Trabalhadores informais de Belém criticam e elogiam o Pix

Para uns, a modalidade é benéfica, para outros, nem tanto

Igor Wilson

Com uma mochila carregada com acessórios para celulares nas costas, Dayane Morais entra em aproximadamente 20 ônibus por dia. Desde o lançamento do Pix, em novembro de 2019, a rotina da moradora do bairro das Águas Lindas e de todos os trabalhadores informais mudou drasticamente. Se para a economia brasileira o Pix revolucionou as transações bancárias, movimentando mais de R$ 16 trilhões desde seu ano de criação, entre esses profissionais há divergência sobre o modelo de pagamento. Alguns acreditam que facilitou, outros dizem que atrapalhou.

“Eu acredito que o Pix atrapalhou bastante, porque o vendedor de ônibus trabalha muito com o tempo. Cada segundo é muito importante. Quanto mais rápido for sua apresentação e mais rápido você arrecadar o dinheiro, você pega outros ônibus e consegue vender mais. Mas o dinheiro em espécie ficou escasso e boa parte das vendas é no Pix, o que requer tempo maior, pois o cliente precisa abrir o aplicativo e fazer o pagamento”, diz Dayane, que trabalha há dez anos com as vendas nos ônibus em Ananindeua e na região metropolitana de Belém.

Brasileiros estão andando com menos dinheiro em espécie

O sentimento da vendedora é compartilhado por outros trabalhadores da região. Os brasileiros estão andando com menos dinheiro em espécie, efeito direto do Pix. Aquele cliente/passageiro que sempre anda com algum dinheiro no bolso está ficando cada vez mais raro. Com o cliente tendo que decidir se vale a pena ter o trabalho de abrir o aplicativo bancário para comprar, o vendedor muitas vezes vê a venda escapar.

image Dayane Morais entra em aproximadamente 20 ônibus por dia (Arquivo pessoal)

“É tenso. Muitas vezes demora para o cliente entrar no aplicativo, ele entra e sai várias vezes, outros dizem que querem, mas que estão sem internet, oferecemos até para rotear. Isso se temos dados móveis, senão perdemos a venda. É um processo lento, muitas vezes pego o ônibus no Castanheira, por exemplo, e só vou descer em São Braz porque o cliente está demorando pra transferir o Pix”, explica Dayane, que decidiu vender acessórios tecnológicos para conseguir motivar os passageiros a utilizar o Pix.

“Eu já trabalhei com bombom, chope, muitas coisas. Decidi pelos acessórios, como carregadores, cabos, fones de ouvidos, praticamente no início da época do Pix. As pessoas compram porque sabem que não irão encontrar mais barato fora dos ônibus. Quando é algo tipo bombom ou chopp, o cliente até pode ter no Pix, mas segura a vontade, muitas vezes por preguiça de abrir o aplicativo mesmo”, conta.

Homem-Aranha toca violino na encruzilhada

Entre as verdejantes mangueiras gigantes e o incessante fluxo da matinal da metrópole paraense, surge o Homem Aranha. Ali, na encruzilhada da avenida Brás de Aguiar com a travessa Rui Barbosa, onde habita parte da chamada elite de Belém, ele chega com seu traje de herói por debaixo de roupas sociais que, embora desbotadas pelo tempo, denunciam a elegância de Peter Parker no dia a dia. Dobra a camisa e a calça e guarda tudo em cima dos sapatos rotos. Leva consigo uma espécie de case envelhecido e um quadro magnético, que repousa no chão com zelo minucioso. Antes da ação, pega um pincel e escreve no quadro, junto com sua chave Pix: “Nós somos quem escolhemos ser. Por isso, Escolha!”

Então, abre o estojo mágico e retira de lá um violino, seu instrumento de poder, que funciona como as teias do herói original. Em poucos minutos, o Homem-Aranha de Belém começa a emitir os timbres brilhantes do instrumento. Tudo parece ficar mais calmo, desacelerado.

image Homem-Aranha violonista tenta manter a identidade secreta (Igor Mota / O Liberal)

O músico-herói, que toca violino desde os nove anos, prefere não se identificar. Nem mesmo as pessoas que trabalham nas proximidades e o veem todos os dias sabem de quem se trata, pois ele já chega no local com sua máscara. E assim tem sido desde setembro do ano passado, quando decidiu tocar seu instrumento de música erudito na rua. Enfrentou algumas críticas de músicos ortodoxos, que acham que o violino é para poucos. Ainda lembra do primeiro dia, quando as mãos suaram e as pernas ficaram trêmulas diante de tanta movimentação. A felicidade estampada nos rostos de crianças apaixonadas pelo herói da Marvel e de adultos apreciadores da boa música logo o tranquilizou. Junto com tudo isso, vieram as contribuições, a maioria por Pix.

“Esse trabalho é uma experiência nas ruas. Porque o violino foi sempre voltado para o erudito. Então estou tentando trazer o violino para o meio das ruas, para o pessoal conhecer. A ideia de me vestir de Homem Aranha é porque tenho timidez em aparecer e sou um grande fã do herói desde a época dos quadrinhos, então decidi juntar meus dois amores, a música e o universo geek. Musicalmente, tento fazer um mix entre o erudito e os gêneros populares, toco carimbó, brega, hits que todos gostam, mas também toco os clássicos do erudito, que surpreendem muitas pessoas. Eu toco praticamente todos os dias, ganho em média R$ 150 com esse trabalho que faço na rua somente durante a manhã, pois durante a tarde dou aula, já como ‘civil’. Posso dizer que o Pix me ajuda”, diz o Homem-Aranha de Belém, confessando que alguns de seus alunos já estão desconfiados de seu trabalho como “super-herói”.

Mais da metade do pagamento é via pix

O trabalho nos semáforos e cruzamentos da capital começou quando o Pix já estava em alta. O músico recebe mais da metade do dinheiro que ganha nas ruas pela nova modalidade de pagamento, mas acredita que pode receber mais se fizer um QR Code. “O pix ajuda muito as vezes, mas em alguns casos eu entendo que possa fazer alguns vendedores perder vendas. Eu entendo que hoje as pessoas andam com menos dinheiro em espécie, mas recebo de muitas pessoas que passam, se encantam e anotam a chave Pix, que depois mandam mensagem agradecendo, algumas dizem que mudei o dia delas, que estavam passando por momentos difíceis e que a música os alegrou. A música tem esse poder, esse lado sentimental, então acredito muito que as pessoas que foram marcadas pelo momento, não esquecem de fazer o Pix. Mas preciso fazer o QR code para quem sabe conseguir mais, pode ser que algumas pessoas passem, gostem, mas deixem de contribuir pela pressa”, diz o artista, que vive sozinho e pretende deixar de tocar nas ruas em breve, mas antes tem um sonho, ligado ao herói preferido.

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“Eu vivo sozinho, estou guardando dinheiro para futuramente rodar o Brasil tocando como Homem Aranha”, diz o músico, que é parado constantemente, principalmente por crianças, para fazer fotos. Gentilmente atende a todos.

Pix terminou 2022 com um acumulado de R$ 16 trilhões em volume transacionado

O Pix terminou o último ano com um acumulado de R$ 16 trilhões em volume transacionado desde seu começo, em novembro de 2019, R$ 2 trilhões a mais do que o resultado de outubro de 2022. De acordo com o Banco Central do Brasil, a quantidade de transações no sistema de pagamentos instantâneos saltou de 28 bilhões para 34 bilhões, na mesma comparação.

Quanto às chaves Pix, eram 550 milhões no final de 2022, sendo que quase metade (42%) são de chaves aleatórias (231 milhões). Na sequência aparecem: CPF, com 116 milhões de chaves; número de celular (112 milhões); e-mail (81 milhões) e CNPJ (9,5 milhões).

O volume financeiro de transações PIX chegou a R$ 10,9 trilhões em 2022. Este valor representa quase o dobro registrado em 2021, na ordem de R$ 5,2 trilhões.

A região Norte movimentou 9,7% das transações Pix de todo Brasil, ficando a frente apenas da região Centro-Oeste, que movimentou 9%.

 

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