Grito criativo ainda vende: locutores mantêm viva a tradição no comércio de Belém
Mesmo com o avanço das vitrines modernas e das redes sociais, vendedores do centro comercial apostam na voz, no improviso e na criatividade para atrair clientes nas ruas da capital paraense.
Em meio ao Dia do Comerciante, comemorado nesta quarta (16/07), no coração do comércio tradicional de Belém, entre uma calça por R$ 20 e um “bora, tem pra mãe, pro pai e pro genro”, ainda ecoam os gritos criativos dos locutores de loja — profissionais que, mesmo com a chegada das redes sociais e marketplaces, seguem fiéis à arte popular de vender com a voz. Improvisos, bordões e rimas espontâneas seguem sendo o chamariz de quem passa pelas ruas movimentadas do centro da capital paraense.
A arte de vender no ‘gogó’
A tradição de chamar o cliente na base do grito não apenas sobrevive, como resiste com energia nas vozes de veteranos como Nazareno Cavalcante, locutor há mais de 40 anos e há seis no centro comercial de Belém. Ele acredita que a presença da locução nas lojas ainda é um diferencial importante para o lojista.
“Quando você escuta alguém dizendo que a calça é tanto, a bermuda é tanto, você olha. Chama atenção. A locução é mais atrativa que rede social ou vitrine. O cliente tá passando na rua, escuta e entra", explica Nazareno.
O locutor também mistura a dicção trabalhada desde os tempos de aparelhagem de som com a batida da música ambiente. Criou uma identidade própria:
“Aqui é tudo R$ 20. Quando a música bate, eu vou: ‘É 20, é 20, é 20...’. Aí o povo já conhece: ‘Olha a loja do 20!’”, conta, rindo.
Frases feitas na hora e cartazes no capricho
Além da locução ao vivo, os clássicos cartazes fluorescentes escritos à mão ainda decoram as vitrines do centro comercial. Mas a verdadeira vitrine continua sendo a voz de quem chama, improvisa e arranca sorrisos.
Armando Veiga, também locutor e lojista, aprendeu o ofício observando e se dedicando à criatividade diária.
“Eu mesmo crio minhas frases. Tem dia que eu mando: ‘Tem pro pai, pra mãe, pro filho, pro filhão e até pro genro!’", brinca. "Chama mesmo. A pessoa escuta, ri e entra”, conta.
Para ele, o segredo está no ritmo, na espontaneidade e na simpatia. E, claro, no resultado: vendas.
“Muita gente entra só porque ouviu uma chamada engraçada. Isso dá retorno sim”, disse.
Profissão em transformação
Nazareno lamenta que a profissão tenha perdido força com o tempo.
“Hoje tem loja que usa gravação. Mas gravação não tem o improviso da hora, não reage à promoção do momento. A locução ao vivo é mais dinâmica, mais viva”, defende.
Ainda assim, ele se mantém firme no microfone, como um verdadeiro animador do varejo paraense. Para ele e para Armando, o grito de venda é mais que técnica — é tradição, arte e resistência cultural.
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