Em 5 anos, mais de 19 mil casos de violência sexual infantojuvenil são registrados no Pará
Uma rede de proteção formada por conselhos tutelares, escolas, serviços de saúde e centros de referência de assistência social atua em conjunto para prevenir os casos, prestar assistência às vítimas e familiares, e responsabilizar os agressores

A campanha ‘Maio Laranja’, que tem ‘dia D’ neste domingo (18), chama atenção para o combate de casos de violência sexual em que as vítimas são crianças e adolescentes. Vários órgãos governamentais, estaduais e municipais se unem para realizar levantamentos, que são usados em busca de políticas públicas que auxiliem no combate aos crimes. Um dos dados, divulgado pelo Coletivo Futuro Brilhante com base em informações oficiais do Sistema de Informação de Segurança Pública, aponta que mais de 19 mil casos de abuso sexual de menores de idade foram registrados no Pará entre os anos de 2019 a 2023. Para prevenir os casos, prestar assistência às vítimas e familiares, e ainda responsabilizar os agressores, uma rede de proteção formada por conselhos tutelares, escolas, serviços de saúde e centros de referência de assistência social atua em conjunto.
A campanha nacional de conscientização, o ‘Maio Laranja’, foi criada para mobilizar a sociedade em torno dessa causa urgente. A iniciativa, que tem como principal marco o 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, contribui para ampliar políticas de prevenção e atendimento especializado, e reforça o papel de toda a sociedade na garantia dos direitos fundamentais da infância e adolescência.
Pensando nisso, uma união entre grupos e projetos de pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade Estadual do Pará (UEPA), do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) e do Coletivo Futuro Brilhante realizou a pesquisa “Violência contra pessoas de 0 a 17 anos no Pará – Análise de dados de 2019 a 2023”. O estudo apresenta um panorama detalhado sobre os padrões e perfis da violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado.
O levantamento aponta que entre os 19 mil casos de violência sexual registrados no Pará, 89,24% das vítimas de violência sexual são meninas e a maioria dos crimes ocorre dentro da própria casa da vítima. Além disso, em 98,06% dos abusos, os autores identificados são homens. Com base nos dados, a pesquisa ainda diz que mais de 57% das vítimas têm entre 12 e 17 anos e as cidades de Vitória do Xingu, Salvaterra e Soure estão entre as que apresentam os maiores índices no estado.
Prisões, apreensões e detenções
Em 2024, segundo dados da Polícia Civil, foram registrados no Pará 430 procedimentos com resultado em prisão, apreensão ou detenção por crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Os dados da PC também apontam que, em 2025, entre os meses de janeiro a abril, foram contabilizadas 136 destas autuações no Estado.
Um dos casos mais recentes de violência sexual, divulgados pela PC, envolve uma criança de 8 anos que foi estuprada em Castanhal, no nordeste do Pará. O crime ocorreu no dia 11 de maio e tem como principal suspeito um motociclista por aplicativo. O suspeito levou a vítima para um imóvel onde morava, local em que ocorreu o abuso. A PC teve acesso às imagens de câmeras de segurança que comprovam a denúncia da vítima. O suspeito está preso e aguarda os procedimentos da Justiça.
De acordo com a PC, para coibir os crimes, o órgão de segurança pública realiza ações integradas de investigação, prevenção e atendimento especializado às vítimas. “A PCPA conta com delegacias especializadas, como as Delegacias Especializadas no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca) na Capital, Ananindeua e nas cidades com maior incidência de violência, a exemplo de Marabá, Parauapebas, Altamira, dentre outras cidades do interior do Estado, as quais funcionam, em sua maioria, em regime de 08h às 18h, de segunda a sexta”, explica.
As equipes das Deaca também recebem preparo para lidar com casos de violência sexual infantojuvenil, assegurando um atendimento humanizado e eficaz. “Além das ações repressivas, as Deacas desenvolvem campanhas educativas e ações de conscientização para prevenir a violência sexual contra crianças e adolescentes, promovendo a informação e o engajamento da sociedade na proteção dos direitos infantojuvenis. Essas ações refletem o compromisso da Polícia Civil do Pará com a proteção de crianças e adolescentes, atuando de forma integrada e especializada no combate ao abuso e à exploração sexual infantojuvenil”, afirma a PC.
A PC ainda reforça a importância de relatar os casos. “Qualquer denúncia pode ser realizada pelos canais oficiais: 190, 181 ou diretamente em qualquer unidade policial mais próxima”, finaliza.
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que executa de forma integrada com outros órgãos estaduais do sistema de segurança, o combate a crimes sexuais contra crianças e adolescentes com operações contínuas, a exemplo da “Caminhos Seguros” que está sendo realizada durante todo o mês de Maio, em alusão ao mês de combate à Violência e Abuso Sexual Contra Crianças e Adolescentes.
"Informamos ainda que são feitas campanhas de conscientização e divulgação dos canais de denúncia para que os casos sejam apurados e direcionados pela Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca) da Polícia Civil do Pará. A Segup reforça ainda que qualquer denúncia pode ser feita pelos canais da segurança pública, sendo eles, o 181 (Disque-Denúncia), através de ligação convencional, e ainda pelo número da Iara canal via Whatsapp (91) 98115-9181, para mensagens, envio de fotos, vídeos e localização em tempo real. O sigilo e anonimato das informações são garantidos.”.
Comdac garante direitos
De 2009 a 2021, Belém contabilizou 13.608 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos. Os dados são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Segundo Muller Maia, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdac), na capital paraense, o órgão é um dos que atua como fiscalizador e responsável por políticas públicas voltadas para a infância e adolescência.
“Após a pandemia, houve um aumento superior a 60% nas denúncias. Nós acompanhamos, fiscalizamos e propomos ações que garantam os direitos da criança e do adolescente. Trabalhamos em articulação com os conselhos tutelares e outros órgãos da rede de proteção. Belém conta com oito conselhos tutelares, com 40 conselheiros titulares e 40 suplentes. A atuação dos conselhos é fundamental, e nós fiscalizamos se estão cumprindo com suas atribuições”, explica Maia.
Segundo Muller, embora o Comdac não atue diretamente com as famílias das vítimas, sua função como articulador é essencial. “Muitas vezes, somos a ponte entre a denúncia e o encaminhamento para o conselho tutelar responsável pela área. É esse conselho que vai acionar os serviços de saúde, segurança e assistência social”, detalha. Segundo Maia, denúncias envolvendo abuso sexual infantil são direcionadas a órgãos especializados como o Parapaz, onde a vítima é ouvida por psicólogos e assistentes sociais, e pode registrar boletim de ocorrência ou fazer exames médicos.
Certificar a proteção
O presidente do Comdac ainda reforça que o conselho tutelar é a porta de entrada para a rede de proteção, mas não tem poder investigativo. “Muita gente confunde. O conselho tutelar não pode resolver conflitos familiares ou aplicar medidas judiciais. Ele requisita serviços, identifica vulnerabilidades e encaminha aos órgãos competentes. Se há indícios graves, o presidente do conselho pode acionar medidas judiciais, mas sempre com respaldo de outros órgãos”, esclareceu.
Além do atendimento aos casos, o Comdac tem investido em ações de prevenção. Em 2023, atualizou o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. “Estamos alinhando com a Funpapa e com o prefeito para implementar essa atualização. Também trabalhamos com projetos de capacitação de profissionais das comunidades, para que saibam identificar e denunciar violações. É importante que todos saibam que a responsabilidade de proteger é coletiva”, afirmou Maia.
Maia também chama atenção para a importância da denúncia. “Muitas vezes, a comunidade se cala por medo de represália ou por achar que não é sua responsabilidade. Mas a lei é clara: proteger a criança é dever de todos. Ao presenciar uma situação de risco, é fundamental encaminhar a denúncia ao conselho tutelar ou à delegacia especializada”, reforçou. Para ele, a atuação integrada entre poder público, sociedade civil e instituições de justiça é essencial para romper o ciclo de violência e garantir os direitos da infância.
Ações em regiões remotas
O fortalecimento dos conselhos tutelares e a aquisição de embarcações são algumas das ações previstas para serem realizadas no Marajó, no Pará, no combate à violência contra crianças e adolescentes. No dia 15 de maio, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, durante entrevista no programa “Bom Dia, Ministra”, detalhou como devem ocorrer as iniciativas de combate aos crimes sexuais infantojuvenis.
A ministra informou que no Pará há um fórum permanente de acompanhamento das políticas públicas na região do Marajó, com foco no combate à exploração sexual infantil. “Temos uma agenda chamada Cidadania Marajó, que busca fortalecer os conselhos tutelares.”
O Programa Cidadania Marajó foi instituído pela Portaria nº 292, de 17 de maio de 2023, com o objetivo de desenvolver ações de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, promover os direitos humanos e garantir acesso a políticas públicas no arquipélago do Marajó. “Conseguimos, em parceria com a Itaipu, no ano passado, viabilizar embarcações para cinco municípios da região. Neste ano, também com apoio da Itaipu, teremos mais cinco embarcações destinadas a outros municípios”, disse.
MPPA garante suporte e repressão
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) também atua no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, agindo desde a repressão dos crimes, prevenção e proteção das vítimas, até a responsabilização dos agressores. De acordo com Patrícia Araújo, promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional às promotorias que atuam na área da infância e juventude, a instituição age tanto na esfera judicial quanto extrajudicial. “Requeremos medidas de proteção para que a vítima receba atendimento psicológico após sofrer abuso sexual ou outro tipo de violência. Atuamos também na construção de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência, conforme previsto na Lei 13.431/2017”, explica.
A promotora destaca que o MP atua com urgência quando toma conhecimento de casos de violências contra crianças. “Assim que detectamos que uma criança ou adolescente foi submetido à violência física, psicológica ou sexual, o Ministério Público atua imediatamente para cessar essa violência”, ressalta. Ela ainda esclarece que isso inclui tanto medidas protetivas quanto ações penais. “Compete ao MP processar o agressor criminalmente e pedir medidas como o afastamento do lar, principalmente quando a violência ocorre dentro da própria casa”, aponta. A promotora detalha que os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes tramitam em segredo de Justiça e, em Belém, contam com uma vara especializada e duas promotorias dedicadas exclusivamente a esses casos.
Outro ponto essencial da atuação do Ministério Público, segundo Patrícia Araújo, é a articulação com a equipe de proteção, formada por conselhos tutelares, escolas, serviços de saúde, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). “É fundamental que essa rede atue de forma integrada, com foco na escuta protegida prevista na Lei 13.431, evitando a revitimização da criança ao ser obrigada a relatar várias vezes o mesmo fato”, pontuou. A promotora destacou que o MP zela para que essa escuta ocorra conforme os protocolos legais, preservando a dignidade da vítima.
A promotora também alerta para os perigos no ambiente digital. “Temos muitas denúncias de prostituição infantil ocorrendo pelas redes sociais. Por isso, o MP produz cartilhas e materiais voltados para adolescentes, com orientações sobre crimes digitais e segurança online”, diz. Para Patrícia Araújo, o combate à violência precisa ser contínuo. “As ações não podem acontecer só em maio, no dia 18. Precisam ser permanentes. É uma questão que exige enfrentamento constante, porque estamos lidando com vidas em situação de extrema vulnerabilidade”, assegura.
Durante o ‘Maio Laranja’, o MPPA intensifica suas ações e implementa o projeto “Rios de Proteção”. “O lançamento oficial será no dia 19 de maio. Esse projeto vai levar ações sistemáticas de enfrentamento à violência durante os próximos dois anos. A ideia é conscientizar para que a violência não ocorra. Atuamos muito na sensibilização comunitária. Levamos palestras às escolas, orientamos pais, mães e responsáveis, e buscamos despertar a consciência para a proteção das crianças”, encerra a promotora.
Abrinq reforça campanha
Um estudo divulgado pela Fundação Abrinq, dentro da campanha “Pode Ser Abuso”, aponta que, de 2009 até 2024, o Brasil registrou em média 28 mil notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse total, 19,4 mil casos foram de estupro e 8,2 mil de assédio sexual, todos envolvendo vítimas com até 19 anos de idade. Apenas no ano passado, o Brasil teve uma média de mais de 156 notificações por dia, o que equivale a cerca de sete registros por hora. A análise se baseia em dados oficiais do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Criada em 2018, a campanha “Pode Ser Abuso” visa dar voz à luta contra a violência sexual infantil, com o objetivo de ensinar a identificar sinais de abuso e mostrar os canais de denúncia. Durante a análise dos dados envolvendo os casos registrados no Brasil, a Fundação Abrinq alerta que os números podem ser maiores, pois muitos crimes sequer são denunciados.
“A subnotificação é uma realidade, já que muitos casos não chegam às autoridades por medo, vergonha ou pelo vínculo da vítima com o agressor”, destaca um trecho do estudo. Entre todos os casos de violência sexual registrados no país no período analisado, 75,6% tinham como vítimas crianças e adolescentes. Eles também foram vítimas em 81,9% dos casos de assédio sexual e em 72% dos estupros.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA