Punições de deputados brigões são arquivadas pelo Conselho de Ética
Desde 2023, quase 30 representações já foram julgadas

A atual legislatura da Câmara dos Deputados, com apenas um ano e quatro meses de atividades, já contabiliza mais de vinte episódios de brigas - físicas e verbais - entre parlamentares. Encargos do Conselho de Ética, que avalia punições por quebra de decoro, resultaram no julgamento de 29 representações entre 2023 e 2024. Todos os casos foram arquivados, com as penas máximas limitando-se a censuras verbais ou escritas. Tal ineficácia levou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a instituir a suspensão cautelar como uma nova forma de penalidade.
A suspensão cautelar, proposta por Lira e aprovada na quarta-feira passada (12/06) pela Câmara, permite à Mesa Diretora sugerir a suspensão do mandato de deputados envolvidos em brigas por até seis meses, com julgamentos em prazos curtos.
Conforme o novo procedimento, o Conselho de Ética deverá julgar a decisão da Mesa em até três dias após a comunicação. Há a possibilidade de recurso no plenário, que apreciará o caso na sessão subsequente. Para manter a decisão da Mesa, composta por Lira, dois vice-presidentes e quatro secretários, são necessários 257 votos.
O presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União Brasil-BA), destacou a gravidade da situação. "A que ponto estamos chegando, parlamentares se digladiando em comissões. Vai chegar ao ponto que, daqui a pouco, pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar", afirmou. Leur também apontou que a ineficácia do Conselho resulta de acordos políticos nos bastidores. "Não adianta uma representação chegar e depois haver reuniões entre partidos A, B e C para fazer acordo político e salvar deputado."
O estopim para a ação de Lira ocorreu em 5 de junho, quando uma sessão do Conselho de Ética arquivou uma representação contra André Janones (Avante-MG). Durante a sessão, deputados trocaram ofensas e ameaças, cenas amplamente divulgadas nas redes sociais.
Clima tenso
No mesmo dia, uma sessão tumultuada na Comissão de Direitos Humanos foi marcada pelo episódio em que a deputada Luiza Erundina, de 89 anos, passou mal enquanto lia um relatório, sendo levada ao hospital e internada em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ela recebeu alta três dias depois.
Mesmo depois de se envolver em uma briga, logo após a sessão do Conselho de Ética, que chegou a registrar empurrões e um tapa envolvendo parlamentares e militantes, Janones se sentiu fortalecido, postando no X (ex-Twitter): "Uma dúvida? Continua autorizado? Se sim, digitem: Janones eu autorizo. O pau vai voltar a comer pra cima do gado!"
A situação já incomodava Lira desde o ano passado. "Não podemos mais continuar assistindo aos embates quase físicos que vêm ocorrendo na Casa e que desvirtuam o ambiente parlamentar", declarou o presidente da Câmara na terça-feira (13/06). No início do ano, Lira fez uma reprimenda pública ao mau comportamento dos parlamentares, indicando que xingamentos e ofensas seriam retirados das notas taquigráficas, mas isso não teve efeito.
As brigas ocorrem frequentemente durante visitas de ministros do governo Lula ou em votações de pautas ideológicas importantes para petistas ou bolsonaristas. Em abril de 2023, na Comissão de Segurança Pública, uma sessão tumultuada envolveu o então ministro da Justiça, Flávio Dino, e parlamentares bolsonaristas discutindo o 8 de Janeiro e uma visita à Favela da Maré, no Rio de Janeiro.
Primeiro, Carla Zambelli (PL-SP) foi flagrada xingando. "Tomar no c...," disse ela, reclamando de um parlamentar governista. Em seguida, Gilvan da Federal (PL-ES) provocou e ameaçou a deputada Raquel Cândido. Márcio Jerry (PCdoB-MA) chamou Gilvan para "ir lá fora" e resolver a questão. Lídice da Mata (PSB-BA) reclamou das provocações dos bolsonaristas, enquanto a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) acusou Jerry de importunação sexual, o que ele negou.
Insultos
Em outro episódio, Duarte Júnior (PSB-MA) chamou General Girão (PL-RN) de "velho", o que provocou uma reação acalorada de Girão. "Não me chame de velho", retrucou Girão com o dedo em riste.
"O clima entre os deputados estava insustentável. Tive que encerrar a sessão", comentou Sanderson (PL-RS), então presidente do colegiado. Dino deixou a sessão sob gritos de "fujão" por parte dos bolsonaristas.
Os casos de Zambelli e Zanatta foram ao Conselho de Ética, mas ambos foram arquivados. Ninguém foi punido.
O Conselho de Ética tem sido banalizado pelos partidos. Entre 2023 e 2024, aplicou apenas duas punições: Nikolas Ferreira (PL-MG), que recebeu uma censura escrita por se identificar como "deputada Nikole" e pregar contra o feminismo, e Abílio Brunini (PL-MT), que recebeu uma censura verbal por tumultuar uma audiência pública.
A censura é uma das cinco sanções possíveis do Conselho de Ética, sem efeito prático no mandato. Além dela, o Conselho pode suspender prerrogativas ou mandatos por até seis meses, ou cassar mandatos.
Até agora, o Conselho recebeu 34 representações, arquivou 29, duas foram retiradas pelo partido autor, e uma foi indeferida pelo presidente. Restam dois casos a serem avaliados.
Em alguns casos, a situação foi banalizada. O PT representou contra José Medeiros (PL-MT) por pisar no pé do parlamentar Miguel Ângelo (PT-MG), o que Medeiros alegou ter sido acidental.
O vale-tudo continuou nos meses seguintes. Outros episódios, como o tapa na cara dado por Washington Quaquá (PT-RJ) em Messias Donato (Republicanos-ES), nem sequer chegaram ao Conselho de Ética.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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