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Bodanzky fala ao ‘Mangueirosamente’ sobre a arte de mostrar a Amazônia real no cinema

Ele dirigiu com Orlando Senna o emblemático ‘Iracema - Uma Transa Amazônica’, de 1974, que chegou a ser censurado pela Ditadura Militar mas revelou o drama social ao longo da rodovia que corta a região. No programa, Bodanzky conta como foi a saga de fazer esse filme.

Eduardo Rocha

Em conversa com o apresentador Ismaelino Pinto, o cineasta paulista Jorge Bodanzky conta nuances da arte de fazer documentários voltados a se pensar o Brasil, ou melhor, conhecer outros Brasis submersos, como é o caso da Amazônia. Assim se deu, por exemplo, com  o filme “Iracema - Uma Transa Amazônica’, de 1974, que mostrou ao mundo cenas estarrecedoras e cotidianas na região, ao longo da rodovia BR-230, a Transamazônica, proposta pelo Governo Militar para a integração nacional. Bodanzky relata a saga que foi fazer esse trabalho, que chegou, inclusive, a ser censurado pela Ditadura Militar. Isso tudo o público confere no videocast “Mangueirosamente” que pode ser acessado no portal OLiberal.com a partir das 19h desta sexta-feira (24).

Jorge Bodanzky destaca que a primeira vez que esteve na Amazônia foi em 1968, como fotógrafo free lancer da revista “Realidade”, da Editora Abril. Ele e um repórter de texto foram enviados para a cidade de Paragominas, no sudeste do Pará, para fazer uma matéria sobre dinheiro falso que acabou não sendo publicada. Eles se deslocaram para Belém e, em um pequeno avião, foram a Paragominas, na rodovia Belém-Brasília (Rodovia BR-010). Bodanzky lembra que na época não havia aeroporto, o avião pousava na própria estrada. Eles desembarcaram, e o repórter deixou o fotógrafo esperando em um posto de combustíveis na beira da estrada. A cidade era praticamente um local de abastecimento, com lanchonete, borracharia e outros estabelecimentos e serviços.

image Ismaelino Pinto e Jorge Bodanzky: conversa sobre cinema na Amazônia (Foto: Natália Bemmuyal)

Acabou que o repórter desapareceu do cenário. “Foi procurar a matéria e me deixou solto. Fiquei dois ou três dias esperando por ele. Fiquei observando o que acontecia. Durante o dia era um posto de abastecimento normal, e à noite esses mesmos personagens se transformaram em um grande bordel. Então, os motoristas traziam as meninas de Belém, muitas de menor idade, e trocavam de caminhão. Era um entreposto mesmo. E iam para a vida na estrada”, relata o documentarista.

Então, Jorge Bodanzky pensou que se um dia contasse a história dessa estrada seria por intermédio desses dois personagens: o chofer de caminhão e de uma menina que se prostitui. “Isso foi a semente do ‘Iracema’, mas naquela época nunca tinha dirigido um filme ainda, em 1968. Aí foi só em 1974 que eu consegui convencer um produtor da televisão alemã a fazer essa história. ‘Iracema’, na realidade, nasceu em Paragominas”, salienta.

Bodanzky conta que em Belém havia dois cinemas na época, o Nazaré e o Iracema (no centro da cidade), ou seja, com nomes femininos bem populares. E ele queria dar um nome de mulher ao filme. Como Nazaré configura-se como um nome religioso, ele se decidiu por Iracema. E aí, como diz, Iracema colou. “Descobri  muito depois que Iracema é o anagrama de América”, ressalta.

“E a ‘Transa Amazônica’ é porque a história se passa na Transamazônica. Não sei como surgiu a junção da palavra Transamazônica, tem esse duplo sentido. Foi acontecendo”, diz Bodanzky.

Na estrada

Até chegar ao filme Iracema, há uma longa história. Jorge trabalhava como cameraman com correspondentes de televisão alemã, sempre com a história do filme na cabeça. Bodanzky acabou conhecendo um produtor de um programa experimental da TV alemã e contou a história para ele. O produtor pediu algo mais concreto e, então, Jorge se encontrou com o amigo e jornalista Orlando Senna e o parceiro alemão Wolf Gauer. Então, os três saíram no Fusquinha de Bodanzky, no começo dos anos 1970, de São Paulo, seguindo até Marabá, no sudeste do Pará. Lá, entraram na Transamazônica. Sempre de Fusca.

Jorge estava com uma câmera Super 8, uma espécie de caderno de notas; Orlando foi escrevendo, entrevistando as pessoas e o Wolf foi fotografando. Marabá em 1972 era o centro da guerrilha contra o Governo Militar. Os três levantaram o material, Bodanzky foi para a Alemanha e mostrou tudo ao produtor da TV alemã. Imagens sem edição, e tudo mudo em Super 8. O homem ficou fascinado com as imagens. Propôs que se Jorge colocasse as imagens em um filme ele produziria o trabalho (a película) para Bodanzky. E ele topou fazer o filme, o primeiro a ser dirigido por Jorge.

“Tudo aquilo que eu vi, coloquei no filme. E desde a saída eu queria ter um ator para ter o controle da situação, e um ator para fazer um chofer de caminhão era mais fácil, porque, até hoje, a maioria é do Sul. Conheci o Paulo César Pereio, que faleceu no  ano passado, e ele era um ator que já tinha trabalhado em outros filmes, e naquela época ele estava levando uma peça do Chico Buarque, ‘Roda Viva’", destaca Jorge. 

Jorge conta que o grande desafio para “Iracema” foi encontrar uma atriz jovem e com aparência nortista, cabocla. “Eu e o Orlando Senna vimos a Belém, procurar a Iracema, e a gente não podia abrir o jogo, porque era Ditadura Militar. E aí, o chofer de táxi que nos levava, era um Fusquinha, ia para porta de colégio, para agremiações, enfim. A gente ia procurando. E a gente abriu o jogo com o chofer, ele nos levou a um programa de auditório no SESC, do radialista Paulo Ronaldo, e estavam lá 100 meninas todas matando aula naquele auditório. Quando eu entrei com o Orlando Senna, vi dois olhinhos pretinhos lá no fundo. Eu falei: ‘Orlando, aquela é a Iracema’ “, conta Bodanzky. Tratava-se de Edna de Cássia, protagonista do filme.

Esses e outros momentos do bate-papo com Jorge Bodansky, como foi a projeção meio subterrânea de "Iracema" nos cine clubes do Brasil, a carreira vertiginosa do filme no exterior e outros projetos desse cineasta de mão cheia, o público pode conferir em OLiberal.com, a partir das 19h desta sexta-feira (24), no “Mangueirosamente”. 

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