Projeto capacita mulheres detentas para o mercado de trabalho

'Chance' é uma iniciativa que reúne presidiárias que buscam uma fonte de renda para sustentar suas famílias

Elisa Vaz

Embora existam leis que estimulem a contratação de pessoas que já passaram pelo cárcere, o ingresso de ex-detentos no mercado de trabalho ainda é dificultado pelo preconceito. Para amenizar o impacto econômico na vida dessas pessoas, o projeto Chance oferece oportunidades para mulheres que tiveram sua liberdade privada e precisarão se recompor após a saída dos presídios. O objetivo é capacitar e contribuir para a reinserção social das internas do sistema penal em Belém, por meio da produção de objetos manuais e linhas de cama, nas técnicas de bordado com base na releitura dos traçados de etnias indígenas da região amazônica.

No total, são 23 mulheres integrantes, dentro da Cooperativa de Arte Feminina (Coostafe). A ideia surgiu a partir de uma parceria com as Organizações das Cooperativas Brasileiras no Pará (OCB-PA). A entidade atua na representação política e institucional das cooperativas dentro do Pará, buscando a melhoria das cooperativas e a criação de políticas públicas para melhorar a atuação delas dentro do Estado. A OCB foi procurada para que fosse constituída uma cooperativa em que mulheres do sistema prisional pudessem desenvolver um trabalho de artesanato, com o objetivo de ter uma fonte de renda enquanto estiverem no cárcere ou para as famílias que estão fora da prisão.

Segundo o presidente da organização, Ernandes Raiol, à época, foi feito um estudo mostrando que a maioria das mulheres que estavam encarceradas e que iriam fazer parte da Coostafe eram chefes de família. “A família perdeu sua mantenedora e ficou sem renda. O objetivo era que elas trabalhassem com artesanato. Elas foram capacitadas, entenderam como funciona uma cooperativa, e entraram no regime de cooperativismo especial, já que elas não detém da liberdade e precisam de um tutelador”, explica. Segundo Raiol, há uma diversificação na produção. As mulheres detentas começaram produzindo objetos de decoração, como almofadas e tapetes, e já evoluíram para os quadros, pinturas, desenhos e roupas de cama.

Uma das grandes importâncias do trabalho, para o presidente da OCB-PA, é demonstrar para a sociedade o que as cooperativas agregam no processo do empreendedorismo coletivo. Além disso, ele disse que há um processo de sensibilização junto às pessoas, mostrando que qualquer atividade econômica pode ser desenvolvida por meio do cooperativismo.

Para o projeto Chance, o grupo usou como base a pesquisa feita por Lúcia Hussak, no livro “A Pele de Tuluperê - Uma Etnografia dos Traçados”. Todo o dinheiro arrecadado com as vendas será́ para que se as detentas se profissionalizem e para que se crie uma estrutura para cada uma, com o intuito de que elas tenham dinheiro para se manter quando saiam do cárcere, até́ conseguirem se estabilizar, evitando, assim, que voltem ao presídio. Inicialmente, as mulheres atendidas são da mesma cela, mas a intenção é estender o projeto para as demais celas, totalizando 680 mulheres no presídio feminino.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), por meio da Diretoria de Reinserção Social, é o órgão que lidera o projeto. O diretor Belchior Machado explica que, na cooperativa, as detentas aprendem desde o biscuit até a fabricação de peças prontas e artesanatos. "A proposta é ajudar na qualidade e na apresentação dos produtos. São peças costuradas a mão, com um acabamento bem feito, com a proposta de capacitar e dar chance a todas as internas, para terem uma oportunidade aqui fora", ressalta.

Antes, para que os produtos alcançasse a sociedade, eram feitas parcerias nas feiras do Estado, e as mulheres iam até os eventos e escoavam seus produtos. Com a pandemia, que provocou o isolamento social e a proibição de eventos no Pará, foi criada uma conta no Instagram para divulgar os materiais produzidos pelo projeto Chance. Lá, a equipe publica as fotos das peças e coloca os preços. Segundo a Seap, muitas pessoas procuram e acabam comprando os produtos.

Um dos grandes desafios encontrados pela organização na hora de implantar o Chance foi quebrar o paradigma de se ter uma cooperativa dentro de um presídio. "Isso não existia no Brasil, a Coostafe foi a primeira no país, em 2014. O desafio foi trabalhar para que legislação entendesse essa cooperativa e a importância de levar o cooperativismo como uma fonte de renda para manutenção das famílias das detentas. Hoje, também temos um trabalho de acompanhamento. Vamos estruturar um plano de trabalho para capacitação dentro do cooperativismo", ressalta o presidente da OCB, Ernandes Raiol.

Algumas mulheres já saíram do projeto, mas ele garante que não reincidiram no crime. Outras entraram depois e ainda vão fazer a capacitação. A equipe também está estruturando com a Seap, segundo Raiol, a realização de um curso de informática - os equipamentos já estão garantidos. Também está sendo estruturado um trabalho para levar educação para dentro da cela. De acordo com Ernandes, a ação do grupo já foi reconhecida nacionalmente.

Projeto busca a reinserção do mercado

Pessoas que têm antecedentes criminais também têm outros meios de ingressar no mercado de trabalho novamente. O projeto Começar de Novo, por exemplo, foi criado em 2009, por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a finalidade de promover ações de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário e de cumpridores de medidas e penas alternativas. No Pará, a iniciativa foi implantada pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJPA), por meio de uma portaria que criou o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), composto por vários órgãos, como a Defensoria Pública.

Desde sua implantação, no início de 2010, o projeto vem desenvolvendo mobilizações, em âmbito estadual, voltadas à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil, com o propósito de promover ações de desenvolvimento sociocultural, capacitação e qualificação profissional, e de empregabilidade para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar a inclusão cidadã e promover a redução da reincidência criminal.

As ações são planejadas e realizadas a partir dos seguintes eixos: capacitação profissional, que inclui convênio com empresas, Organizações Não Governamentais (ONGs) e instituições educacionais para capacitação de presidiários e egressos, visando inserção no mercado de trabalho; inclusão produtiva, em que há o encaminhamento de presos e egressos para preenchimento de vagas nas empresas parceiras do projeto; e proteção social, que é a inclusão da família dos apenados em projetos e programas de educação e assistência social desenvolvidos por órgãos públicos e instituições das redes sociais.

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