Visagens e assombrações em rede: lendas amazônicas ganham a internet em novos formatos

De Mapinguari à Matinta Perera, narrativas sobrenaturais da Amazônia ganham novos públicos por meio de influenciadores

Lucas Costa
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Do costume de sentar junto para contar histórias sobrenaturais, uma série de lendas amazônicas praticamente ganharam vida ao longo do tempo. Até que em 1972, uma parte destas narrativas foram publicadas no livro “Visagens e Assombrações de Belém”, de Walcyr Monteiro (1940 - 2019). De lá para cá, estas histórias seguem sendo contadas e até mesmo vividas; e também ganham cada vez mais espaço no ambiente virtual, atingindo públicos maiores em diversas mídias.

No último mês, o advogado Átila Monteiro, 50, filho de Walcyr; decidiu levar ao YouTube as histórias registradas pelo pai, e que tanto fizeram sucesso em formato de livro até mesmo após sua morte.

Ele criou o canal Viver Agora, onde ao lado do filho Pedro Guilherme Monteiro, 11, narra algumas das histórias escritas por Walcyr em vídeo onde cria um clima sombrio. Até agora, já foram: “A Matinta Perera do Acampamento", '"O Mapinguari”, e “A Ponte do Igarapé das Almas”.

O projeto de Átila está no ar há um mês, mas já soma uma quantidade considerável de vídeos. Ele conta que a pandemia gerou a necessidade de adaptar os planos, já que a ideia inicial era explorar os locais das histórias.

“Não pudemos fazer gravações externas, as que fizemos foram usando máscaras. A ideia é pegar toda a Região Amazônica, contando as histórias e mostrando os lugares, além de interagir com as pessoas daqueles locais que viveram estas histórias e estão vivas”, conta o advogado.

O projeto de Átila é parte de uma estratégia para o futuro lançamento de “Visagens e Assombrações 2”, livro que Walcyr deixou escrito e deve ser publicado no futuro. “Temos uma dificuldade grande em ter essa comunicação com o público que o papai já tinha, e esse canal veio para fazer um estreitamento. Não tem sido fácil. Temos uma página no Facebook com uma média de 25 mil seguidores, e achamos que o pessoal de lá iria migrar para o YouTube. Isso não ocorreu ainda, mas o canal tem pouco tempo”, avalia.

Uma das motivações de Átila para reviver em vídeos as histórias registradas pelo pai na literatura, foi de gerar sentimento de pertencimento com a cultura amazônica, reviver o clima de quando as pessoas se reuniam apenas para contar causos sobrenaturais.

“Eu cresci com ele contando essas histórias, a gente indo a cemitérios. Até hoje eu olho os cemitérios como algo cultural, mas poucas pessoas veem dessa forma. No cemitério Santa Izabel, por exemplo, até hoje as pessoas deixam flores na sepultura da Mulher do Táxi. É fantástico”, diz ele. “Em Belém, em todo o Estado do Pará, na Amazônia como um todo; temos tradição de contar histórias de visagens. Não precisamos importar, porque temos a Matinta, Mapinguari… são várias lendas e várias histórias que não deixam a desejar para nenhum outro canto do mundo”.

Lendas por toda a internet

A publicitária e produtora de conteúdo Natália Paixão também decidiu investir nas narrativas amazônicas em seu perfil do Instagram. Este ano ela criou a série de vídeos “Já Ouviste a Lenda?”, onde conta uma história a cada episódio, mostrando ainda relatos de quem já vivenciou um daqueles momentos sobrenaturais.

O primeiro vídeo publicado por Natália conta a história da Matinta Perera, e atualmente soma mais de 16 mil visualizações. Ela relembra que a ideia de criar a série veio por acaso, e não esperava a repercussão que teve. Os vídeos têm em média cinco minutos, e misturam a narrativa com referências atuais para tornar mais atraente.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A primeira história é de um personagem da região Norte, do folclore da Amazônia: a Matinta Perera. Uma velha bruxa de hábitos noturnos, reconhecida de longe, mesmo que os olhos não a vejam, pelo seu assobio estridente que perturba ouvidos e vidas. Ou pelo temido grito da rasga mortalha, que anuncia um mau presságio, até mesmo morte. . Fumos são deixados na janela, atendendo os pedidos da Matinta pra que nada de ruim aconteça. Convites são feitos pra que busque seu tabaco ou café no dia seguinte, pessoalmente. Coragem, hein?! ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ E, assim, a gente escuta as histórias, o imaginário ganha forma e a lenda ganha vida. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Já tinhas ouvido falar na Matinta? Qual versão da história conhecias? Já viveste a lenda ou conheceste alguém que viveu? Conta nos comentários. #JáOuvisteALenda #lendasfolclóricas #folcloredaamazonia #amazônia #matintaperera #catalendas . //CRÉDITOS Vinheta: @taymarileao Música abertura: Matinta Chegou - Manto Foto Catalendas: Camila Lima / Portal Cultura Foto Matinta: @FernandoSette Ilustra Matinta: Imaginário Folclore

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“Apesar de lenda ser uma coisa mais antiga, que nossos avós e pessoas mais velhas contavam; eu quis trazer muito da nostalgia e misturar com a internet: na forma de falar, com uma duração curta e usando algumas coisas em que dá para brincar, como fiz na lenda do Boto, em que associei com a questão do machismo, de brincar que é o cara que fica com a mulher e some”, conta ela.

Sobre o processo de criação dos vídeos, Natália destaca o aprendizado, assim como os conteúdos serem uma ferramenta de defesa da cultura popular amazônica. Ela conta que até mesmo depois de publicar os vídeos, os seguidores comentam contando outras versões das histórias, e sobre como elas ocorrem de forma diferente em outros locais.

Outro ponto importante são as relações que estas histórias podem ter com situações na realidade: como a possibilidade de a lenda do Boto ter sido criada para encobrir violência sexual em comunidades ribeirinhas da Amazônia, como destaca a publicitária.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A lenda, típica da região Norte, conta que o ser folclórico sai das águas nas primeiras horas da noite, transformando-se em um belíssimo homem, que usa roupas brancas e um chapéu branco, muito característico da figura, que esconde seu rosto. 🐬🧔🏽 . 👀 É chegar em um baile junino, que o Boto se torna o centro das atenções, arrancando suspiros das mulheres e hipnotizando elas com seu jeito galante e sedutor. É assim que ele consegue atrair as mulheres solteiras. 👩‍❤️‍💋‍👨 . Aquele que não resiste aos seus encantos, é convencida de ir pro rio, ou melhor, pro fundo do rio. E lá, vocês já sabem o que acontece. 😏🌊 . Umas escapam de cair em tentação e seguir o boto, outras nem tanto e ficam grávidas dele. E hoje, tu vais conhecer a história da Geanny, que conheceu a figura. #jáouvistealenda

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Com muitos resultados positivos para seu trabalho, a publicitária também relembra uma situação que viveu por conta da lenda que mais a assustava. “A que mais me deu medo, de longe, foi a história da Matinta Perera. Eu sempre tive medo dela”, diz.

“Sempre tinha medo de ficar noites sem conseguir dormir direito, tanto que o processo de edição da matinta foi muito difícil, porque eu coloco todo um efeito sonoro para dar uma boa experiência para as pessoas enquanto elas assistem a lenda. Enquanto eu editava essa parte do vídeo, eu ia ouvindo aquele assovio da Matinta, e fui realmente ficando com medo. Tanto que na véspera de finalizar a edição, eu estava editando a noite. Eu parei, porque estava ficando com tanto medo do assovio, estava criando tanto a imagem da Matinta na minha mente, que eu decidi parar de editar, ou não iria conseguir dormir”, relembra ela.

No meio digital, as lendas também ganharam formato de podcast; é o caso do “Conto Ribeirinho”, que conta com dois episódios disponíveis nos aplicativos de música, onde conta as histórias das Matintas e das Cobras Grandes Encantadas da Amazônia. 

O programa é uma iniciativa da Na Cuia Produtora Cultural em parceria com o projeto Imaginário das Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense - Ifnopap.

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