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RODOLFO MARQUES

RODOLFO MARQUES

Rodolfo Silva Marques é professor de Graduação (UNAMA e FEAPA) e de Pós-Graduação Lato Sensu (UNAMA), doutor em Ciência Política (UFRGS), mestre em Ciência Política (UFPA), MBA em Marketing (FGV) e servidor público.

Brasil fora do “Mapa da Fome”: uma vitória estrutural ou conjuntural?

Rodolfo Marques

No dia 28 de julho de 2025, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), durante a 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares na Etiópia, anunciou oficialmente a retirada do Brasil do “Mapa da Fome”, categorização baseada no percentual da população em situação de subnutrição crônica, hoje inferior a 2,5%, conforme os dados consolidados do triênio 2022/2024.

O fato, em si, representa um marco político e social de alta relevância. No entanto, enquanto analista da política pública e suas dinâmicas institucionais, a pergunta que se impõe não é apenas "como saímos do Mapa da Fome?", mas sobretudo: "o que explica essa vitória e quais as condições para sua sustentação?"

O presidente Lula (PT-SP) assumiu, já em 2023, o compromisso de retirar o país dessa condição até o fim de seu atual mandato, que ocorrerá em 2026. Atingiu essa meta na metade do percurso. A resposta à fome foi organizada por meio de um pacote de políticas públicas já testadas, porém rearticuladas sob novas diretrizes: o Plano “Brasil Sem Fome”, a reestruturação do Bolsa Família, o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o investimento na alimentação escolar (PNAE) e o apoio às cozinhas solidárias. Tais políticas atuaram de forma intersetorial em um formato que combina transferência de renda, incentivo à agricultura familiar e políticas educacionais.

O impacto é expressivo: 24 milhões de brasileiros deixaram a condição de insegurança alimentar grave até o final de 2023; a pobreza extrema caiu para 4,4%; a desigualdade, medida pelo índice de Gini, recuou para 0,506; e o desemprego, em 2024, atingiu 6,6%, o menor patamar em mais de uma década.

O sucesso da atual política de combate à fome pode ser lido como fruto de uma reconstrução institucional deliberada. Após o desmonte ocorrido entre 2016 e 2022, houve uma reconstituição de instrumentos e capacidades estatais. O retorno de políticas redistributivas e a rearticulação com a sociedade civil são componentes centrais dessa virada.

Mais do que o volume de investimento, o que se destaca é a coerência entre os objetivos e os meios. A combinação de transferências condicionadas de renda, elevação do salário mínimo, recuperação do CadÚnico e estímulo ao emprego formal gerou efeitos multiplicadores sobre a base da pirâmide social. 

Ainda assim, é necessário cautela quanto à durabilidade desses avanços. O histórico brasileiro demonstra que conquistas sociais são reversíveis, sobretudo quando dependem de vontades políticas conjunturais e não de pactos institucionais sólidos. O retrocesso entre 2018 e 2020, que recolocou o país no Mapa da Fome, foi fruto direto da descontinuidade de políticas estruturais. 

Assim, a permanência dessa conquista exige mais que ações governamentais pontuais: requer a institucionalização da justiça social como eixo da política de Estado. A fome, como fenômeno político, não desaparece sem estabilidade normativa. 

Assim, a pergunta crucial não é apenas quem garante essa vitória – mas quem garante sua permanência? O desafio, agora, é transformar esse sucesso em compromisso permanente, blindado contra alternâncias eleitorais e contra a fragilidade de coalizões voláteis.

Dessa forma, a superação da fome exige mais do que políticas eficazes; exige instituições resilientes, atores comprometidos e, sobretudo, uma sociedade civil vigilante. Do contrário, a fome deixará de ser um problema transitório apenas para voltar a ser um traço estrutural da exclusão brasileira.

 

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