Diaristas voltam a conquistar espaço após fase difícil

Elas contam que clientes passaram a valorizar mais o trabalho, pois tiveram que limpar a casa durante a pandemia

Eduardo Laviano / O Liberal
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Há 10 anos trabalhando como diarista e com 34 de idade, Gizelle Santos nunca passou por um período tão difícil quanto o vivido na pandemia de covid-19, iniciada em março de 2020.

"Das pessoas que eu trabalhava, todas me dispensaram. O churrasco onde eu consegui um bico fechou. Eu ficava emprestando dinheiro para manter lá em casa. Fiquei um mês sem trabalhar no início. Teve um dia que não tinha nada lá em casa. Fiquei desesperada. Foi quando a minha irmã me emprestou dinheiro para comprar um frango", ela relata.

Gizelle faz parte de um dos grupos de trabalhadores que já eram muito vulneráveis antes da pandemia e que tiveram condições acentuadas pela crise sanitária, culminando em demissões em larga escala Brasil afora. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 4,9 milhões de pessoas atuavam no trabalho doméstico remunerado no trimestre encerrado em fevereiro de 2021 - uma queda de 21% em relação ao mesmo período de 2020. Ou seja, 1,3 milhão de demissões. A queda livre do dado fica ainda mais evidente quando comparada com o último trimestre de 2019, quando a soma de trabalhadoras domésticas atingiu 6,3 milhões no território nacional.

Limitações e necessidade

O dilema que se tornou um dos principais temas da pandemia, entre trabalhar e se proteger, também fez morada na cabeça de Gizelle. "Eu peguei logo no começo, quando veio a primeira onda. Eu fiquei melhor mas voltei a trabalhar com medo de pegar de novo. Tinha que trabalhar, né? Mas agora não tenho mais medo", diz ela, que já está vacinada e vê os ganhos mensais voltarem a crescer. "No mês passado voltou muito a clientela. Trabalho duas vezes na semana para uma senhora, outra moça pediu também. Eu tinha só duas clientes fixas antes disso", relata.

São cinco clientes por semana atendidos, com diárias de 100 reais cada uma. Ela disse que nunca se sentou para fazer os cálculos e pede para a reportagem ver quanto dá no mês - um total de R$ 2 mil mensais. O resultado a surpreendeu. "Caraca! Tudo isso? Eu nem vejo a cor [do dinheiro] porque eu gasto logo." Não é à toa que o dinheiro voa rápido na mão de Gizelle. Ela e o marido têm quatro filhos e um neto - e um segundo já está a caminho. Ela conta que, considerando o tanto de criança na família, o auxílio emergencial foi um suspiro sem o qual ela nem sabe o que teria feito.

"Ajudou e muito. Comprei muita coisa. Ia para feira, supermercado, fazia compra. Me sentia parece uma rica, madame. Enchia o carrinho de compra. Comprei uma geladeira, comprei um armário. Comprei um monte de coisa para dentro de casa", afirma ela.

Ela descreve a própria rotina em poucos tópicos que sumarizam bem o dia a dia de quem trabalha muito, tem muitos filhos para criar e tudo isso morando longe do centro: acordar cedo, pegar ônibus lotado, se estressar em engarrafamentos, chegar quase sempre atrasada, trabalhar até de noite e voltar para casa. "Às vezes chego tão cansada em casa que só me jogo", diz.

Valorização

Soraia Reis também diz que vive cansada, mas que já trabalha há tanto tempo limpando casas que se sente "anestesiada" ao final de um dia puxado.

"Sinceramente, eu acho que nem sinto mais. Nesse momento estou mais agradecida a Deus, sabe? De ter casa pra ir. Só na quinta-feira que estou livre. É bom que tiro um tempo para resolver as coisas lá de casa. Mas já, já sei que vai aparecer cliente novo. Sou só gratidão mesmo a Deus porque esse tempo de pandemia foi difícil, só aquela sensação de não saber o dia que vai vir, como vai vir. Essa fase passou", conta ela.

Muita lida

Aos 42 anos, Soraia lembra que ficou até julho de 2020 sem trabalhar. Duas clientes, porém, seguiram pagando ela entre abril e agosto. Ela acha que a pandemia fez as pessoas valorizarem mais o ofício no qual ela atua desde que tinha 22 anos.

"Fiquei sem trabalho, atendia seis pessoas e ainda tinha um escritório para diária de quinze em quinze dias. Muita gente buscou ficar fazendo suas coisas em casa né, arrumando, mas não é pra todo mundo. É trabalho pesado. Estou cobrando os mesmos preços de antes [R$ 150] e eu brinco que antes da pandemia tinha gente que dizia que estava caro. Agora ninguém dá um pio", ela conta, rindo, "perceberam que faxina é coisa séria porque tiveram que fazer", diz, brincando (mas a sério).

Assim como Gizelle, ela ainda tem o trabalho doméstico que ela faz para ela mesma, sem receber. De acordo com um levantamento da ONG Think Olga, as mulheres gastam uma média de 61 horas semanais cuidando da casa, dos filhos, da roupa, da comida, que, se calculadas tendo como base o salário mínimo, seriam equivalentes a 11% do Produto Interno Bruto.

"É a vida de quem trabalha fora e tem filho, marido. Casa. Eu digo sempre que a jornada é dupla para quem é mãe porque eu sinto que trabalho tanto em casa quanto fora. Pensa que eu descanso fim de semana? Posso até tomar uma cervejinha agora que as coisas melhoraram, tem mais dinheiro entrando. Mas lavo, passo, cozinho. É no pé dos meninos com escola porque se não vira zona. Olha, não é fácil. Mas eu me viro. No final, todas nós nos viramos, né?"

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