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MPF pede cancelamento urgente de processos minerários em 48 terras indígenas no Pará

Segundo o MPF, além de ilegal, existência dos procedimentos viola direitos indígenas e é usada para camuflar irregularidades

João Thiago Dias / Com informações do MPF

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou oito ações, nesta última semana de novembro, com pedidos urgentes para que a Justiça Federal cancele processos minerários incidentes em 48 terras indígenas localizadas em vários municípios do Pará. Também foi pedido que a Agência Nacional de Mineração (ANM) indefira todos os processos atuais nessas áreas e os que surgirem antes do cumprimento das exigências legais para a autorização da atividade, que incluem a necessidade de consentimento das comunidades. As informações são do MPF.

As terras indígenas citadas nas ações são: Alto Rio Guamá, Alto Turiaçú, Anambé, Andirá-Marau, Apyterewa, Arara, Arara da Volta Grande do Xingu, Araweté/Igarapé Ipixuna, Badjônkôre, Barreirinha, Baú, Bragança-Marituba, Cachoeira Seca do Iriri, Cobra Grande, Juruna do Km 17, Karajá Santana do Araguaia, Kararaô, Katxuyana-Tunayana, Kayabi, Kayapó, Koatinemo, Kuruáya, Las Casas, Maracaxi, Maranduba, Maró, Menkragnoti, Mundurucu, Munduruku-Takuara, Nhamundá-Mapuera, Panará, Paquiçamba,  Paquiçamba (reestudo), Parakanã, Parque Indígena do Tumucumaque, Rio Paru D'Este, Sai Cinza, Saruá, Sawré Muybu, Tembé, Trincheira/Bacajá, Trocará, Trombetas-Mapuera, Turé-Mariquita I, Turé-Mariquita II, Xikrin do Cateté, Xipaya e Zo'é.

O MPF explica que a Constituição e as leis estabelecem que qualquer medida administrativa que possa levar à autorização da atividade minerária nessas áreas só pode ser tomada depois que houver oitiva constitucional das comunidades sobre o decreto legislativo autorizador, autorização do Congresso Nacional, consulta prévia, livre e informada às comunidades relativa à autorização administrativa, e regulamentação legal.  

De acordo com manifestação da ANM ao MPF, a agência considera que a falta de lei regulamentadora não impede que os processos minerários sejam sobrestados, ou seja, abertos e colocados em espera. Para os procuradores da República que assinam as ações, no entanto, o simples registro, cadastramento e sobrestamento desses processos – ainda que não deferidos ou mesmo apreciados – contraria a Constituição Federal e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil e garante o direito à consulta prévia, livre e informada.

Segundo levantamento feito pela organização Instituto Socioambiental (ISA) por solicitação do MPF, o Pará tem um total de 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas, números maiores que, pelo menos, outros seis dos nove estados da Amazônia Legal (o levantamento não incluiu Amazonas e Amapá, ficando restrito aos dados do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

No total, nesses seis estados da Amazônia atualmente existem 3.347 processos, registrados em áreas de 131 terras indígenas inseridas nas diferentes fases do processo de regularização fundiária (identificadas e delimitadas, declaradas e homologadas).

Os processos minerários incidentes nas 48 terras indígenas no Pará são referentes a áreas localizadas nas circunscrições da Justiça Federal nos municípios de Altamira, Belém, Castanhal, Itaituba, Paragominas, Redenção e Santarém. Investigação semelhante relativa às terras indígenas localizadas na circunscrição da Justiça Federal em Marabá está em andamento. 

Impactos políticos

Ainda segundo o MPF, além de violar a legislação, a prática do sobrestamento produz impactos políticos concretos. Sobre isso, os procuradores da República no Pará signatários das ações citam decisão do juiz federal Lincoln Rossi da Silva Viguini, que, em junho deste ano, acatou pedido do MPF e determinou o indeferimento de todos os pedidos de mineração em terras indígenas no Amazonas.  

Impactos socioambientais

O MPF também destaca a ocorrência de impactos socioambientais resultantes do sobrestamento de processos minerários em áreas indígenas, onde os requerimentos minerários são utilizados para conferir uma aparente legitimidade à exploração minerária ilegal – sobretudo à garimpagem. “Para além de estimular o lobby, o sobrestamento gera insegurança jurídica aos indígenas e transforma as terras indígenas em reservas minerárias”, criticam os procuradores da República. 

Como exemplo desses impactos, o MPF cita garimpo ilegal flagrado em zona intangível de proteção integral da Terra Indígena Zo'é, na região do baixo Amazonas, noroeste do Pará. A investigação demonstrou que a área explorada coincidia com os polígonos de quatro processos minerários pendentes de apreciação pela ANM, requeridos justamente pelos autointitulados donos do garimpo. Em ação judicial, o MPF informou que os impactos causados são de mais de R$ 350 mil.  

Inviabilidade jurídica

Na ausência de regulamentação sobre a exploração em terras indígenas, a ANM tem decidido sobrestar os procedimentos minerários com base no Código de Mineração. No entanto, o código trata de áreas consideradas livres, não de terras indígenas, e, se vier a ser publicada regulamentação, poderão ser adotados procedimentos diferentes dos existentes no código, explica o MPF.  

Mesmo que os procedimentos gerais do Código de Mineração fossem mantidos para a análise de pedidos relativos a terras indígenas, as normas hoje vigentes teriam que ser adaptadas ao estabelecido pela Constituição, tratando do direito à consulta livre, prévia e informada, à participação nos resultados da lavra e à reparação do dano ambiental, complementam os procuradores da República.

Relativamente a esse tema, além de voltar a citar a decisão liminar (urgente) da Justiça Federal no Amazonas, as ações dos procuradores da República no Pará cita sentenças de juízes federais no Amapá e Roraima que acataram pedidos semelhantes feitos pelo MPF nesses estados.

Violação de direitos

A Convenção nº 169 da OIT determina que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas administrativas que possam afetá-los. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos acrescenta que a consulta deve ocorrer desde a fase de planejamento do projeto, plano ou medida, com suficiente antecedência ao começo das atividades de execução. A Corte Interamericana, por sua vez, esclarece que a consulta deve ocorrer desde as primeiras etapas de planejamento da proposta, e não unicamente quando surja a necessidade de aprovação da comunidade, de modo a permitir que os grupos participem e influenciem a tomada de decisão.

Por isso, para o MPF, o ato administrativo de sobrestamento dos processos minerários em terras indígenas, ao gerar direito de preferência, afeta diretamente os povos indígenas que nelas habitam e, portanto, não poderia ser editado sem consulta prévia, livre e informada. Apesar de o requerimento e o sobrestamento dos processos minerários não serem, por si sós, exploração minerária, são os primeiros de uma série de atos que, ao final, poderão resultar na autorização de lavra minerária ou garimpeira, observam os procuradores da República nas ações.

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