Artistas paraenses falam de amor e resistência no Dia do Orgulho LGBTQIA+

52 anos depois de Stonewall, pessoas desta comunidade ainda sentem que precisam visibilizar e exigir respeito às suas existências, mesmo que hoje existam leis que criminalizam a homotransfobia

Emanuele Corrêa
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Hoje, 28, Dia internacional do orgulho LGBTQIA+ o Brasil e o mundo celebram a diversidade de identidades de gêneros e sexualidades. A data faz alusão a "Revolta de Stonewall" (EUA) e estimula a reflexão por respeito e orgulho de ser. No meio artístico, atores, atrizes, músicos, bailarinos, artistas plásticos, fotógrafos e tantos outros profissionais visibilizam a causa por meio dos seus instrumentos de trabalho: a arte.

image Em Belém do Pará, a cantora Aíla é um exemplo não só no norte, mas no Brasil, de artista que canta essas narrativas sobre as vivências LGBTQIA+. (Reprodução / JR Franch)

52 anos depois de Stonewall, pessoas desta comunidade ainda sentem que precisam visibilizar e exigir respeito às suas existências, mesmo que hoje existam leis que criminalizam a homotransfobia. Em Belém do Pará, a cantora Aíla é um exemplo não só no norte, mas no Brasil, de artista que canta essas narrativas. Ela conta, quando percebeu que seu trabalho também deveria ser um canal para uma luta coletiva, apesar das possíveis consequências. "Lancei meu primeiro álbum em 2012, mas desde 2016 - quando lancei meu segundo disco - entendi que eu deveria me posicionar politicamente, enquanto mulher lésbica. Compus faixas com temáticas sobre feminismo, questões de gênero e isso fez com que muita gente se sentisse representada ali. Mas também fechou os caminhos mais fáceis. Nunca tive dúvida que a arte é um dos principais pilares de transformação de uma sociedade, e fazer artivismo pra mim sempre será um eixo fundamental", relembrou a cantora.

Aíla destacou que canta a realidade que está envolvida e esses sentimentos estão presentes em sua discografia. Segundo ela, as letras podem ser políticas - e devem ter esse teor, devido a função da arte -, mas é possível falar de amor e trazer a temática da diversidade e o respeito pelas várias manifestações deste amor. "O primeiro álbum misturava a música pop e os ritmos paraenses. O 2º álbum em 2016, foi feito bem na época que as ruas estavam fervilhando, o caos político que vivíamos/vivemos. Foi logo que mudei pra SP. Nesse disco busquei uma temática artivista, posicionada, falei de muitas coisas urgentes. Lancei o terceiro álbum, e a temática principal dele é o 'amor'. A paixão, a decepção, o flerte. Entendi que falar de amor não é deixar de se posicionar, é se posicionar de outras formas. É trazer mais gente pra ouvir minha arte, e falar de muitas outras coisas com esse novo público, maior e mais diverso", complementou Aíla destacando o novo trabalho.

image "Comecei a me presentar em festivais de música autoral da região. Em 2021 lancei o primeiro álbum autoral chamado 'O Retorno de Saturno', onde falo da trajetória afetiva como um homem gay vivendo com HIV há 7 anos, reconfigurando esse modus operandi emocional", declarou AQNO (Reprodução / Ítalo Campos)

AQNO: arte e questões sociais estão presentes no trabalho do cantor

Há quase 10 anos o cantor e compositor AQNO, 34 anos, atua na cena musical. O artista nasceu no Tocantins, mas se radicou no Pará. Atualmente divide residência entre Belém e Marabá. Em suas canções, destaca o artista, faz questão de dar visibilidade à causa LGBTQIA+ e acha importante, enquanto homem gay vivendo com HIV, demarcar esse lugar de fala. "Comecei a me presentar em festivais de música autoral da região. Em 2021 lancei o primeiro álbum autoral chamado 'O Retorno de Saturno', onde falo da trajetória afetiva como um homem gay vivendo com HIV há 7 anos, reconfigurando esse modus operandi emocional", declarou o artista.

O disco tem uma sonoridade latino-amazônica que mistura beats eletrônicos e referências do artista em outras sonoridades da música pop, conta AQNO. O cantor afirma que as vivências, principalmente, o fazer arte na cidade de Marabá, é um ato de resistência, pois a economia é marcada pelo agronegócio e a musicalidade predominante é o sertanejo na região. "O espaço que uma pessoa LGBTQIA+ cantando música pop paraense poderia ocupar para levar sua arte, seu corpo e suas questões, é geralmente ocupado por algum homem hétero cis cantando música sertaneja. Conquistar espaço sendo uma pessoa LGBTQIA+ foi bem árduo e eu tive que ser muito insistente até me ver ocupando os mesmos lugares que esses artistas, como palco de eventos importantes da cidade, abrindo show de grandes artistas", relembrou.

Sobre ser uma pessoa gay vivendo com o HIV, AQNO revela que sentiu medo no início da carreira, mas que isso não o impossibilitou de protagonizar essas falas. Entende que também representa uma população que precisa ser ouvida. "Tive medo de como isso poderia afetar ainda mais minha trajetória artística. Nosso corpo, enquanto artista, já é uma bandeira de luta. Tudo isso é uma forma de gritar que existimos e estamos ocupando os espaços. Muita coisa nos é negada enquanto pessoa LGBTQIA+, a algumas ainda mais, como as pessoas trans", disse. Meu primeiro disco fala de como eu, um homem gay vivendo com HIV, me auto sabotei tanto tempo em busca de aceitação afetiva e como fui conquistando minha autonomia nesse sentido. Isso se torna uma ferramenta de cuidado e manutenção emocional pra quem se identifica com a minha condição", arguiu.

"Visualmente esse trabalho é carregado de uma fluidez de gênero, eu não me comprometo em reforçar o ideal hétero-cis do que é ser homem, do que é se vestir ou se comportar como 'homem', isso é potencializado no palco e incomoda bastante os lgbtfóbicos", complementou.

Para este dia de orgulho e demais meses do ano, AQNO deixa uma mensagem de amor e empatia e diz que tem orgulho de ser um homem gay vivendo com HIV. " Nesse mês, o mais importante para além de vir aqui expressar nosso orgulho de estarmos com vida nesse país caótico, é que as pessoas não-LGBTQIA+, aliem-se verdadeiramente à nossa causa. Que haja espaço para nossa arte, para nossa fala, para os nossos corpos, para discutir questões tão particulares das nossas vivências ,não apenas em um mês, mas que sejamos visíveis e relevantes o ano todo e sempre", finalizou.

image Lia Sophia e Taísa Fernandes em cerimônia de casamento. "Essa é a principal questão quando a gente fala da comunidade lgbtqi+. Algo que nem se discute entre heterossexuais é uma luta diária para pessoas LGBTQ. Eu uso a minha voz para dar visibilidade a causa", disse a artista sobre respeito aos direitos das pessoas LGBTQIA+. (Reprodução / Maitê Zara)

'Algo que nem se discute entre heterossexuais, é uma luta diária para as pessoas LGBTQIA+', destaca Lia Sophia

A cantora Lia Sophia além de retratar a temática em suas letras, destacar em entrevistas a sua relação e casamento com a advogada e produtora cultural, Taísa Fernandes. Lia é bastante ativa nas redes sociais e o assunto sempre figura suas postagens e vídeos. Para a artista, a questão do respeito é natural para as pessoas heterossexuais, mas para as pessoas LGBTQIA+, ainda é necessário transformar um direito em luta. "Essa é a principal questão quando a gente fala da comunidade lgbtqi+. Algo que nem se discute entre heterossexuais é uma luta diária para pessoas LGBTQ. Eu uso a minha voz para dar visibilidade a causa", disse a artista.

"A exposição é uma faca de dois gumes. Ajuda a falar sobre ser lésbica e amar uma mulher de forma muito natural nas minhas redes sociais, mostrar que existe amor, cuidado, respeito, uma relação duradoura. Muito para além dos fetiches onde as relações lésbicas costumam ser colocadas. Mas também faz com as pessoas se sintam a vontade para dizer como devo me comportar, o que devo ou não postar, sabe aquela velha frase 'não precisa se expor assim'". É uma forma de mandar você se esconder, de te invisibilizar", refletiu.

Por isso, a visibilidade é importante para toda a comunidade, declara Lia. A artista diz que reforça mesmo com as dificuldades, e os direitos garantidos por lei, ainda sendo negado, que é possível e necessário sentir orgulho de quem se é. "O mês do orgulho serve para lembrarmos do contexto histórico vivido até então. Sabemos que ainda há um longo caminho em busca do fim do preconceito, melhores oportunidades de trabalho e reconhecimento para toda a comunidade LGBTQIA+, por isso a causa merece atenção para que politicas públicas de combate à violência e à discriminação contra LGBTQI+ sejam implementadas . Existimos e Resistimos", concluiu a cantora.

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