O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Um dia com Neruda em La Chascona e em 'La Sebastiana'

Océlio de Morais

Nos primeiros anos da minha juventude, em Belém do Pará, conheci a poesia conjugada de letras apaixonadas e emoções ardentes nas obras de Pablo Neruda.

Nos anos de 1980, era quase um modismo entre os jovens universitários da Universidade Federal do Pará ler os livros de poemas e crônicas do chileno, os poemas do espanhol de Federico García Lorca e os romances do colombiano Gabriel García Márquez.

Embora em épocas distintas, pensamentos literários e políticos alinhados à  esquerda ideológica, esses autores fascinavam o idealismo libertário dos jovens de minha época, e, dentre eles, eu, por certa medida. 

De minha parte, vindo do interior amazônico, lá das colônias de Monte Alegre (no baixo amazonas), confesso que o temor pela repressão política dos anos 80 me fez dar mais atenção à criação literária, do que ao engajamento político (ou militância política) desses belíssimos escritores da literatura mundial. 

Dos livros de Gabriel García Márquez, a preferência era pelas obras “Ninguém escreve ao coronel” (1961), “Cem Anos de Solidão” (1967), “Crônica de uma morte anunciada” (1981), “O Amor nos tempos de cólera” (1985).

Das produções de Federico García Lorca – que em 18 de agosto de 1936 foi assassinado – eram bastante procurados “Cartas aos Amigos” (1950) no gênero prosa, e poemas como “Poema del cante jondo” (1921-22), “Sonetos del Amor Oscuro” (1936) e “Divã do Tamarit” (1940).

Dentre esses autores, penso que Neruda era o mais preferido daquela minha geração.

No Brasil, em particular, talvez a frase “Devolva o Neruda que você me tomou. E nunca leu…” – na composição  “Trocando em miúdos”, de Chico Buarque e Francis Hime – tenha contribuído para alimentar a curiosidade e o interesse pelas obras de Neruda, criando leitores nerudianos da época. “Confesso que vivi” (1974), – livro memória do poeta chileno – considero ter sido a obra que abriu a porta à minha entrada ao mundo literário de Neruda.

Depois conheci “Memorial de Ilha Negra” “Fin del mundo”, “Jardín de invierno”. “Obras completas” e “Todo el amor”.

Remonto essas memórias por ocasião de minha ida à cidade de Santiago do Chile, no mês de dezembro de 2014, ocasião em que conheci as antigas residências de Neruda, em Santiago e em Valparaíso.

A poesia de Neruda transportou-me ao universo mágico do ambiente de sua criação e à magia envolvente, ao ponto de querer conhecer sua vida e seu mundo, seus espaços e seus ambientes de criação poética.

Estimulado pelo seu gênero descritivo, com riqueza poética (real e ficcional), sempre imaginei como seriam as casas onde o poeta viveu e o que nela ocupava mais o seu tempo: suas leituras, seus escritos, suas “vinhadas” noturnas e seus amores.

Realizei esse sonho e constatei minhas impressões. No dia 11 de dezembro de 2014, conheci um pouco dessa magia poética de Neruda, ao visitar duas de suas três casas em Santiago do Chile e em Valparaíso: Uma delas, “La Chascona”, fica na “comuna” de Bellavista, em Santiago (capital), próxima ao Cerro de “San Cristoban”.

“La Chascona” é conhecida como a casa do amor do poeta. Construída a partir de 1953, foi dedicada para Matilde Urrutia, uma das amantes de Neruda.

O nome “La Chascona”, dado por Neruda, é uma referência aos cabelos ruivos de Matilde, mulher que viveu com o poeta até a morte dele, em 23 de setembro de 1973.

Conhecer as duas casa, a partir de onde Neruda legou grande parte de suas obras ao mundo – a poesia da emoção experimentada e da emoção desejada, a poesia da política e da filosofia – foi um presente que só a arte de Neruda pode proporcionar aos mortais que, magicamente, também se imortalizam quando o leem.

“La Chascona” é uma casa rústica (transformada em Museu), mas bem dividida, com um espaço agradável onde o poeta recebia os amigos. O seu escritório (o seu laboratório de poemas, contos e romances) era modesto, mas confortável e com área de ventilação.

Quando entrei na casa,  foi o meu sentimento, parecia que estava sendo recepcionado pelo próprio Neruda.

Depois do golpe militar chileno, a 11 de setembro de 1973, “La Chascona” foi saqueada e livros do poeta foram queimados– coisa que é possível comparar à espécie de reedição, no século XX, daquilo que a “Santa Inquisição” fazia no século XIII, também queimando em praça pública livros tidos como heresias religiosas.

Confesso que vivi, confesso que senti, e confesso que vi a magia poética de Neruda na visitação “La Chascona”.

A outra casa de Neruda, que conheci foi “La Sebastiana”, em Valparaíso, também transformada em museu. Valparaíso, fundada a 3 de setembro de 1544, é a sede do poder legislativo do Chile.

Por ser uma cidade cheia de morros e com expressiva cultura, foi declarada patrimônio cultural da humanidade em 2003 pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Mas também é uma cidade de contrastes. Logo na entrada existe uma grande feira, na avenida Argentina, que funciona às quartas feiras e aos sábados: é uma feira de artesanato, artigos locais, de objetos velhos e usados, que causa má impressão pela desorganização e pela sujeira.

Avançando ao coração da cidade, as casas construídas perigosamente nas encostas dos morros lembram muito as favelas dos morros do Rio de Janeiro.

Neruda adquiriu “La Sebastiana” de segunda mão, tendo sido reformulada ao gosto do escritor, isso porque “o poeta estava cansado de morar em Santiago do Chile”, disse o guia turístico chileno.

A visitação à casa é culturalmente especial: áudio e vídeo contam a história completa da vida de Neruda, da infância ao falecimento.

No Chile, conta-se que Neruda não morreu em decorrência do câncer na próstata, mas teria sido assinalado numa clínica em Santiago com uma injeção letal.

“La Sebastiana” guarnece muitos objetos pessoais de Pablo Neruda: cama, penico, cachimbo, pijamas e outras roupas, chapéus, escrivaninha, máquina de datilografia, canetas esferográficas.

Sobre a mesa da sala de jantar ou sala dos amigos, cada taça de vinho tinha uma cor, cada cor designava um amigo do poeta, e cada amigo, nas reuniões boêmias ou políticas, usava sua respectiva taça.

Ninguém pode tocar ou fotografar estes objetos. Apesar disso, tudo é fascinante, porque faz a imaginação viajar, cheia de curiosidades, quanto aos modos e costumes, rotinas e regras, e liberdades do poeta.

E minha alma, que tanto gosta de poesia e crônica, passou a admirar mais ainda a arte poética daquele que soube amar e viver intensamente a poesia.

Não conheci a terceira casa, em Isla Negra, localidade litorânea na Comuna de El Quisco. Mas conhecer os ambientes onde Neruda escreveu os seus livros – obras que estavam no meu coração e memória  de jovem  estudante – agregou saber à minha visão de mundo.
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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação.

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