'Lugar de fala', ideologismo, liberdade de expressão e dignidade humana Ocelio de Jesús Morais 24.06.25 8h14 Uma das características da sociedade pós-moderna está relacionada aos grupos identitários. E cada grupo adota padrões de “falas” ou condutas que, não raro, são opostos entre si, geralmente acirrados por ideologias extremistas, resultando no agravamento das tensões sociais. Com isso, ouve-se com frequência a expressão: “lugar de fala”, ou pauta política e cultural, entendida como uma espécie de reconhecimento da vivência das pessoas nas diversas perspectivas de identitárias – identitárias como adjetivo das características que definem e caracterizam alguém, diferenciando as pessoas nas relações sociais. Com liberdade filosófica – a propósito, o leitor pode conhecer o meu livro “Humanismo: Liberdade, Filosofia, (São Paulo, Dialética, 2023) – esta pensata vai abordar o tema sob a perspectiva do direito humano fundamental à livre manifestação de pensamento e de expressão. Adota-se como ponto de partida a seguinte questão: se a expressão “lugar de fala”, como pauta política ou cultural de um determinado grupo social, é aberta às manifestações diferentes ou restringe a livre manifestação de pensamento e de expressão em relação aos grupos sociais, que não são compreendidos naquele específico segmento? A primeira tese é esta: é legítima a organização dos grupos identitários para a luta em defesa dos direitos relativos à dignidade humana. E a segunda tese é a seguinte: ideologismos extremos, no âmbito dos grupos identitários, impedem a efetivação dos direitos da igualdade e alimentam a sociedade de preconceitos. A pauta política identitária, que se apresenta como legítima do grupo social, é – bem a rigor – a manifestação da luta pela efetividade dos direitos de igualdade e contra a discriminação de qualquer natureza, as duas matrizes fundamentais da dignidade da pessoa humana (como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito) e da prevalência dos direitos humanos (como um dos princípios da República Federativa do Brasil). Sob esse viés constitucional – a Constituição é (ou deveria) ser a expressão da vontade do povo – é seguro afirmar que a luta pela efetividade dos direitos e garantias fundamentais (com as duas matrizes) não admite o uso das ideologias extremistas que, a pretexto da defesa do pauta “lugar de fala”, acabam por promover intransigências políticas e inconcebíveis situações divisionistas e o indesejável acirramento da tensão social. Se bem lembrado, a Constituição Federativa garante a “livre a manifestação do pensamento e de expressão” como um dos Direitos e Garantias Fundamentais de qualquer pessoa. Essa garantia constitucional é a correta afirmação de que a liberdade é direito humano fundamental inviolável e inalienável – matriz de direito humano que se encontra na Declaração [francesa, de 1789 ] dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na declaração da independência americana de 1776 — precisamente porque todas as pessoas são, sob a perspectiva da condição ontológica do ser, livres e iguais em direitos e obrigações. Sob a perspectiva socioeconômica, as desigualdades sociais, também mantidas por ideologismos extremos – dependendo do nível da educação e do desenvolvimento do povo – impedem a efetivação dos direitos da igualdade, alimentam a sociedade de preconceitos, violam princípios da justiça social e mandam ao espaço infinito a prometida sociedade fraterna, que deveria ser fundada na harmonia social. Além disso, o ideologismo extremo – aqui colocado como um sistema de ideias que só enxerga e interpreta o fato (e a respectiva fala) sob a sua única perspectiva – é uma espécie de manipulação da liberdade de pensamento e de expressão, porque cerceia do contrário esse direito humano fundamental inviolável e inalienável. Logo, qualquer restrição à livre manifestação de pensamento e de expressão no âmbito das relações sociais – ainda que se alegue a exclusividade da pauta identitária – no fundo e bem no fundo, acaba por alimentar as discriminações sócio-política-cultural na sociedade. Por certo que a liberdade, consideradas as perspectivas normativa e filosófica, rigorosamente mão representa fazer tudo o que se quer ou dizer tudo o que se pensa, E por quê? Porque – como anunciado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”, razão pela qual “o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos”,e cujos “limites só podem ser determinados pela lei.” Então, note-se bem a universalidade e os limites do direito à liberdade na Declaração francesa: “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”. Por outro sentido, o exercício do direito à liberdade – embora inviolável e inalienável enquanto um direito humano individual e coletivo – não pode prejudicar outra pessoa, exatamente porque ela também é portadora do mesmo direito inviolável e inalienável. Assim, quando se diz para alguém: “este não é o seu lugar de fala” – discriminando-a, excluindo-a, cancelando-a e alijando-a da manifestação de expressão acerca do tema, – representa a negação do igual direito guiado pelo princípio de que “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo” Já o disse na crônica “Liberdade para a felicidade”, publicada nesta coluna, que a natural condição antropológica da pessoa prenhe o desejo de liberdade como necessidade de expansão da condição humana na sociedade. E nela destaquei também que, na filosofia política, isso significa que a pessoa quer pôr toda a vida, concretamente, a liberdade como um direito fundamental. Porém, fiz uma advertência: o “bem-viver” (aristotélico) ou a auto-legitimação individual à liberdade (kantiana) não significam o passaporte à desvirtuação do conteúdo da liberdade. E por quê? Porque é preciso observar a força máxima do valor e do princípio da liberdade para a realização humana – e, necessariamente, colocar em prática. E colocar em prática quer dizer – como ressalta Otfried Höffe, professor de filosofia na Universidade de Tübingen (Alemanha) na obra "Justiça política" – defender a essência ético-pública da experimentação da liberdade na vida social, atitude que também exige responsabilidade correspondente. Toda ideologia extremista que alimenta discursos seccionistas consiste na violação da dignidade humana e dos direitos humanos, porque cerceia a livre manifestação do pensamento e de expressão como Direitos e Garantias Fundamentais de qualquer pessoa. Em conclusão, com a disseminação das ideologias extremistas – porque dividem a sociedade mais do que já o e porque são fontes de conflitos políticos-sociais – não será possível a construção da sociedade livre, igualitária, sem discrimnção de qualquer natureza, fraterna e justa, como prometido no Preâmbulo da Constituição da República de 1988, que foi promulgada “sob a proteção de Deus”. Na dimensão teológica, a promulgação da Constituição “sob a proteção de Deus” – o tema é relativo à “deidade coeterna”, objeto de estudo das ciências teológicas, tema profundo ao dedicarei outra pensata – significa que o povo da Nação acredita que está sob o cuidado e amparo Divino. O Criador universal – nas palavras de Jesus Cristo – legou o maior princípio humano de todos os séculos: “amar ao próximo como si mesmo”, a base da sociedade não discriminatória, fraterna, justa, igualitária, e livre da ignorância e dos aprisionamentos . Para ampliar a reflexão sobre o tema das ideologias e das igualdades, remeto o leitor ao meu livro “Humanismo: E depois de ontem…” (Curitiba, Alteridade, 2022), especialmente a Seção 6, intitulada “E Se os direitos humanos não fossem destinados aos humanos?”, na qual reflito sobre os problemas dos “Discursos divisionistas sobre direitos humanos” e da “Redução dos direitos humanos às ideologias”. ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas Ocelio de Jesús Morais oceliodemorais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado! ÚLTIMAS EM OCÉLIO DE MORAIS Ocelio de Jesús Morais 'Lugar de fala', ideologismo, liberdade de expressão e dignidade humana 24.06.25 8h14 Ocelio de Jesús Morais As escolhas, o pântano e os crocodilos 10.06.25 10h30 Ocelio de Jesús Morais O que você respeita mais: a regra do silêncio da casa teatral ou a Constituição Federativa? 28.05.25 8h00 pensata Para onde caminha o sentimento humano? 21.05.25 8h00