Com foco nas penas, recursos de Bolsonaro e aliados têm pouca chance de reduzir condenações

Os pedidos serão analisados pela Primeira Turma no plenário virtual, a partir de 7 de novembro

Estadão Conteúdo
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A redução das penas é a última esperança do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros réus condenados no "núcleo crucial" da trama golpista. A chance de reverter as condenações é considerada inexistente pelas próprias defesas, que buscaram explorar em seus recursos brechas para uma dosimetria menor.

Os advogados entregaram nesta segunda-feira, 27, ao STF os "embargos de declaração" - modalidade de recurso usada para questionar detalhes da decisão, mas que, via de regra, não tem o alcance de modificar o mérito do julgamento.

Os pedidos serão analisados pela Primeira Turma no plenário virtual, a partir de 7 de novembro.

Após o fim dos recursos, o processo atinge o trânsito em julgado, abrindo caminho para as prisões para o cumprimento das penas - exceto se as defesas ainda tentarem impor embargos infringentes, recursos que podem pedir a absolvição. Nesse caso, os recursos seriam meramente formais. Isso porque, pela jurisprudência do STF, os embargos infringentes só são possíveis se houver divergência de dois votos na turma, o que não ocorreu. A única divergência no processo da trama golpista foi a do ministro Luiz Fux.

Uma das estratégias das defesas para tentar diminuir a sentença foi pedir a aglutinação dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado, o que se chama no jargão jurídico de "consunção penal".

A consunção é um princípio do Direito Penal que impede a dupla punição por crimes relacionados. Nesses casos, o delito menos grave é absorvido pelo mais grave.

As defesas de Bolsonaro e do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, que pegaram as penas mais altas, usaram esse argumento - o ex-presidente foi condenado a 27 anos e três meses de reclusão; o general, 26 anos.

Seus advogados sustentam que os crimes não poderiam ter sido acumulados no cálculo das penas porque, segundo a acusação, o golpe de Estado seria um meio para alcançar a abolição do Estado democrático de Direito.

"A ausência de distinção entre os momentos executórios ou os objetos jurídicos concretamente atingidos torna a aplicação do concurso formal não apenas possível, mas obrigatória", diz o recurso de Bolsonaro.

Se a tese for aceita pelos ministros, a pena do ex-presidente pode ser reduzida em 8 anos e 2 meses e a do ex-ministro em 8 anos e 6 meses.

A tendência, no entanto, é que o argumento seja rejeitado pela Primeira Turma do STF. Isso porque centenas de outros réus do 8 de Janeiro foram condenados pelos dois crimes.

Nos primeiros julgamentos, em 2023, o ponto suscitou debate entre os ministros do Supremo, mas uma corrente minoritária formada por André Mendonça e Luís Roberto Barroso (aposentado) ficou vencida. Recentemente, o ministro Luiz Fux também aderiu ao posicionamento, mas a maioria do STF ainda considera possível a dupla punição.

A advogada Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal, lembra que, ao condenar os réus simultaneamente pelos dois crimes, a Primeira Turma já rechaçou essa tese, reconhecendo a possibilidade de concurso material.

"A própria formação de maioria para condenar nesses dois delitos indica que o colegiado considerou condutas distintas e desígnios autônomos, o que afasta a absorção. Assim, a chance de a Turma, nos próprios embargos, 'aglutinar' os tipos e reduzir fortemente a pena é pequena", avalia a criminalista.

Para a criminalista Ana Krasovic, especialista em Direito Penal e Processual Penal, o STF deveria mudar a jurisprudência nos processos do 8 de Janeiro e aglutinar os dois crimes. Na avaliação dela, a tese é "sólida e coesa".

"Em tais casos, aplica-se o princípio da consunção e/ou da absorção, mecanismo jurídico previsto no direito penal em que tipifica-se e, consequentemente, aplica-se a sanção do crime fim, sendo o crime 'meio' necessário à prática delitiva absorvido.

Outro caminho percorrido pelos advogados para tentar reduzir as condenações envolve a dosimetria, ou seja, o cálculo do tamanho das penas. Essa conta é feita considerando os limites mínimo e máximo previstos na legislação para cada crime.

Em um primeiro momento, os ministros definem a pena base. Em seguida, analisam atenuantes e agravantes e, por fim, causas de diminuição ou de aumento da pena.

As defesas argumentam, por exemplo, que as penas base de cada crime foram fixadas em patamares diferentes, ou seja, cada uma em uma proporção distinta do intervalo previsto em lei.

Os advogados de Bolsonaro também afirmam que os ministros não justificaram circunstâncias consideradas "amplamente desfavoráveis" para aumentar a pena do ex-presidente.

A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres compara a condenação dele à de réus por homicídio, como Elize Matsunaga e o goleiro Bruno, ambos sentenciados a penas menores.

Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal na USP, a dosimetria é a possibilidade mais sólida de revisão das condenações justamente porque, ao contrário da "consunção", os argumentos sobre o cálculo das penas são inéditos no processo. No entanto, na avaliação dele, é difícil fazer previsões.

Beatriz Alaia Colin não espera alterações consideráveis nas sentenças. A advogada descarta uma redução drástica das penas e prevê, no máximo, "ajustes pontuais" ou "refinamentos" em relação às multas, frações de aumento e regime inicial de cumprimento das condenações.

"A Primeira Turma fixou penas dentro de uma moldura coerente entre os corréus, com fundamentação específica", explica.

"Mesmo havendo divergência pontual de um ministro sobre critérios de cálculo em casos correlatos, a linha predominante do colegiado tem sido manter a estrutura da pena traçada pelo relator, com eventuais retoques."

Dos oito condenados, apenas o tenente-coronel Mauro Cid, que fechou delação premiada, é o único que não recorreu.

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