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'Chegou a hora de falar em cuidados com a alma', afirma especialista

O psicanalista Christian Dunker, professor titular da Universidade de São Paulo, concedeu entrevista exclusiva para o jornal e portal O Liberal durante visita a Belém nesta semana

Laís Santana
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Saúde mental e políticas de acesso ao cuidado da mente se tornaram pautas importantes nos últimos anos, sobretudo neste período já considerado "pós-pandêmico". Sobre o assunto, o professor Christian Dunker, psicanalista brasileiro, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) avaliou o cenário atual da saúde mental do brasileiro em entrevista exclusiva ao jornal e portal O Liberal, durante visita à Belém, nesta semana, onde participou do XXXIII Seminário de Iniciação Científica da Universidade Federal do Pará (33º Seminic/UFPA).

Nesse cenário de final de ano, com eleições, pós-pandemia, como o senhor avalia o estado de saúde mental do brasileiro? 

"Nós temos uma somação de infortúnios, já vinhamos em uma situação, antes de 2016, com curvas ascendentes de suicídio e quase todas as formas de transtorno mental, o Brasil ficou em primeiro mundial em ansiedade e terceiro em depressão, quando se considera as grandes metrópoles. Isso deveria ter levantado um sinal amarelo, um sinal vermelho, de que forma de vida é essa que o brasileiro leva. Tem muitos lugares que tem dificuldade social, tem pobreza, mas aqui parece que a culminação foi um pouco além da conta quando a gente pensa que esses são fatores transversais para o sofrimento e produção de transtorno mentais. Isso se somou a uma perda de recursos naturais que a gente tem que para se recompor, elaborar maus encontros, situação difíceis de vida, são necessários nossos laços com a família, com os amigos, laços comunitários, laços institucionais, e, aparentemente, a confluência entre linguagem digital e um novo tipo de política e um novo tipo de religiosidade, acabou jogando fora recursos preciosos justo na hora que a gente mais precisava deles.

Como a covid-19 interferiu neste quadro? 

"A covid-19 foi o terceiro elemento que desfavorece, especialmente, os jovens, as pessoas da terceira idade, crianças em fase de socialização primeira, isso, então, formou um caldo que precisamos agora reverter com política ao retomar a política de saúde mental, talvez espraiando um pouco para fora das instituições, dos equipamentos que cuidam disso. Nós precisamos de uma cultura orientada para saúde mental, chegou a hora de falar em cuidados com a alma, a psique e a vida subjetiva."

Como o radicalismo que tem sido expresso nas ruas e redes afeta a sociedade? 

"Tem várias formas de radicalismo, por isso é difícil ter uma resposta comum. Mas a gente pode dizer que em princípio ele é uma resposta compreensível, mas equivocada, a um problema real. Ou seja, na medida que o Brasil passou por um período de alta mobilidade social, de inclusão nas escolas, de percepção do seu próprio racismo estrutura, seu machismo estrutura, o que isso promoveu? Insegurança identitária. Numa situação como essa a gente precisa de bons mediadores, de bons discursos, narrativas que permitam tratar o conflito. O que a gente encontrou? Uma resposta simples e equivocada que é: elimine o conflito eliminando aquele mal que está gerando este conflito. A radicalização é esse veneno que a gente vai tomando aos poucos, mas que vai dizendo 'eu vou devolver pra você o lugar que você perdeu, basta acreditar mais'. No final, você está consumindo teorias conspiratórias, formas religiosas contra secretarias, formas politicas completamente fanáticas pra suturar essa incerteza. Se a gente quer mudar alguma coisa vamos ter que passar por um período de transição em que eu vou ter que suportar uma certa angústia." 

Como reverter esse quadro? O acesso à psicoterapia foi facilitado nos últimos anos?

"A gente tem isso como um fenômeno brasileiro que está sendo observado por outros países, a formação de inúmeros movimentos populares de escuta, acompanhamento, apoio, alguns mais bem formados, outros menos, mas é um fenômeno popular que gerou aumento de acesso a escuta em psicoterapia pelas pessoas em associações, comunidades, instituições também. Isso vem questionando, inclusive, as universidade e escolas de formação para que a gente aumente ainda mais a capilaridade porque é a única saída. Se a gente começar a imaginar que a saúde mental vai ser enfrentada pelos especialistas, esse é um equívoco que deu errado, está dando errado e vai dar mais errado ainda. A gente precisa que as pessoas que cuidam de pessoas tenham os recursos básicos para o encolhimento do sofrimento mental para que antes que a gente tenha sintomas e quadros mais agravados a gente possa tramitar melhor o sofrimento." 

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Belém
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