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Mauro Vieira: 'Helder entendeu que Pará pode ocupar espaço no debate global sobre sustentabilidade'

Em entrevista exclusiva para O Liberal, o ministro das Relações Exteriores do Brasil também fez críticas ao antigo governo, que acusou de devastar Amazônia e bloquear relação com os países da região. Entre outros assuntos, Vieira também falou sobre a relação comercial do Brasil com países como China e Estados Unidos.

Igor Wilson

Mauro Luiz Lecker Vieira é o atual ministro das Relações Exteriores do Brasil no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cargo que também exerceu durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Com larga experiência no continente Americano, tendo sido embaixador do Brasil na Argentina de 2004 a 2010, e também nos Estados Unidos, onde ocupou o cargo de 2010 a 2015, Vieira consegue discorrer com maestria sobre os dois polos do mesmo continente. Em entrevista exclusiva para O Liberal, o ministro falou sobre o governo Helder Barbalho no Pará, afirmou que o governo Bolsonaro deixou um legado de devastação na Amazônia, além de ter bloqueado todos os canais de comunicação com os países da região.

Vieira acredita que o Brasil agora vive um novo momento de reaproximação com os demais países da América do Sul. Em outro ponto da entrevista, o ministro falou sobre a relação brasileira com a China (principal parceiro econômico do Pará e do Brasil) e também opinou sobre a teoria reproduzida por nomes como os do ex-ministro do Meio Ambiente do antigo governo, Ricardo Salles, o ex-ministro de Lula, Aldo Rebelo, e de alguns líderes de países como Bolívia e Peru que estiveram na Cúpula da Amazônia em Belém no início do mês, acusando nações desenvolvidas de usarem Ongs com o intuito de bloquear o desenvolvimento do país. Confira:

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Como o Sr. avalia a relação do Brasil com os demais países amazônicos nos últimos anos? A Cúpula Amazônica em Belém significou uma reaproximação com esses países?

Herdamos do governo anterior um legado de devastação e desmandos na área ambiental, e de canais bloqueados com quase todos os nossos principais parceiros, incluindo os nossos vizinhos na América do Sul, incluídos os vizinhos amazônicos. Nossa Embaixada e nossos Consulados na Venezuela, por exemplo, ficaram fechados durante mais de três anos, isso é impensável para a diplomacia e para a tradição brasileira de manter excelentes relações com os vizinhos. Mas trabalhamos duro no primeiro semestre para superar a situação de isolamento internacional que encontramos, e a Cúpula da Amazônia, de Belém, entra para a história como um marco da reaproximação entre os países amazônicos e de um trabalho estreito de coordenação, que vai trazer benefícios tanto para o meio ambiente como para os milhões de habitantes da Amazônia. Essa reaproximação já é uma realidade, e a Cúpula de Belém demonstrou que voltamos a estar juntos e que, juntos, estamos apontando novos caminhos para a região. Nesse novo formato, os Estados da região têm um papel fundamental, e o governador Helder Barbalho entendeu perfeitamente que o Estado do Pará pode ocupar espaços no debate global sobre a sustentabilidade, com boa gestão ambiental e capacidade de organização de eventos como a cúpula da Amazônia, que foi um êxito, e a COP-30, em 2025.

Alguns líderes dos países amazônicos, como Luís Arce, presidente da Bolívia, corroboram com a teoria reproduzida por nomes como Ricardo Salles e Aldo Rebelo, que acusam países desenvolvidos como Alemanha, EUA, Noruega, entre outros, de promoverem um bloqueio econômico da Amazônia por meio do financiamento de ONGs, para impedir que o Brasil se desenvolva. O senhor acredita nisso?

Durante a cúpula eu não ouvi essas acusações. No que diz respeito ao Brasil, Alemanha e Noruega são nossos parceiros no Fundo Amazônia, ao qual, recentemente, aderiram outros países desenvolvidos. Acho que é este o caminho que devemos trilhar, o do diálogo e da cooperação com outros países, em torno de programas e metas concretas. Como sabemos, o desenvolvimento sustentável não contempla somente a dimensão ambiental, inclui também a dimensões econômica e social, como o Presidente Lula reiterou também na Cúpula de Belém. Estamos e estaremos atentos a esse equilíbrio, que leve em conta as populações locais, e atores externos, tanto governos como ONGs, devem respeitar essa lógica de cooperação e também o ordenamento jurídico brasileiro.

A China tornou-se o principal parceiro econômico dos países da América do Sul e do mundo. O fim da dependência econômica dos EUA significa mais autonomia aos países da América do Sul?

A busca de autonomia não deve depender de um ou outro parceiro específico, e sim de uma diversificação tanto das parcerias econômicas como do perfil produtivo de cada país. O Brasil tem trabalhado há gerações nesse sentido, consolidou setores competitivos internacionalmente, que disputam mercados em todo o mundo. A importância econômica da China no contexto internacional é indiscutível, e isso se reflete nas nossas relações econômicas bilaterais: desde que a China passou a ser nosso principal parceiro comercial, em 2009, nosso comércio com eles quadruplicou, e no ano passado o Brasil exportou mais para a China que a soma de exportações para os Estados Unidos e a União Europeia. Mas a diversificação do nosso perfil, o fortalecimento da integração regional e a disputa por mercados em todo o mundo continuam a ser parte da nossa estratégia de desenvolvimento e de inserção internacional.

Como o Brasil avalia o interesse dessa potência na Amazônia? É possível falar sobre compromisso com sustentabilidade e bioeconomia com parceiros como a China? Como?

O mundo tem vivo interesse pela Amazônia, mas é o interesse nacional que deve orientar nossas escolhas, independentemente do parceiro internacional que queira conversar conosco. Não é o interesse externo, de quem quer que seja, que vai definir nossas escolhas em matéria de Amazônia. Por isso a importância de estreitar o diálogo e a cooperação com os países da região, que compartilham conosco preocupações, aspirações e desafios. Dessa forma vamos encontrar as melhores soluções em matéria de vocações econômicas que incorporem plenamente, com sustentabilidade, o potencial do bioma.

Alguns países amazônicos, como Peru, Equador, Venezuela e Bolívia enfrentam severas crises políticas há anos, com algumas semelhanças ao cenário brasileiro dos últimos anos. Essa instabilidade política na região pode comprometer os planos definidos em conjunto para a Amazônia na Cúpula?

Crises políticas, como temos acompanhado nos últimos anos, não são problema exclusivo dos países da região. Até mesmo as democracias mais consolidadas do mundo têm enfrentado turbulências. O que vimos em Belém, na cúpula, foi um compromisso claro de todos os países em torno da urgência da proteção do bioma contra a criminalidade ambiental, do desenvolvimento da economia regional em bases sustentáveis e do enfrentamento da crise climática, inclusive por meio da concretização das promessas de financiamento feitas pelos países desenvolvidos. O momento requer ação, e independentemente de turbulências passageiras, vejo os países amazônicos muito comprometidos com a agenda discutida na cúpula. A declaração de Belém prevê um grande número de iniciativas práticas, aprovadas por consenso, e oferece a base para que possamos trabalhar em conjunto a partir de agora. O centro de cooperação policial internacional é um bom exemplo do que pode ser feito, o monitoramento científico coordenado é outro, e o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica será um ponto de apoio para o diálogo e a troca de informações e boas práticas, de interesse de todos.

Os países participantes não entraram em consenso sobre a proposta de desmatamento zero feita pelo presidente Lula. O Brasil poderá voltar a tentar convencer os países sobre a importância da meta?

A cúpula abriu o diálogo sobre a questão do desmatamento, alguns países, como o Brasil, a partir da manifestação do Presidente Lula, assumiram a meta do desmatamento zero até 2030, e estou certo que essa disposição de reverter a situação do desmatamento, já manifestada nessa primeira cúpula, vai servir de inspiração para os demais países . Vamos continuar dialogando e cooperando, é um processo que tem Belém como ponto de partida, e que certamente trará resultados relevantes quando voltarmos ao Pará, em pouco mais de dois anos, para a COP-30. É importante que tenhamos sempre a COP-30 em mente, como momento no qual teremos a oportunidade de mostrar ao mundo os avanços da região.

Qual é o papel do Ministério das Relações Exteriores na promoção da cooperação internacional para promover a bioeconomia na Amazônia, visando ao desenvolvimento sustentável da região?

Esse é um trabalho que envolve o Governo como um todo, no nosso caso temos buscado atuar nas múltiplas dimensões da pauta da sustentabilidade, tanto no debate internacional sobre regras como no diálogo com agentes econômicos e com a comunidade científica sobre as opções que a bioeconomia abre para as comunidades locais. Como em qualquer processo de desenvolvimento econômico, a bioeconomia vai demandar investimentos, conhecimento e tempo, e o Itamaraty está procurando participar em todas as dimensões desse processo.

Diante dos desafios ambientais e socioeconômicos da Amazônia, que sofre com atividades como a pecuária e a mineração (setores tão importantes para a economia brasileira), qual é a estratégia do Brasil para garantir que a atividade produtiva na região esteja alinhada com a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas, ao mesmo tempo que consiga gerar divisas semelhantes às atividades exploratórias habituais?

Somos aguerridos defensores da nossa economia, mas também somos aguerridos defensores do meio ambiente, e o limite da defesa do setor produtivo é a lei. Atividades ilegais e predatórias na Amazônia devem ser encaradas como negativas para o Brasil, porque prejudicam os negócios e a imagem de todos, inclusive daqueles que respeitam as regras da sustentabilidade e as leis, que são ampla maioria. Então, o ponto de partida é esse: respeito às leis, inclusive como elemento que reforça a nossa atuação na promoção dos produtos brasileiros no mundo.

Considerando a importância da Amazônia no cenário global de ação climática, como o Ministério das Relações Exteriores está se preparando para a Conferência das Partes (COP-30) e quais são os principais objetivos do Brasil em relação a esse evento?

O anúncio oficial da sede da COP-30 ocorrerá em dezembro, mas já estamos trabalhando, em estreito diálogo com as autoridades locais, para que Belém esteja pronta para o evento, dentro de pouco mais de dois anos. Será um período de muito trabalho e de muito investimento. Mas volto a Brasília, ao final da cúpula da Amazônia, muito otimista. O evento foi muito bem organizado, e contamos desde o início com um forte apoio do Governador Helder Barbalho, da sua equipe e da prefeitura de Belém, elementos que foram decisivos para o êxito da cúpula da Amazônia. Tenho certeza de que essa fórmula voltará a ter êxito na COP, um desafio muito maior em termos de organização, mas o Brasil e o Estado do Pará voltarão a estar à altura desse desafio.

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