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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

'Lugar de fala', ideologismo, liberdade de expressão e dignidade humana

Ocelio de Jesús Morais

Uma das características da sociedade pós-moderna está relacionada aos grupos identitários. E cada grupo adota padrões de “falas” ou condutas que, não raro, são opostos entre si, geralmente acirrados por ideologias extremistas, resultando no agravamento das tensões sociais. 

Com isso, ouve-se com frequência a expressão: “lugar de fala”, ou pauta política e cultural, entendida como uma espécie de reconhecimento da vivência das pessoas nas diversas perspectivas de identitárias – identitárias como adjetivo das   características que definem e caracterizam alguém, diferenciando as pessoas nas relações sociais. 

Com liberdade filosófica – a propósito, o leitor pode conhecer o meu livro “Humanismo: Liberdade, Filosofia, (São Paulo, Dialética, 2023) – esta pensata vai abordar o tema sob a perspectiva do direito humano fundamental à livre manifestação de pensamento e de expressão. 

Adota-se como ponto de partida a seguinte questão: se a expressão “lugar de fala”, como pauta política ou cultural de um determinado grupo social, é aberta às manifestações diferentes ou restringe a livre manifestação de pensamento e de expressão em relação aos grupos sociais, que não são compreendidos naquele específico segmento?

A primeira tese é esta:  é legítima a organização dos grupos identitários para a luta em defesa dos direitos relativos à dignidade humana. 

E a segunda tese é a seguinte: ideologismos extremos, no âmbito dos grupos identitários, impedem a efetivação dos direitos da igualdade e alimentam a sociedade de preconceitos.

A pauta política identitária, que se apresenta como legítima do grupo social,   é – bem a rigor – a manifestação da luta pela efetividade  dos direitos de igualdade e contra a discriminação de qualquer natureza, as duas matrizes fundamentais da dignidade da pessoa humana (como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito) e da prevalência dos direitos humanos (como um dos princípios da República Federativa do Brasil).

Sob esse viés constitucional – a Constituição é (ou deveria) ser a expressão da  vontade do povo –  é  seguro afirmar que a  luta pela efetividade dos direitos e garantias fundamentais (com as duas matrizes) não admite o uso das ideologias extremistas que, a pretexto da defesa do pauta “lugar de fala”, acabam por promover intransigências políticas e inconcebíveis situações divisionistas e o indesejável acirramento da tensão social. 

Se bem lembrado, a Constituição Federativa garante a “livre a manifestação do pensamento e de expressão” como um dos Direitos e Garantias Fundamentais de qualquer pessoa. Essa garantia constitucional é a correta afirmação de que a liberdade é direito humano fundamental inviolável e inalienável – matriz de direito humano que se encontra na Declaração [francesa, de 1789 ] dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na declaração da independência americana de 1776  —   precisamente porque todas as pessoas são, sob a perspectiva da condição ontológica do ser, livres e iguais em direitos e obrigações. 

Sob a perspectiva socioeconômica, as desigualdades sociais, também mantidas por ideologismos extremos – dependendo do nível da educação e do desenvolvimento do povo – impedem a efetivação dos direitos da igualdade, alimentam a sociedade de preconceitos, violam princípios da justiça social e mandam ao espaço infinito a prometida sociedade fraterna, que deveria ser fundada na harmonia social.

Além disso, o ideologismo extremo – aqui colocado como um sistema de ideias que só enxerga e interpreta o fato (e a respectiva fala) sob a sua  única perspectiva  – é uma espécie de manipulação da liberdade de pensamento e de expressão, porque cerceia do contrário esse direito humano fundamental inviolável e inalienável.

Logo, qualquer restrição à livre manifestação de pensamento e de expressão no âmbito das relações sociais – ainda que se alegue a  exclusividade da pauta identitária –  no fundo e bem no fundo, acaba por alimentar as discriminações sócio-política-cultural na sociedade. 

Por certo que a liberdade, consideradas as perspectivas normativa e filosófica, rigorosamente mão representa fazer tudo o que se quer ou dizer tudo o que se pensa, E por quê? Porque  – como anunciado na Declaração   dos Direitos do Homem e do Cidadão, “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”, razão pela qual “o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos”,e cujos “limites só podem ser determinados pela lei.”

Então, note-se bem  a universalidade e os limites do direito à liberdade  na Declaração francesa:  “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”. Por outro sentido, o exercício do direito à  liberdade  – embora inviolável e inalienável enquanto um direito humano individual e coletivo –  não pode prejudicar outra pessoa, exatamente porque ela também é portadora do mesmo direito inviolável e inalienável.

Assim, quando se diz para alguém: “este não é o seu lugar de fala” –  discriminando-a, excluindo-a, cancelando-a e alijando-a da manifestação de expressão acerca do tema, –  representa  a  negação do igual direito  guiado pelo princípio de que “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”

Já o disse na crônica “Liberdade para a felicidade”, publicada nesta coluna, que a natural condição antropológica da pessoa prenhe o desejo de liberdade como necessidade de expansão da condição humana na sociedade. 

E nela destaquei também que, na filosofia política,  isso significa que a pessoa quer pôr toda a vida,  concretamente,  a liberdade como um direito fundamental.

Porém, fiz uma advertência: o “bem-viver”  (aristotélico) ou a  auto-legitimação individual  à liberdade (kantiana)  não significam o passaporte  à desvirtuação do conteúdo da liberdade.

 E por quê? Porque é preciso observar a força máxima do valor e do princípio da liberdade para a  realização humana – e, necessariamente,  colocar em prática. E colocar em  prática quer dizer –  como ressalta  Otfried Höffe, professor de filosofia na Universidade de Tübingen (Alemanha) na obra "Justiça política" – defender  a essência ético-pública da  experimentação da liberdade na vida social, atitude  que também  exige responsabilidade correspondente. 

Toda ideologia extremista que alimenta  discursos seccionistas consiste na violação da  dignidade humana e dos direitos humanos, porque cerceia a livre manifestação do pensamento e de expressão como Direitos e Garantias Fundamentais de qualquer pessoa.

Em conclusão, com a disseminação das ideologias extremistas – porque dividem a sociedade mais do que já o   e porque são fontes de conflitos políticos-sociais –  não será possível a construção da   sociedade  livre, igualitária, sem discrimnção de qualquer natureza, fraterna e justa, como  prometido no Preâmbulo da Constituição da República de 1988, que foi promulgada “sob a proteção de Deus”.  

Na dimensão teológica, a promulgação da Constituição “sob a proteção de Deus” –  o tema é relativo à “deidade coeterna”, objeto de estudo das ciências teológicas,  tema profundo ao  dedicarei outra pensata –  significa que o povo da Nação acredita que está sob o cuidado e amparo Divino. O Criador universal – nas palavras de Jesus Cristo – legou o maior princípio humano de todos os séculos: “amar ao próximo como si mesmo”, a base da sociedade não discriminatória, fraterna, justa,  igualitária, e livre da ignorância e dos aprisionamentos .

Para ampliar a reflexão sobre o tema das ideologias e das igualdades,  remeto o leitor ao meu livro “Humanismo: E depois de ontem…” (Curitiba, Alteridade, 2022), especialmente a Seção 6, intitulada “E Se os direitos humanos não fossem destinados aos humanos?”, na qual reflito sobre os problemas  dos “Discursos divisionistas sobre direitos humanos”  e da “Redução dos direitos humanos às ideologias”.

ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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Océlio de Morais
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