Licença-paternidade: saiba o que está em discussão e quais as regras em outros países

STF determinou prazo de 18 meses para criação de lei específica pelo Congresso; especialistas analisam decisão

Amanda Engelke
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O nascimento de um filho exige dedicação total para garantir cuidados ao bebê, sobretudo nos primeiros meses. No Brasil, a licença-maternidade é um direito assegurado por um conjunto de leis, que viabilizam a mulheres licença remunerada de 120 dias (no caso de CLT), podendo ter seu período estendido em caso de parto prematuro, situações especiais de saúde do bebê ou da mãe, ou ainda no caso de adoção. O mesmo, entretanto, não ocorre quando o assunto é a licença-paternidade. Advogado trabalhista que atua em Belém, explica que, no entanto, "nada impede que sejam pactuados acordos individuais, bem como acordos coletivos ou convenções coletivas". 

No artigo 7, a Constituição Federal prevê a licença-paternidade como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais no Brasil, acentuando, entretanto, que esse direito precisa ser disciplinado em lei, mas que, enquanto isso não acontecer, o prazo é de cinco dias. E dessa forma se dá, mesmo tendo se passado 35 anos da promulgação da Carta Magna. Em dezembro, o assunto voltou à tona, após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer que houve omissão do Congresso Nacional na regulamentação do benefício.

O apontamento foi feito pela Suprema Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), quando foi fixado o prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional edite lei nesse sentido. Para o Plenário, “a licença de cinco dias é manifestamente insuficiente e não reflete a evolução dos papéis desempenhados por homens e mulheres na família e na sociedade”. Após o prazo, caso a omissão persista, caberá ao Supremo definir o período da licença.

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Pietro Lázaro, advogado trabalhista, explica que atualmente, diferentemente da licença-maternidade, não há previsão em lei com hipóteses de prorrogação da licença-paternidade. “No entanto, nada impede que sejam pactuados acordos individuais, bem como acordos coletivos ou convenções coletivas com os sindicatos representativos de empregados e empregadores. Como exemplo, temos os servidores públicos que têm direito à prorrogação da licença-paternidade por 15 dias”, destaca.

“Regras são limitadas e precisam de revisão urgente”, defende advogado

Na prática, de acordo o advogado Pietro Lázaro, a carência de ferramentas legais geram divergências de entendimentos e prejuízos aos trabalhadores que acabam tendo que recorrer à Justiça, avalia o advogado. “O Brasil é um dos países com as maiores taxas de judicialização do mundo, e os motivos são diversos. Na Justiça Trabalhista, mais especificamente nos Tribunais Regionais do Trabalho, não seria diferente. Infelizmente, muitos pais são obrigados a buscar socorro perante à Justiça do Trabalho para garantirem um direito que é constitucional”, afirma.

O advogado observa que em 2022 foi decidido pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AM) que uma grande rede de postos de combustíveis, com ampla atuação na capital, deveria pagar uma indenização por danos morais em decorrência da ausência do gozo da licença-paternidade, sob o fundamento de que é um direito fundamental do trabalhador, que tem por objetivo a proteção do núcleo familiar. “As regras aplicadas no Brasil são limitadas e precisam de uma revisão urgente”, defende o advogado trabalhista.

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Para Pietro, a assimetria (120x5 dias) impacta em questões de igualdade de gênero e direitos das crianças. “A regulamentação atual exonera os pais dos deveres decorrentes da paternidade. Por outro lado, contribuem para a sobrecarga que é imposta às mulheres que ficam com todas as tarefas de cuidado. Legislar sobre é avançar na discussão sobre o papel do homem como protagonista na criação de seus filhos”, opina, defendendo a efetivação do direito de proteção do núcleo familiar estabelecido no Art. 226 da Constituição.

Decisão revela tensão com entre judiciário e legislativo, avalia especilista

Ao ser demandado judicialmente e reconhecer a omissão do legislativo, o Supremo reacendeu a discussão sobre a falta de regramento para a licença-paternidade. Mas, para além disso, na análise de especialistas políticos, a decisão revela nuances de longa data que refletem a tensão entre o Judiciário - muitas vezes considerado intruso ao propor regramentos - e o legislativo. André Buna, cientista político, avalia que “a relação entre o Legislativo e o Judiciário nunca foi muito pacífica, mas tendia a uma certa harmonia”.

image  Prazode dezoito meses ao Congresso não é um movimento orgânico, avalia André Buna  (Marcello Casal Jr. / Agência Brasil)

De acordo com ele, “havia uma atenção e disputa por uma agenda específica, embora pacificada, pois o legislativo raramente atuava em pautas sensíveis, como questões de costumes, como casamento e aborto. Muitas vezes, o Legislativo se omitia nessas demandas sociais, e o Judiciário acabava sendo demandado publicamente por grupos de interesse, decidindo e legislando sobre essas questões que, teoricamente, caberiam ao legislativo. Desde então, houve uma ampliação das tensões, especialmente entre executivo e judiciário”, explica Buna.

Na análise do especialista político, o prazo de dezoito meses dado pelo Judiciário ao Legislativo para regulamentar a licença de paternidade não é um movimento orgânico do Legislativo “É uma forma de pressioná-lo a assumir os custos dessa decisão, uma devolução da bola para que o Legislativo se posicione. A omissão do Legislativo por muito tempo em causas sensíveis e que poderiam gerar atritos na relação entre representantes e representados parece ser uma obrigação a cumprir, principalmente no campo eleitoral”, afirma André Buna.

A ascensão política do STF e a agenda de costumes 

André Buna, que é doutorando em ciências políticas da Universidade Federal de São Carlos (SP), analisa que o STF se tornou um ator político de destaque ao longo anos anos, principalmente após suas reuniões passarem a ser transmitidas pela TV Justiça no início dos anos 2000, dando mais visibilidade aos ministros, que passaram a ter falas mais politizadas. “Isso conferiu ao STF uma relevância no cenário político brasileiro. Ganhou status, voz, capacidade de influenciar outros agentes políticos, ocupantes de cargos”, explica.

image Para cientista político, STF se tornou um ator político de destaque ao longo anos anos. (Nelson Júnior / STF)

Segundo ele, a ascensão ficou mais evidente a partir do caso do mensalão em 2005 e outros escândalos, como o Petrolão, JBS e a Lava Jato, levando o Judiciário a tomar medidas, inclusive contra a corrupção. Naquele momento, a relação de tensão, entretanto, se dava de forma mais acentuada entre o Executivo e o Judiciário. “Essa tensão se agravou, especialmente no governo Bolsonaro, atingindo seu auge, com embates entre ministros e o presidente. No entanto, com a saída de Bolsonaro, houve uma mudança nessa tensão, focando agora no legislativo", avalia.

Na avaliação de Buna ainda, a tensão agora se dá devido à agenda de costumes. “Essa busca de reaver decisões já tomadas pelo judiciário, como as questões sobre casamento e aborto, que já são pacificadas na jurisprudência brasileira é o que aumenta a tensão entre legislativo e judiciário. Isso ocorre em um contexto onde há questões de agrupamento político e engajamento de parcelas do eleitorado, mais por um ideal político-eleitoral do que por uma agenda de avanço social, o que é preocupante dentro dessas interações. Não vejo isso como positivo, é um problema dentro dessas interações”, conclui.

América Latina tem licenças-paternidade mais curtas do que na Europa

Segundo o relatório “A situação da paternidade: é tempo de agir”, do Instituto Promundo, organização não governamental que atua na defesa da equidade de gêneros, 82% dos pais brasileiros entrevistados concordam com o período de cinco dias, mas fariam o possível para estar mais envolvidos com os cuidados dos filhos. No entanto, apenas 68% dos respondentes tiraram a licença-paternidade. Para pontuar as diferenças entre o Brasil e os demais países do mundo, o relatório listou aqueles que possuem as melhores políticas.

Confira:

Islândia

Os dois responsáveis, independentemente do gênero, recebem cinco meses de licença-maternidade ou paternidade, no caso de nascimento ou adoção. Eles também têm dois meses conjuntos adicionais, que podem ser divididos ou utilizados por apenas um dos pais.

Noruega

Os responsáveis têm direito a 43 semanas de licença maternidade e paternidade (ou 53, recebendo 80% do salário), que podem dividir entre si - com exceção das seis semanas após o parto, que as mães obrigatoriamente devem tirar.

Dinamarca

Os pais têm direito a 24 semanas de licença paternidade após o nascimento da criança, ou 46 para os pais solo.

Espanha

Os espanhóis têm direito a 16 semanas de licença-paternidade remunerada.

Finlândia

O país pratica uma licença de 54 dias úteis.

Estônia

A lei disponibiliza 30 dias de licença-paternidade, que pode ser utilizada entre 30 dias antes do nascimento até a criança completar três anos.

Lituânia

O pai deve tirar 30 dias de licença, que pode ser usada a qualquer momento dentro de um ano após o nascimento.

E como funciona na América Latina?

O relatório do Instituto Promundo revela que os períodos de licença-paternidade são mais curtos na América Latina. No Uruguai, a licença dura 13 dias, enquanto que, na Colômbia, são duas semanas. Já no Equador, os funcionários recebem dez dias de licença remunerada. Países como México e Chile têm um período ainda mais enxuto para se dedicarem aos filhos: ambos disponibilizam cinco dias para os pais após o nascimento da criança. A Argentina aparece na lanterna da lista, com apenas dois dias.

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