'Quero que ele sobreviva, mas que pague pelo que fez', diz sobrevivente do acidente na Nazaré
Em um relato emocionado, Leandro Torres Nascimento falou tudo sobre a tragédia ocorrida na capital paraense

Sobrevivente do acidente que matou mãe e filha no bairro de Nazaré, na última quinta-feira (26), Leandro Torres Nascimento relatou, à reportagem do Grupo Liberal, o que ocorreu horas antes da tragédia. A vítima de 31 anos conduzia o veículo em que estavam a esposa, Renata Corrêa Bezerra e Maria Luiza Corrêa Torres, de dois anos, que não resistiram. Uma semana após o ocorrido, ele é o único envolvido na colisão que está vivo e consciente.
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Segundo ele, tudo ocorreu após a ida da família a um encontro automotivo, em que ele era um dos diretores e no qual a filha, a pequena Maria Luiza, era considerada "mascote" do grupo. Antes, os três teriam ido a um culto evangélico.
Pouco depois, as vidas de Leandro Torres e Allan Rocha se conectaram para sempre. O motorista do veículo prata - que foi indiciado pelo crime de duplo homicídio doloso e foi apontado como causador do acidente - seguiu até o encontro, acompanhado de Nicole Monteiro Dias. A partir daí, uma série de "investidas" teriam culminado no acidente brutal.
Confira a entrevista na íntegra:
Onde você estava e pra onde você ia quando aconteceu tudo isso?
Eu estava no Portal do Amazônia, mas antes do Portal eu tinha saído do culto. Eu, minha esposa e minha filha. Fui em casa. A gente trocou de carro, pegamos o carro de um amigo. De lá a gente seguiu para o Portal da Amazônia e a gente começou a organizar carros porque eu faço parte da diretoria de dois clubes de carros, que são carros antigos e carros japoneses importados. Aí eu cheguei mais cedo com a minha esposa e filha pra começar a organizar. O encontro saía às 21h aqui da Domino's, perto do Líder. A gente começou a organizar os carros. A minha esposa precisou sair pra levar a minha esposa pra jantar com um amigo meu e depois voltou e a gente ficou lá. Quando deu 23h, 23h20, a gente saiu do Portal, eu, um amigo meu, o Mateus, que foi na frente, e depois voltou. Depois que eu tive conhecimento que o tal do Alan (Rocha) foi atrás da gente até... Começou primeiro com um amigo meu, e depois comigo até o momento do acidente.
Ele participava do grupo?
Ninguém conhece ele. Eu tomei conhecimento que o carro que ele tava era alugado. Porque assim, nesse meio todo mundo se conhece. Cada veículo tem um apelido e todo mundo conhece o outro. E no caso, ninguém sabia quem era ele.
Então vocês saíram do culto para o Portal da Amazônia, teve o encontro e lá começou algum tipo de confusão?
Isso foi rumores, eu não tive nenhum contato com o Allan. Sobre discutir, falar com ele, nenhum... Tanto é que não sei nem quem ele é.
Mas como começou? Houve alguma perseguição no seu retorno?
Primeiro eu fiquei sabendo - que até um amigo meu prestou depoimento, né? O Mateus - que ele chegou a fechar ele também. Só que o Mateus morava logo lá próximo.
Isso depois que vocês já tinham saído do Portal da Amazônia?
Logo em seguida. Eu conversei com o Mateus, lado a lado, a gente indo, depois o Mateus encontrou ele lá. Só que eu fui pela Tamandaré e, se eu não me engano, o Mateus foi pela Óbidos, que ele mora lá perto, na Cidade Velha. Eu fui no meu trajeto de sempre pra casa.
Você estava voltando para casa que horas mais ou menos?
Eu acho que era umas 23h30. Foi a hora que eu saí... Eu tava de vidro fechado, o ar condicionado ligado e aí entre 40 e 50km/h. Eu já fui encontrar o carro do Alan eu acho que foi na Tamandaré com a Padre Eutíquio. Aí nós passamos de lá, ele me fechou uma vez, eu tirei o carro. Até comentei com minha esposa: 'olha esse doido aí, amor'. E mais à frente foi que aconteceu o ocorrido. Ele chegou a tocar no meu carro e o carro saiu de lado e aconteceu o que eu tô passando hoje.
Primeiro ele fechou você na Tamandaré e depois você seguiu?
Na Tamandaré, ele chegou a piscar os faróis, né, pra mim. Um alerta. Só que abriu o sinal, a gente saiu, continuou. Só que quando a gente foi acessar a Nazaré, tinha uma obra de saneamento da Cosanpa, que estão fazendo na cidade. Eu fui passar e ele jogou o carro pra cima de mim pra me bater, aí eu desviei e falei para minha esposa ... Aí a gente seguiu mais à frente. Eu acho que a gente chegou a parar em um sinal, que abriu e eu saí. Quando eu passei na frente de uma Hilux, ele veio pelo outro lado e foi quando ele tocou a traseira do meu carro. O meu carro saiu derrapando e a gente colidiu na árvore. Primeiro o meu carro e em seguida o carro dele.
Mas você estava em alta velocidade? Ou ele?
Não tem como. Não tem como porque ali no início da avenida Nazaré existem dois radares. E outra, o fluxo dos carros que estavam saindo do encontro era grande. Um exemplo: por mais que você quisesse é impossível, muito fluxo de carro e eu não sou de correr. Eu estava com a minha filha, a minha esposa e eu prezo pela vida delas. Jamais eu iria fazer isso. Jamais.
Tinha bastante carro quando você seguia pela Nazaré?
Tinha. Nas filmagens aparece bastante carro em movimento pela avenida Nazaré. Tava bem movimentado.
Em um vídeo aparece que o carro preto, que vocês estavam, fica de lado. O Allan bateu antes e você perdeu o controle?
Na verdade, quando eu cortei na frente da Hilux, tem isso na perícia, ele bateu no canto do meu carro. O meu carro saiu derrapando de lado e ele veio me levando. Até que o meu carro bateu e ele veio e bateu atrás porque ele tava correndo mais do que eu e foi isso ocasionou isso em que a minha filha, primeiro, veio a óbito no local e depois a minha esposa.
De lá, desse momento do acidente, você teve consciência do que tinha acontecido ou você ainda estava desnorteado?
Tipo assim, foi tudo tão rápido que eu cheguei apagar, acordei de novo, apaguei e quando eu voltei, a minha esposa estava em cima de mim. Eu vi na filmagem a hora que estava passando a mão no cabelo dela, mas eu só me lembro de falar pela minha filha: "a minha filha tá dentro do carro, a minha filha"... Daí um monte de gente e eu só me recordo já dentro da ambulância e daí em diante o que aconteceu no Metropolitano.
Você soube do que tinha acontecido no hospital?
É. Eu tive ciência lá no hospital. Eu vi que tinha batido o meu carro quando me tiraram no meio das ferragens, mas eu não tinha notícia da minha esposa, da minha filha, o que foi que aconteceu eu não sabia.
Elas costumavam acompanhar você nesses passeios?
Sempre. 24 horas. A gente trabalhava junto e ela fazia parte da minha rotina de vida. A minha esposa e minha filha.
Você mudaria alguma coisa desse dia, você tomaria algum outro caminho? Você pensa nisso?
Olha, eu sou cristão. Quando Deus determina alguma coisa, pela nossa vontade terrena aqui... Claro que pra acontecer isso, você tomaria diversas atitudes, você demoraria a sair, você dobraria... Mas quando você não espera o que vai acontecer. Agora, se eu tivesse uma oportunidade, com certeza. Eu perdi a minha filha e a minha esposa, perdi as coisas mais preciosas da minha vida. Era o que eu tinha. Era da onde eu sobrevivia, era da onde vinha a minha felicidade, meu trabalho. E hoje eu não sei como vai ser a minha vida, porque eu perdi elas tragicamente.
O que você espera que seja feito com o Alan? Você tem algum desejo?
Justiça. Eu quero que ele sobreviva, mas eu quero que ele pague o que ele fez. Eu quero que seja feita a justiça na vida dele e, claro, da minha filha e minha esposa, que eram pessoas inocentes e não faziam mal a ninguém e perderam a vida dessa forma tão brutal.
Como é que você se define hoje depois de tudo o que aconteceu, depois de tudo o que você está passando ainda?
Uma pessoa acabada. Uma pessoa sem chão. Se eu não tivesse minha mãe aqui na terra, a minha irmã que me ajuda, o meu irmão que veio de Mosqueiro. Minha mãe veio de Castanhal. Mora em Belém, mas trabalha lá... Eu acho que não teria mais nada. E os meus amigos que estão me dando muito apoio, ajuda, que vêm aqui me visitar e que estão me ajudando, porque eu não tenho salário fixo. Eu sou comissionado. Eu não seria nada. Eu não sei o que vai ser da minha vida daqui para frente.
Você morava aqui?
Não. Aqui é a casa da minha mãe e da minha irmã. Eu ainda não consegui ir na minha casa. Eu acho que quando eu chegar na minha casa, vai ser impossível não lembrar da minha filha, das brincadeiras, da minha cachorrinha que está aqui. Quando eu chegava lá, era ela que me recepcionava, a minha esposa, então não sei o que eu vou fazer daqui pra frente.
Você era casado há quanto tempo?
Onze anos. Quando eu comecei a namorar com a minha esposa, ela tinha 18 e eu tinha feito 19 anos. A gente tinha uma vida juntos. A gente se formou. Não éramos formados. Compramos a nossa casa juntos. Tudo com muito trabalho. Ela era meu braço direito, meu braço esquerdo, era tudo para mim. Por isso eu não sei como vai ser a minha vida daqui pra frente sem ela e sem a minha filha também.
Imagino que você ainda esteja processando isso tudo...
Estou tentando. Sabe quando você parece estar num sonho e ainda não acordou? Eu creio que a qualquer momento ela pode cruzar por essa porta. (Choro) Eu posso escutar a voz da minha filha dizendo "papai". E recebendo um abraço dela. Eu ainda não quero acreditar nisso que aconteceu comigo e com a minha família. Parece que é um sonho. Não consigo entender o porquê. Eu estou tentando assimilar o que essa pessoa fez isso comigo e com a minha família sem eu ter feito nada pra ela. Não consigo, não consigo entender o porquê. É muito difícil, muito difícil eu sonhar com ela. Eu não consigo dormir à noite, eu estou dormindo a peso de remédio e quando eu durmo, eu acordo pior, porque eu sonho com ela. Ela fazia parte da minha rotina. Tá sendo muito, muito difícil.
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