Moeda comunitária Tupinambá movimenta economia em Mosqueiro
População da Baía do Sol vê número de empreendimentos crescer com atuação da entidade
A inclusão financeira e bancária da população de baixa renda aos serviços tradicionais da economia pode ser um desafio. Em muitos lugares, como o acesso a tecnologias é precário, as comunidades não conseguem ingressar nesses sistemas de pagamentos e transações financeiras. Para abarcar estes nichos foram criados os bancos comunitários, iniciativa legalizada pelo Banco Central e que torna o sistema econômico mais democrático em regiões com alta vulnerabilidade ou desigualdade social.
Um diferencial dos bancos comunitários é a criação de uma moeda própria, ou moeda social. E há uma iniciativa de sucesso na capital paraense, na área rural da Ilha de Mosqueiro, distrito de Belém, mais precisamente na comunidade da Baía do Sol. O moqueio, como é chamada a moeda do banco, tem o mesmo valor do real. Apesar de causar estranheza por ser diferente do real na aparência, a cédula já é utilizada de forma paralela por boa parte da população, que não abandonou o papel-moeda tradicional da economia brasileira e utiliza os dois tipos.
Desenvolvimento econômico
Além de promover inclusão, os bancos comunitários levam o desenvolvimento econômico às comunidades onde atuam. O princípio é de que a criação dessas entidades, que têm uma perspectiva solidária, gera economia para a população, que não precisa se deslocar a centros mais urbanos para acessar os serviços financeiros, como compra e venda de produtos e serviços, empréstimos e financiamentos. Todo o dinheiro que seria gasto fora é utilizado, de alguma forma, dentro da própria comunidade. Essa economia é capaz de gerar mais empreendimentos e negócios, que, por sua vez, criam emprego e renda para a população. É, então, uma rede local de produção e consumo, com apoio às iniciativas da economia popular e solidária.
O banco Tupinambá, primeiro do Norte nessa modalidade, gera uma economia de R$ 90 mil todos os meses à sua população, composta por cerca de nove mil moradores que, desde 2009, passaram a ser beneficiados pela criação da instituição financeira solidária. A região onde são feitas as atividades tem um acesso mais difícil. Ao entrar na Ilha, que fica a cerca de 60 quilômetros da Região Metropolitana de Belém, em vez de seguir do Pórtico para uma das praias na orla tradicional, como o Farol ou Chapéu Virado, é preciso percorrer mais 13 quilômetros até a Baía do Sol, em uma estrada que não é linear. A sociedade, que antes precisava se deslocar ao centro da Ilha para fazer pagamentos ou compras, agora conta com um banco próprio para essas atividades.
O nome da instituição surgiu em homenagem aos índios tupinambás, primeiros habitantes de Mosqueiro. Segundo o coordenador da entidade e membro da Coordenação Nacional da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, Marivaldo do Vale Silva, o maior objetivo do Tupinambá é fazer com que a comunidade se desenvolva economicamente. “Um local que não tem estrutura financeira, lotérica, banco, ali cabe perfeitamente um banco comunitário, porque as pessoas quase não saem de lá e isso aquece o local economicamente, gerando emprego e renda. Quando iniciamos o banco, em 2009, tínhamos só uma padaria, hoje são várias, só tinha um comércio grande, hoje temos diversos. O dinheiro fica na economia, o comércio aquece e tem demanda de recursos. Há também o engajamento da comunidade com o banco e as ações de cunho social”, ressalta.
Controle social
Existem três vieses na atuação do Tupinambá, explica o coordenador. O primeiro é o controle social, que é o envolvimento feito junto à comunidade, já que todas as atividades têm a participação comunitária. Por exemplo, durante a pandemia, foram feitas ações de doação de cestas básicas, álcool em gel e máscaras. Há também alguns projetos vinculados ao banco: horta comunitária, em que dez famílias trabalham; atividade com mulheres oriundas do programa Bolsa Família do governo federal e que atuam com a culinária amazônica; e o projeto Mel Social, de criação de abelhas regionais, também com dez famílias e que será estendido a outra comunidade no próximo mês. Ainda são realizadas atividades culturais, como o arraial em junho e o Réveillon em dezembro, além de palestras sobre empreendedorismo, economia solidária e educação financeira.
O segundo viés é o do correspondente bancário, o mesmo da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, chamado e-dinheiro. Trata-se de uma plataforma digital que funciona para pagamento de boletos, empréstimos, recarga de celular e tudo que é feito em um banco convencional.
“Baía do Sol fica em Mosqueiro, mas a uma distância de uma hora da Vila, porque divide-se a Ilha na parte urbana e na rural. A parte rural é onde moramos. As pessoas da comunidade tinham dificuldade em fazer suas atividades econômicas porque precisavam se deslocar para o outro lado da Ilha, que demora e gera um gasto. O correspondente tem a característica de que essas pessoas não saiam mais da comunidade e façam toda a atividade econômica dentro, o que traz uma economia gigantesca, porque para ir lá precisa pegar ônibus, já gasta com transporte, às vezes faz um lanche por lá, compra uma água. Não queremos que esse recurso saia daqui, hoje em dia pouca coisa fazemos fora da Baía”, afirma Marivaldo.
Por último, o terceiro viés é o de empréstimos, que se dividem em dois tipos. Existe um específico para empreendimentos, que é o empréstimo produtivo, voltado para quem tem negócio – esse é feito em parceria com um banco convencional. Nesse caso, a taxa de juros fica a cargo deste último, que é o Banco da Amazônia. E o outro empréstimo é para consumo, feito sem parceira, pelo próprio Tupinambá. Só quem tem direito são os moradores da Baía do Sol. Em vez de taxa de juros, o banco cobra uma taxa administrativa de 1% sobre o valor do empréstimo.
Tupinambá ajuda empreendedor a criar mercadinho
Raimundo Silva Rocha, de 41 anos, nasceu no Amazonas e se mudou para a Baía do Sol, em Mosqueiro, há mais de duas décadas, quando era adolescente. Ele conta que já trabalhou em muitos lugares na vida adulta, como auxiliar de limpeza e em vários mercados, sempre funcionário, mas tinha o sonho de ser dono do próprio negócio e empreender. Uma das peças-chave para atingir esse objetivo, segundo ele, foi o banco comunitário.
“Tive muita ajuda do Tupinambá por conta dos índices de empréstimos e da maneira como o banco trabalha. Sem ele aqui, não tem como desenvolver porque moramos em uma localidade muito longe. Não tem ainda uma farmácia e outras coisas para gerar emprego e por meio da instituição isso acontece. Ela presta serviço para a comunidade e para os empreendedores, porque a pessoa recebe dinheiro aqui na Baía e pode fazer suas compras nos mercadinhos locais; sem o banco ela vai lá na Vila ou em Belém e já faz as compras dela por lá e o dinheiro não vem para cá, e aí não tem o desenvolvimento”, conta Raimundo.
Ele fundou seu mercado há cinco anos, sendo que já mudou de ponto e aumentou o espaço algumas vezes – a tendência é aumentar de novo porque, segundo ele, já não está dando para atender à demanda que existe. No início, trabalhavam apenas Raimundo, sua irmã e um funcionário; e agora já são 10 colaboradores fazendo parte do negócio. O empreendedor conta que os consumidores são bem adeptos do moqueio e que recebe a moeda social diariamente em seu negócio, mas a quantidade de reais ainda é maior.
Dona de casa testemunha crescimento da moeda
A dona de casa Degeane Oliveira, de 45 anos, é uma das várias pessoas que moram na Baía do Sol e utilizam a moeda social que está em circulação na Ilha de Mosqueiro. Ela cresceu na região e conta que tem visto a moeda em vários empreendimentos locais. “Tá no início. Ultimamente, no comércio, a gente começou a ver a circulação dele, vejo a população usando, chegando com o dinheiro, lanchando. Acho que seria muito bom se ele fosse mais usado, eu já usei, sei que ele mexe com a economia e gera desenvolvimento. Somos uma comunidade pequena, se todo mundo utilizasse seria uma forma dele crescer também”, afirma a moradora.
O coordenador do banco Tupinambá, Marivaldo Silva, diz que criar a instituição na área rural do distrito tem justamente a intenção de inverter as prioridades. Mosqueiro, segundo ele, era muito mais visto pela parte urbana, enquanto a área rural ficava desassistida. “Não tinha nenhuma atividade que pudesse trazer o desenvolvimento, mas aqui também tem condições de se desenvolver economicamente. E a gente provou que é possível. Nós acreditamos que não existe comunidade pobre. Existe comunidade empobrecida”, ressalta.
Qual a posição do Banco Central em relação aos bancos comunitários?
De acordo com o Banco Central, há muitas razões para a utilização de uma moeda social, como o financiamento de pequenas atividades; proteção do meio ambiente, da cultura e de outros valores; dinamização da atividade econômica do comércio local; e a transformação do próprio sistema de trocas. Em condições normais, quando o sistema é bem desenhado sem desrespeitar a legislação e administrado com princípios éticos, o uso de moedas sociais não afeta o poder dos bancos centrais de controlar a quantidade de moeda e de crédito, não ameaça o papel dos bancos centrais em relação aos sistemas de pagamentos nacionais e transnacionais e não coloca em risco a estabilidade do sistema financeiro. As moedas sociais são consideradas, então, complementares, e não competitivas, e podem ser utilizadas como instrumentos de políticas públicas de finanças solidárias, diz a entidade.
Marivaldo explica que todos os bancos comunitários têm uma entidade com CNPJ, e no caso de Mosqueiro, o banco é ligado ao Instituto Tupinambá, entidade gestora. Hoje, ele é o único em funcionamento no Pará, embora outros tenham iniciado a implantação da ideia em diversos municípios. A rede de bancos comunitários tem 150 no Brasil, que não são filiais, porque cada um tem características de acordo com sua realidade local. O coordenador adianta que há uma discussão com a Prefeitura para fazer um banco comunitário municipal, com a inserção do governo em toda a cadeia produtiva do município, com foco nos bairros mais periféricos.
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