Em um ano, casos de estelionato digital aumentam em 150% no Pará
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que 4.226 ocorrências foram registradas no Pará, enquanto em 2023 tiveram 1.686
Em um ano, o número de casos de estelionato por meio eletrônico aumentou em 150% no Pará. A média, retirada a partir dos dados disponibilizados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano, é com base nos 1.686 delitos desta natureza registrados em 2023 e nos 4.226 ocorridos em 2024. Especialistas apontam que esse tipo de crime explora a vulnerabilidade das vítimas no ambiente digital, seja por meio da confiança, de mensagens maliciosas ou clonagem de voz. Entre uma dessas fraudes está a que criminosos se passam por taxistas para enganar passageiros na hora do pagamento da corrida com cartão de crédito ou débito.
Uma das vítimas do crime em questão, chamado de golpe do falso taxista, foi o médico Thales Bretas, viúvo do humorista Paulo Gustavo. No Instagram, ele contou que tudo aconteceu quando pegou um táxi na rua. Porém, em um certo momento, o condutor mandou que descessem, porque o “carro estava esquentando”.
Foi quando o taxista alegou que a corrida tinha sido R$ 15 e pegou uma maquininha para realizar o pagamento. Entretanto, o valor digitado pelo motorista não condizia com o que tinha sido colocado na máquina. Thales só percebeu que tinha caído em um golpe depois que recebeu um SMS mostrando o valor acima do que era. Naquela hora, o golpista já tinha ido embora.
O estelionato digital
Allan Costa, professor universitário de segurança cibernética, explica que o estelionato digital se refere a um tipo de fraude moderna, que é caracterizado pela manipulação digital da confiança humana.
“Trata-se da prática de enganar alguém usando recursos tecnológicos com a intenção de obter vantagem ilícita, geralmente financeira. Pode ser feito por mensagens falsas, links maliciosos, perfis clonados ou até por QR Codes adulterados”, disse.
Para entender melhor, Costa fala que a diferença entre o estelionato tradicional e o digital está no meio em que é cometido. Segundo ele, enquanto antes o criminoso precisava de contato presencial ou por telefone, hoje ele pode atingir milhares de vítimas com um clique.
A distinção entre essas duas modalidades do delito já é reconhecida pelo Poder Judiciário. Allan relembra que, em 2021, houve a sanção da Lei nº 14.155, que tornou mais severas as penas para esse estelionato digital, incluindo se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por outra pessoa que seja induzida a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de e-mail fraudulento.
“Só no ano passado, o país ultrapassou a marca de um milhão de registros formais de golpes com uso de tecnologia. Ou seja, estamos lidando com um fenômeno de grande escala. A fraude não está só no código, mas na engenharia social que induz a vítima a agir contra seus próprios interesses. E isso exige uma nova postura de vigilância por parte da população”, ressaltou.
Os golpes mais comuns
Allan relatou que os golpes digitais mais comuns são aqueles que conseguem unir tecnologia com manipulação psicológica, sendo os mais eficazes aqueles que exploram a confiança, a pressa e a desatenção. “O phishing ainda é o campeão, usado para roubar dados bancários e credenciais por meio de e-mails, mensagens ou sites falsos que imitam empresas conhecidas”, afirma.
“O que temos visto também são muitos golpes pelo WhatsApp, em que o criminoso clona a conta da vítima ou cria um perfil falso e começa a pedir dinheiro para os contatos, geralmente simulando alguma emergência. É uma tática simples, mas que tem funcionado porque apela para a emoção e o senso de urgência”, acrescenta.
Além disso, ele comenta que outra fraude frequente envolve boletos ou links falsos de pagamento, que às vezes ocorrem em páginas que parecem reais.
Através da ascensão da Inteligência Artificial (IA), Costa cita que os crimes envolvendo essa tecnologia estão começando a surgir de forma acelerada e sofisticada, como por exemplo, o uso das deepfakes, vídeos falsos que parecem reais e em que consistem na troca do rosto de uma pessoa por outra, e também a clonagem de voz.
Segundo o professor, esses tipos de golpes já foram usados em tentativas de extorsão, inclusive com simulação de chamadas de familiares. “Com poucos segundos de áudio gravado, é possível gerar uma voz sintética quase idêntica à de uma pessoa real. Golpistas têm usado isso para simular chamadas de filhos, gestores ou advogados, criando um nível de persuasão que confunde até quem tem boa formação digital”, completou.
Outro uso da IA relatado por Alla é na personalização de ataques e na automatização de respostas em tempo real durante golpes por chat. De acordo com ele, ferramentas de linguagem conseguem redigir e-mails com tom natural, sem os erros que costumavam denunciar fraudes, e também podem gerar textos e mensagens adaptadas ao perfil da vítima, com base em dados públicos coletados em redes sociais ou vazamentos.
Por isso, a melhor defesa “ainda é a informação crítica e a desconfiança saudável”, além da “educação digital, mais verificação e mais políticas públicas voltadas à proteção de dados e combate à ciberfraude”.
Estratégias dos criminosos
Os golpistas de hoje não precisam de mais armas ou de disfarces elaborados. Allan diz que, hoje em dia, eles usam algo mais sutil e perigoso: a engenharia social. “Trata-se da arte de manipular o comportamento das pessoas com base em emoções como medo, empatia ou ganância”, esclarece.
“A estratégia mais comum é criar um senso de urgência. A vítima recebe uma mensagem dizendo que sua conta será bloqueada em minutos, que alguém próximo está em perigo ou que ela precisa tomar uma decisão imediata. Essa pressão faz com que a pessoa aja sem pensar”, continua.
Ele destaca que outra estratégia de que os criminosos se aproveitam é o uso de autoridade falsa, em que “se apresentam como banco, Justiça ou operadora, muitas vezes com logos idênticos aos reais", o que dá legitimidade à fraude e facilita a persuasão.
Outro método usado pelos golpistas, comentado por Allan, é o de oferecer “recompensas irresistíveis ou que simulem vínculos emocionais, como em golpes de relacionamento”. “Em todos os casos, eles buscam uma coisa: que você baixe a guarda. E hoje, com tantos dados pessoais vazados na internet, os criminosos chegam até você já sabendo seu nome, CPF, endereço e até seus hábitos. Isso torna as abordagens ainda mais convincentes”, informou.
Dicas de segurança
As diversas formas de abordagem do golpista necessitam que a vítima tenha cuidado e desconfiança em qualquer situação. “Se uma mensagem parece urgente demais, emocional demais ou vantajosa demais, ela merece atenção redobrada”, reforça Allan.
Da mesma forma, ele orienta que sempre seja verificada a origem do contato. Caso seja um suposto banco, empresa ou familiar, desligue a chamada ou encerre a conversa e faça você mesmo o contato, por um canal oficial. “Evite tomar decisões sob pressão emocional ou em ambientes de distração”, disse.
O compartilhamento de códigos de verificação, senhas ou dados bancários por mensagens deve ser evitado, mesmo que o pedido venha de alguém conhecido. “Golpistas muitas vezes usam perfis clonados ou números hackeados para se passar por pessoas próximas”, conta.
Uma tática de segurança é a atualização dos dispositivos. Com relação ao uso das redes sociais, aplicativos de banco e de e-mail, a autenticação de dois fatores adiciona uma camada extra de proteção à conta online, inclusive na senha. “Golpistas muitas vezes usam perfis clonados ou números hackeados para se passar por pessoas próximas”, comenta.
Links recebidos pelo e-mail, SMS ou nas redes sociais, sem uma verificação prévia, precisam ter cuidado na hora de clicá-los. “Sempre confira o endereço do site, mesmo que ele pareça legítimo”, frisa.
Com relação ao golpe do taxista, Allan explica que é necessário manter a calma, já que o golpe depende do fator emocional. “O criminoso precisa que você reaja com desespero, não com racionalidade. Se a abordagem envolver um parente, tente entrar em contato diretamente com a pessoa citada, mesmo que seja por outro canal ou telefone alternativo”, aponta.
“Não forneça nenhum dado adicional durante a ligação, nem confirme informações ditas pelo criminoso. Eles usam técnicas de extração de dados durante a conversa para enriquecer a narrativa em tempo real. Nunca realize transferências ou pagamentos antes de confirmar a veracidade da situação”, conclui.
Projeto de cibersegurança
Por fim, Costa ressaltou o trabalho desenvolvido pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), que atua diretamente no atendimento à comunidade acadêmica e também ao público externo em situações que envolvem segurança da informação, resposta a incidentes, privacidade, conformidade e cibercrime.
Ele comenta que os laboratórios operados nas universidades federais do Pará (UFPA) e Rural da Amazônia (UFRA) integram um ecossistema de inovação, tendo como principal alicerce o Instituto Sustentabilidade da Amazônia com Ciência e Inovação (ISACI), que “oferece todo o suporte institucional, estratégico e operacional necessário ao desenvolvimento de soluções de alto impacto na área de cibersegurança”.
“Um dos maiores marcos atuais é o projeto SEC365, uma iniciativa acadêmica com execução direta no Estado do Pará, que vem ganhando ampla notoriedade pela sua excelência técnica e relevância pública. Por meio do SEC365, entregamos serviços e soluções de segurança digital ao Governo do Estado, incluindo monitoramento de redes críticas, threat intelligence, forense computacional, adequação à LGPD e apoio à tomada de decisão estratégica em situações de risco cibernético”, afirma.
“A credibilidade do projeto, somada à atuação científica e aplicada dos nossos laboratórios, posiciona a universidade como protagonista na proteção digital da Amazônia e na construção de uma agenda soberana de defesa cibernética no território nacional”, complementou.
Casos de estelionato digital no pará
- 2023: 1.686
- 2024: 4.226
Fonte: Anuário de Segurança Pública 2025
Dicas de segurança
- Desconfie de mensagens que parecem urgentes, emocionais ou vantajosas;
- Verifique a origem do contato;
- Nunca compartilhe código de verificação, senhas ou dados bancários com outra pessoa;
- Evite instalar aplicativos de fontes desconhecidas;
- Ative a autenticação de dois fatores;
- Tenha cuidado ao clicar em links que cheguem por e-mail, sms ou redes sociais, sem verificar previamente;
- Não tome decisões sob pressão emocional ou em ambientes de distração.
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