoje chamados a Belém Mairí dos povos, pois carrega muitos povos em seu colo materno", aponta.

Márcia aborda a questão da identidade da alimentação e diz que "carrega uma riqueza enorme na forma como é produzida, apresentada para outros espaços fora de nossa região. Ainda como herança cultural, patrimonial, identitária. É fundamental que se mantenha essa identidade gastronômica e saber de onde se origina tais influências em sabores, ingredientes usados, como por exemplo, a macaxeira, banana da terra, tucupi, goma de mandioca que faz o beiju, entre outros", explicita a geógrafa. "Dessa forma pratos paraenses como pato no tucupi, maniçoba, moqueca de peixe, pamonha, beiju, o tacacá, a farinha que não pode faltar como complemento em nossa alimentação, o uso das batatas, mingau de banana da terra, de tapioca, carne seca desfiada, mogica, pirão escaldado, chibé. Todas essas e outras mais, tem relação na cultura indígena e isso é importante, porque Belém tem em sua identidade a herança de povos indígenas e negros e isso vai se refletir em uma culinária rica e saborosa", observa.

Wayna reforça que se faz necessário manter vivo esses saberes. "Os povos indígenas faziam uso dos tubérculos, raízes, uns se alimentavam mais de peixe e tubérculos, outros de carne de caça mas as raízes eram presentes. Urucum hoje usado para fazer coloral vem de séculos de presença indígena. As bebidas fermentadas feitas de jenipapo, macaxeira, milho que até hoje usadas nos rituais, também se faz presentes como licor na cidade. É preciso criar identidade com o lugar e a gastronomia torna Belém essa cidade atrativa no sentido de conhecimento gastronômicos. Grandes chefes indígenas querem conhecer Belém e suas riquezas culinárias. 
A artivista conta que muitos anciões viveram mais de 100 anos mantendo sua lucidez e força e que ela questionou um cacique sobre a receita para a longevidade "ele me disse: 'eu não como carne todo dia, mas todo dia me alimento de batata doce assada, cará roxo e milho'. São sabedorias que se ouvidas por todos, muitas doenças se seriam evitadas. Então que Belém seja essa cidade Mairí dos Povos com uma gastronomia única porque tem ancestralidade presente e fortalece um território do sagrado", finaliza.

A relação do paraense com as comidas regionais impulsionam o mercado gastronômico, é o que diz Saulo Jennings, Chef proprietário das "Casas do Saulo", que conta a Redação integrada de O Liberal sobre começar a trabalhar profissionalmente com gastronomia regional há 13 anos. Mas a relação é bem anterior, vem de família, e remete a afeto. "A regionalidade, origem, cultura alimentar nossa. A culinária, aprendi com meu pai, que cozinhava e pesquisava os produtos da região", comenta. "Leis como a vigente, valorizam a cadeia alimentar, fortalece a indicação geográfica de vários produtos, incentiva o turismo na região. A prefeitura tomando a iniciativa de, de fato, fazer um corredor gastronômico incentivará ainda mais. Esse espaço virá agregar, mas temos que dar espaço aos pequenos cozinheiros também. Espero que os contemplem. O mundo todo quando viaja procura onde tem a cultura alimentar de um povo. A nossa tão aclamada precisa de espaços como esse, em todo o Pará", diz o chefe de cozinha.

Essa relação de afeto com a culunária regional fica mais evidente quando se mora fora do Estado, é o que diz a flow control specialist, Eliza Souza, de 30 anos, que desde 2014 mora na Europa. Ela reside em Praga, na República Tcheca e, há dois anos, não vem a Belém, devido a pandemia de covid-19:

"Nunca tinha ficado mais de  um ano sem ir a Belém. Se tudo der certo vou em Outubro. Os itinerários sempre envolvem muita comida, com certeza. Vatapá, Tacacá, Pato no tucupi, maniçoba, peixe frito, camarão da praia, açaí, cupuaçu, bacuri e é claro sorvete todo dia. Sorvete de Belém é inigualável, os italianos que lutem com o gelato deles", diz descontraída. "As festas tradicionais sempre aguçam as lembranças, fico meio emotiva na época, e sim, dá mais vontade de comer as comidas típicas. Acho que tudo que tenha tucupi me lembra de casa", relembra emocionada.

Eliza diz que eleva a cultura paraense, onde quer que esteja e que cozinha em casa e também apresenta aos amigos. "Semana passada improvisei um Tacacá com o tucupi que trouxe. Com meus amigos, sempre que conversamos sobre a culinária brasileira, mostro fotos e falo sobre a nossa comida paraense. Eles sempre ficam curiosos pra experimentar não só as comidas típicas, mas variedade de frutas da nossa região", comenta.

Para Naomy Yoshino, de 25 anos, que trabalha com cybersecurity, em Washington (DC), nos EUA a saudade de casa e das comidas regionais foram sanadas no mês de julho, quando após três anos longe, retornou para visitar a família. "Tive a oportunidade de ir agora em Julho e passar 3 semanas em Belém e, com certeza, matei a saudade da comida! Devo ter tomado açaí praticamente todos os dias. Que era o que eu mais sentia falta. Mas também comi vatapá, maniçoba, tucupi e tudo que tinha direito! Tenho alguns amigos de Belém que moram aqui em DC também. Então toda vez tem alguém trazendo farofa e docinhos de cupuaçu, e vamos nos ajudando a matar a saudade da nossa comida... Quando voltei, trouxe farofa. O alimento mais pratico pra trazer pros EUA e já dá pra matar um pouquinho da saudade", explica.

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