Vítima relembra época que viveu em suposta seita religiosa em Belém: 'passávamos fome'
Erlica de Araújo Corrêa deixou tudo para trás, cortou laços e abandonou o trabalho para seguir as ordens da tia que liderava a suposta seita religiosa chamada “Ministério Torre do Poder de Deus”

Erlica de Araújo Corrêa está entre as quatro vítimas que sofreram violência psicológica e maus-tratos por parte da suposta seita religiosa chamada “Ministério Torre do Poder de Deus”. Ela é sobrinha de Marcelle Débora Ferreira Araújo, de 51 anos, suspeita presa nesta sexta-feira (4/7), no bairro do Guamá, em Belém, por envolvimento na morte de Flávia Cunha Costa, de 43 anos. Além de Marcelle, o companheiro dela, Ronnysson dos Santos Alcântara, de 50 anos, também foi preso pelo mesmo motivo. Segundo a Polícia Civil, os dois abandonaram Flávia em estado crítico no Pronto-Socorro do Guamá, no dia 18 de junho deste ano, onde ela morreu no dia seguinte.
“Eu tenho uma empresa de eventos, então acredito que ela (Marcelle) viu uma forma de se aproveitar. Ela falou que nós crescemos financeiramente e que tudo o que tínhamos era o ‘demônio’ que tinha dado para a gente", disse Erlica.
"E que precisaríamos ir para a igreja dela, vender tudo o que tínhamos para que Deus nos restituísse. Infelizmente, eu acreditei”, completou a vítima.
Entre 2017 e 2020, ela deixou tudo para trás e cortou laços com a família, vivendo em função da igreja e das ordens de Marcelle e Ronnysson. Naquela época, Erlica era casada com um chef de cozinha e foi com o marido para a casa dos suspeitos. “Passamos a ser empregados deles. Eu fazia os serviços domésticos, cuidava da casa e lavava as roupas dela. O meu marido cozinhava para eles, e só eram comidas boas, bancadas pela nossa reserva de dinheiro”, relatou.
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“Quando fomos para lá, achei que ela (Marcelle) ia nos dar uma casa para morarmos, mas ela cobrou um aluguel mensal de R$ 500, pagando água e luz, sem que a gente pudesse trabalhar, porque dizia que a nossa empresa estava cheia de ‘demônios’. Fiquei um ano sem ter contato com a minha mãe, pai e irmãos. Não tínhamos vida social”, afirmou.
Durante os três anos de convívio com a tia, Erlica e o companheiro foram obrigados por Marcelle a vender os carros que possuíam. Dez por cento do valor obtido com a venda, segundo a sobrinha da suspeita, era repassado a Marcelle e Ronnysson como “dízimo”. A partir dali, Erlica e o marido passaram a se locomover a pé, até conseguirem uma bicicleta, que depois foi roubada.
“Passamos a ter uma vida muito difícil perto dela (tia). Comecei a perceber que não havia mais Deus ali e que eu fui enganada. No ano em que morei na casa, que era dividida entre sala, quarto e cozinha, convivi com a Flávia. Nós (eu e meu companheiro) vivíamos nos cômodos da cozinha e do quarto, enquanto a Flávia ficava na sala, onde se alimentava com a comida que eles (Marcelle e Ronnysson) davam, que muitas vezes estava estragada”, completou.
Para conseguir se alimentar, Erlica recebeu uma cesta básica anônima, mas depois descobriu que tinha sido enviada pela família. “Hoje eu peso 75 quilos e, na época, pesava 50. Passávamos fome e comíamos o que as pessoas nos davam: pés, pescoço, vísceras e coração de galinha. Não tínhamos alimentos. Ficamos lá acreditando que tínhamos que passar por aquilo e que a nossa situação ia mudar”, admitiu.
O dinheiro que Erlica usava para sobreviver era um auxílio do governo. Ela conta que a tia tentou se apropriar dessa ajuda. “Eu disse que ela não ia ficar com a nossa única renda, já que a empresa ficou abandonada e fomos perdendo os contratos com os clientes de fornecimento de alimentos. Foi quando bati o pé, abri os olhos e fugi”, concluiu.
O Grupo Liberal tenta contato com a defesa de Marcelle e Ronnysson.
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