Governo corta acúmulo de benefícios e pode prejudicar 1,6 milhão de famílias no Pará
Decisão deve tornar famílias ainda mais vulneráveis, avalia advogado

O decreto 12.534/2025, publicado pelo Governo Federal no fim de junho, determinou que os valores recebidos pelo Programa Bolsa Família (PBF) passem a ser considerados no cálculo da renda familiar. Com isso, muitas famílias podem ultrapassar o limite exigido para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). No Pará, a mudança pode impactar diretamente a renda de cerca de 308.920 beneficiários do BPC e 1.347.400 famílias atendidas pelo PBF, o que representa, em média, 4.115.426 pessoas, considerando o número individual de segurados de ambos os programas. Para o advogado previdenciário paraense Paulo Nassar, “esses números dão uma dimensão do potencial de empobrecimento da população paraense que esse decreto pode causar”.
A medida entra em vigor a partir deste mês de julho e gerou reação de parlamentares, inclusive da base governista, que protocolaram Projetos de Decretos Legislativos (PDLs), na tentativa de derrubar a decisão. Para ter direito ao BPC, o beneficiário precisa pertencer a uma família de baixa renda, onde cada um receba até no máximo um quarto do salário-mínimo, o equivalente a R$ 379 por pessoa, considerando o mínimo atual de R$ 1.518. O benefício é pago para idosos e pessoas com deficiência.
Apesar de o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família no Pará ter apresentado uma redução de aproximadamente 0,66% de janeiro a junho deste ano, o total de segurados ainda é expressivo e se mantém acima de um milhão e trezentos. Os mais de trezentos mil beneficiários do BPC no estado, registrados até maio deste ano, se dividem entre idosos (132.315) e pessoas com deficiência (176.605). Os dados são do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate a Fome.
No Brasil, os possíveis impactos da medida podem afetar cerca de 26.843.961 pessoas, somados os beneficiários dos dois programas. Desse total, 6.394.934 correspondem aos segurados pelo BPC, até maio deste ano, enquanto as famílias dentro do PBF totalizam 20.449.027, até junho.
A justifica do Governo para a mudança é a necessidade de controlar o crescimento das despesas com o BPC. No total, os gastos com o auxílio no Pará somam R$ 469.439.133,60, até o mês de maio, dado mais atualizado. O valor é dividido entre as duas categorias de beneficiários, sendo destinados R$ 201.150.167,14 para idosos e R$ 268.288.966,46 às pessoas com deficiência.
Na avaliação do advogado previdenciário, qualquer alteração deveria considerar os efeitos específicos de cada benefício, por se tratarem de recursos com finalidades distintas. Segundo ele, a decisão resulta na exclusão de milhares de famílias que dependem de ambos os valores.
“Esses dois programas têm finalidades distintas. É importante ressaltar isso. O BPC assegura um salário mínimo para pessoas com deficiência e para idosos em situação de miserabilidade, ao passo que o Bolsa Família é um programa de transferência de renda com condicionalidades sociais. Impedir essa acumulação, na prática, desconsidera a complexidade das situações familiares”, afirma Nassar.
O advogado exemplifica, que, uma mãe pode ser beneficiária do Bolsa Família e possuir um filho com deficiência ao mesmo tempo, acumulando também o BPC. Nesse caso, os gastos de cada benefício cumprem os seus respectivos propósitos, deixando clara a necessidade dos dois. Assim, retirar qualquer um desses direitos de uma família como essa, dificultaria o custeio de atividades básicas. “Isso significa menos acesso à alimentação, medicamentos, transportes, cuidados de saúde e até mesmo a permanência das crianças na escola”, explica o advogado.
Esse cenário pode ser ainda mais prejudicial considerando a realidade dos municípios com menos habitantes e infraestrutura. “Se você consultar os dados de inscritos no CadÚnico, tem municípios de pequeno porte, com menos de 50 mil pessoas no Pará, em que você tem mais de 80%, às vezes 90% da população está escrita no CadÚnico. Então, são pessoas que potencialmente acumulam esses dois benefícios”. O quadro de empobrecimento projetado por ele, pode levar a casos de subnutrição em crianças e evasão escolar, por exemplo.
Solução
Para combater os efeitos que o decreto pode gerar, o advogado estabelece duas soluções principais: judicialização e pressão social. A primeira, segundo ele, com base no “princípio da vedação do retrocesso, do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana como os principais fundamentos para enfrentar esse decreto”. Enquanto a segunda, partiria da ação conjunta da “sociedade civil e os órgãos de defesa dos direitos sociais” para pressionar o poder público pela revogação do decreto.
“Acho que esse decreto pode ser contestado judicialmente e as Defensorias Públicas do país estão prontas para receber essas demandas e os advogados particulares também. Acho que esse é um caminho de ir à justiça, reclamar o direito à acumulação desses dois benefícios para a garantia do mínimo existencial e a outra solução é uma solução coletiva”, explica Nassar.
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Parlamentares
Em resposta ao Grupo Liberal, o deputado federal pelo Pará Airton Faleiro (PT) reconhece que a preocupação com o decreto é legítima, mas afirma que a mudança já havia sido aprovada anteriormente pelo Congresso. “É importante esclarecer que esse decreto apenas regulamenta a Lei 15.077/2024, aprovada pelo Congresso no final do ano passado, que vedou qualquer dedução não prevista em Lei do cálculo para a elegibilidade ao BPC, a exemplo do Bolsa Família”, destaca.
Segundo Faleiro, existem simulações realizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social com diferentes composições familiares e situações de renda, para garantir que não haverá impacto para o público já atendido. O parlamentar assume uma postura mais mediadora sobre o tema, defendendo a necessidade de diálogo entre os deputados que tentam suspender a decisão e o Governo.
“Existem Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) com o objetivo de sustar os efeitos do decreto. Contudo, é necessário dialogar com o Governo para modificar as partes mais sensíveis do Decreto publicado, sem precisar de análise de PDL no Congresso”, avalia Faleiro.
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