Energia mais cara impacta paraenses com chegada da bandeira vermelha e do verão amazônico
Com o custo da energia mais alto do país, Pará enfrenta nova cobrança adicional em junho, coincidindo com aumento no uso de climatizadores durante o verão amazônico; representante paraense, economista e consumidores criticam modelo atual e cobram justiça tarifária.

A partir deste mês de junho, os consumidores paraenses passam a pagar mais caro pela energia elétrica. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou a ativação da bandeira tarifária vermelha patamar 1, o que implica em um acréscimo de R$ 4,46 a cada 100 kWh consumidos. O impacto é sentido de forma ainda mais intensa no Pará, estado que já tem a tarifa média mais alta do Brasil e que agora enfrenta esse aumento durante a chegada do verão amazônico, período em que o uso de ventiladores, centrais e aparelhos de ar-condicionado é mais comum.
Consumidores, economista paraense e representante de conselho do setor de energia criticam uma política que não leva em conta as especificidades regionais, enquanto o estado exporta energia, mas convive com contas cada vez mais altas e serviço de baixa qualidade.
Entidade vê com preocupação impacto nas contas de luz
Para o presidente do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica do Pará (Concepa), Cássio Bitar, a ativação da bandeira vermelha em junho acende um alerta para os consumidores paraenses, que já convivem com a tarifa média mais cara do país.
“O Concepa sempre recebe com muita preocupação qualquer decisão no setor elétrico que represente impacto na conta dos consumidores”, afirma.
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o acionamento da bandeira vermelha patamar 1 se deve à redução das afluências nos reservatórios em todo o Brasil, o que reduz a geração hidrelétrica e exige o uso de fontes mais caras, como as termelétricas.
Com isso, o custo adicional de R$ 4,46 a cada 100 kWh consumidos impacta ainda mais os paraenses, especialmente durante o verão amazônico, quando o uso de aparelhos de climatização é intensificado.
Estrutura tarifária desatualizada
Cássio Bitar aponta que o alto custo da energia elétrica no estado resulta de uma série de fatores estruturais.
“O custo da energia no Pará se deve à complexidade para distribuição, aos custos de operação e manutenção, e também à baixa densidade demográfica em muitas regiões atendidas. Ainda assim, a estrutura tarifária não reflete as realidades regionais, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”, critica.
O Concepa, segundo ele, tem atuado junto à Aneel e ao Congresso Nacional em defesa de uma “justiça tarifária”, por meio de propostas como o projeto que trata do sinal locacional — mecanismo que levaria em conta a origem da geração de energia na composição do valor cobrado aos consumidores locais.
Reclamações no interior e cobrança por melhorias
Nos últimos meses, o Concepa registrou aumento nas queixas sobre a qualidade da prestação de serviço no interior do Pará.
“As principais reclamações têm sido sobre interrupções frequentes e oscilações severas nos níveis de tensão”, relata Bitar.
De acordo com ele, o conselho tem respondido às demandas com notificações formais à distribuidora e organização de reuniões públicas para ouvir os consumidores e repassar relatórios à Aneel e aos órgãos de defesa do consumidor.
Medição em tempo real é prioridade
Entre as medidas defendidas pelo Concepa para reduzir as queixas e aumentar a transparência, está a modernização dos sistemas de medição.
“Distribuidoras em outros estados já utilizam equipamentos que permitem o acompanhamento do consumo em tempo real. Isso garante mais transparência no serviço e pode reduzir significativamente o número de reclamações individuais acumuladas nos órgãos de defesa”, argumenta.
Segundo Bitar, o Concepa defende a adoção desses novos modelos no Pará como um passo essencial para garantir maior clareza na cobrança e fortalecer a relação entre consumidores e concessionária.
Comerciantes sentem no caixa
No comércio de Belém, os empresários já fazem as contas para tentar equilibrar despesas e manter a operação funcionando. Renata Corrêa, 31 anos, gerente de uma loja de confecções femininas no centro da capital, afirma que a energia elétrica representa um dos maiores custos fixos do negócio.
“Gastamos, em média, entre R$ 1.200 e R$ 1.500 por mês só com energia. Isso representa cerca de 20% do nosso lucro”, relata.
Segundo ela, o impacto é ainda mais pesado em meses de pico. “Já chegamos a pagar R$ 4.500 de energia. Isso implica diretamente no faturamento da loja, porque o que poderia ser investido em mercadoria para gerar lucro acaba sendo comprometido com a conta de luz”, explica.
Com o anúncio da bandeira vermelha a partir de junho, Renata teme que os custos aumentem ainda mais em um período crucial para as vendas. “A época junina é a que a gente mais vende, mas em vez de reforçar o estoque, a gente tem que tirar recurso para pagar a energia. E sem energia não conseguimos trabalhar”, diz.
A loja funciona de segunda a sábado, das 8h30 às 17h30, e depende de uma estrutura que exige alto consumo elétrico.
“Trabalhamos com muitas lâmpadas para manter a iluminação adequada, ventiladores, centrais de ar, televisão para expor as mercadorias... Tudo isso gera muito custo. E a cada ano, em vez de reduzir, o valor só aumenta. Isso prejudica muito o nosso resultado.”
“A conta é sempre nossa”
Keila Vale, servidora pública, lamenta o aumento e tenta fazer sua parte reduzindo o consumo: “Desligo as luzes, tiro os eletrodomésticos da tomada. Mas é revoltante. Temos hidrelétricas, exportamos energia, e pagamos uma das contas mais caras”.
Gérson Silva, também servidor público, resume a sensação de muitos paraenses: “A gente exporta energia e paga a conta. Em vez de ser mais barato por sermos produtores, é mais caro. Não tem jeito, só resta economizar”.
Para o cozinheiro Eduardo Brito, o aumento é injusto e reforça a sensação de impotência diante da privatização do setor elétrico.
"Procuro evitar ao máximo deixar aparelhos eletrônicos ligados, mas não tem muito o que fazer. Era para ter feito algo antes, quando a energia ainda era daqui. Agora que privatizaram, ficou complicado. Acho um absurdo o aumento. Pagamos muitas taxas externas além da nossa", desabafa.
Já o professor de História Cidiney Guimarães destaca que a cobrança extra chega em um momento crítico e cobra coerência na política energética do país.
"Sempre que envolve pagar a mais, não é uma boa notícia. A gente torce para que volte a chover e a tarifa volte ao normal. Economizar energia sempre foi necessário, mas neste período fica ainda mais difícil", comenta.
Segundo ele, é contraditório que o Pará, estado que abriga a hidrelétrica de Belo Monte, tenha que arcar com aumentos nas tarifas. "Temos uma barragem que exporta energia para outros estados. São eles que deveriam pagar essa conta”, disse.
Energia pesa mais no orçamento das famílias de baixa renda
Com a entrada em vigor da bandeira vermelha neste mês de junho, o impacto é especialmente severo para as famílias paraenses de menor renda. O economista Nélio Bordalo alerta que a cobrança adicional de R$ 4,46 a cada 100 kWh consumidos representa um peso significativo no orçamento doméstico, especialmente nas classes D e E.
“Estudos indicam que 60% das famílias com renda de até um salário mínimo enfrentam dificuldades para pagar a conta de luz, muitas vezes reduzindo gastos com alimentos básicos para compensar os custos extras com energia elétrica”, afirma.
Falta sensibilidade regional na política de bandeiras
Bordalo critica a política de bandeiras tarifárias da Aneel por não considerar as realidades climáticas de estados como o Pará, onde o uso de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado é praticamente ininterrupto durante o verão amazônico.
“Essa estrutura nacionalizada desconsidera que o consumo aqui é impulsionado por necessidade básica de climatização. Isso afeta tanto residências quanto estabelecimentos comerciais como lojas, escritórios e restaurantes”, explica.
Segundo ele, uma política mais justa deveria reconhecer as particularidades climáticas e produtivas da região. “Isso permitiria reduzir o custo de vida para as famílias e estimular o uso mais eficiente da energia, aproveitando a capacidade de geração do próprio estado, sem repassar custos desproporcionais ao consumidor paraense”, completa.
Setor produtivo e comércio sentem os reflexos
O aumento na tarifa também atinge diretamente a produção local, especialmente setores que dependem de funcionamento contínuo, como indústrias de alimentos, confecções e mineração. “Esses setores enfrentam custos mais altos, o que reduz a competitividade e pode pressionar a inflação local”, analisa Bordalo.
No comércio e nas pequenas empresas, mesmo com estratégias para economizar energia, os efeitos acabam chegando ao consumidor final.
“O custo da energia é repassado para os produtos e serviços. Ou seja, a população paga de forma direta e indireta pelo aumento da tarifa”, pontua.
Energia mais cara pode elevar inflação no estado
Além do impacto imediato no orçamento das famílias, o aumento da energia elétrica pode pressionar indicadores econômicos, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O economista estima que a alta na tarifa pode elevar o IPCA local entre +0,23% e +0,50%, refletindo tanto nos bens de consumo quanto nos serviços contratados pelas famílias.
Propostas e caminhos para aliviar os custos
Entre as medidas discutidas em nível nacional para amenizar os custos, Bordalo destaca o Projeto de Lei 1.804/2024, que propõe a isenção da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição para consumidores de baixa renda. “É uma medida que pode ajudar a aliviar o orçamento das famílias mais vulneráveis”, afirma.
Outra alternativa defendida é o estímulo ao uso de energia solar. “Ampliar o financiamento para aquisição de sistemas fotovoltaicos pode ajudar as famílias a gerar a própria energia e reduzir sua dependência da rede elétrica convencional”, sugere.
Perspectivas são desafiadoras no médio prazo
Apesar de o Pará ser um dos maiores produtores de energia do país, as perspectivas para redução nas tarifas ainda são pouco animadoras. De acordo com Bordalo, a dependência das usinas termelétricas em períodos de seca, somada à infraestrutura precária de distribuição — marcada por longas distâncias e perdas técnicas —, mantém os custos elevados.
“A demanda por energia tende a crescer, especialmente para climatização, o que pressiona ainda mais as tarifas”, explica. Apesar dos investimentos em fontes renováveis como solar e eólica, a transição é gradual, e os efeitos sobre as contas de luz devem demorar a ser sentidos.
Ainda assim, há expectativa de que medidas como subsídios específicos para estados produtores de energia possam, no futuro, aliviar parte da carga sobre os consumidores paraenses.
Caminhos possíveis e urgência em mudanças
Embora não haja previsão de redução nas tarifas no médio prazo, Bordalo acredita que políticas públicas bem estruturadas poderiam começar a aliviar a situação. Entre as alternativas sugeridas estão:
- Ventilação natural e isolamento térmico em moradias populares;
- Uso eficiente de eletrodomésticos com selo Procel;
- Incentivo à geração distribuída por meio de energia solar;
- Revisão da política de bandeiras para incluir aspectos climáticos e socioeconômicos.
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