O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Sobre a liberdade no pensamento de Francisco de Assis

Océlio de Morais

Este ensaio tem por objetivo, a partir da regra franciscanas (LA regola francesacana), identificar no pensamento e vida vocacional de Francisco de Assis o sentido da liberdade que escolheu para uma vida baseada na simplicidade,  inerente a dimensão libertadora do evangelho de Jesus.

Minha hipótese ou proposição provisória é a seguinte: a liberdade franciscana não se resume à ideia metafísica – na perspectiva filosófica  (natureza do Ser) ou  teológica (essência de Deus e da religião)  –  visto que a escolha (pela vivência radical do Evangelho) exigia (e exige) uma espécie de liberdade disruptiva do modo de vida material anterior.

Ele viveu apenas 34 anos, um a mais que Jesus,  e ambos, em cada época,  deram uma resignificação especialíssima à liberdade: a escolha virtuosa pela verdade de espírito. 

Jesus enfrentou – a história registra isso com fidelidade – a ordem estabelecida dos doutores da lei,  liderada por Caifás, o sumo sacerdote que também manipulou, no Sinédrio, a prisão de Jesus no Jardim Getsêmani e, depois, conspirou com o governador  Pôncio Pilatos a maior farsa de julgamento da história: a condenação de Jesus à morte, também manipulando o povo para libertar um ladrão, salteador e assassino, o zelota Barrabás. 

Os poderes corruptos e  corrompidos preteriram  a liberdade (a verdade espiritual que liberta) e optaram por Barrabás – embora preso  e  condenado à morte –  porque ele não representava nenhuma ameaça ao sistema.

 Então, em última perspectiva,  isso significa que, por si mesmo, o sistema resolveu “apagar” e “limpar” o histórico de roubos e assassinatos de Barrabás, dando-lhe a liberdade. Desse modo, o sistema sacralizou a maior farsa do “julgamento” da história da humanidade. 

Mais de mil anos depois –  precisamente  a 5 de julho 1182  – nasceu no então ducado de Assis, Itália , o personagem central deste ensaio:  Giovanni di Pietro di Bernardoni, depois rebatizado Francisco pelo pai, Pedro Bernardone Maricone, que estava comerciando em França quando o filho nasceu. 

Francisco de Assis, como é mundialmente conhecido e venerado como Santo – a canonização ocorreu a 16 de julho de 1228,  dois anos depois da sua morte  em 3 de outubro de 1226 –  enfrentou a ordem estabelecida da Igreja Católica da época, tendo como constante censor o cardeal Ugolino,  designado pelo Concílio Ecumênico de Latrão do ano de 1123,  como “protetor da  “Ordem dos irmãos Menores de Assis””. 

A Ordem havia sido fundada em 1219 como o nome de  “Ordem dos Irmãos Mendigos de Assis". Dentre os objetivos do Concílio de Latrão estavam a separação das questões espirituais das temporais e o  restabelecimento do princípio da autoridade eclesiástica em assuntos espirituais.

Filho de uma família comerciante, Francisco de Assis , depois de desistir de lutar na guerra por um título de cavaleiro, aproveitou um pouco da vida boêmia, mas impressionado e sensibilizado com a extrema pobreza do povo em geral, optou mudar o estilo e o sentido da sua  vida. E  bem  mais corajosos  do que o jovem rico da parábola de Jesus, deixou  a família e  viveu na pobreza com honradez.

Eis então o primeiro sentido filosófico e prático  da liberdade no pensamento e na vida de Francisco de Assis:  a liberdade disruptiva em relação ao modo de vida anterior – disruptivo  porque é extremamente desafiante e difícil passar a viver com coerência radical um novo modo de vida. A dimensão libertária é extraordinária. A liberdade glamourosa  que estava relacionada à opulência da riqueza fica em definitivo para trás, tudo fica enterrado  no passado. 

As regras franciscanas, na origem,  são princípios e valores para nortear uma vida em comum dos leigos que optaram livremente pela vivência radical do Evangelho, naquele sentido da verdade que liberta preconizado por Jesus.

As primeiras regras franciscanas, que sinalizavam a vivência  evangélica, propunham uma liberdade  como realidade efetiva ou coerência prática: não seria possível viver com honradez e com  a verdade libertadora de Jesus se materialmente o espírito estivesse preso às opulências  materiais, porque tais tornariam as pessoas escravas.

Por isso os votos (religiosos) da pobreza, obediência e castidade  formam o tripé dos princípios morais franciscanos – princípios que desafiam o sentido vocacional da liberdade de escolha (pela verdade que liberta) em oposição à liberdade material (que pode escravizar), naquele sentido que Jesus disse: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Marcos, 8:36). Os três princípios (religiosos) convergem ao princípio libertador maior.

 A regra-princípio relativa à pobreza está relacionada à libertação das amarras materiais que impedem a vida coerente baseada na caridade e na fraternidade, portanto, sem comunhão com Deus.  

A obediência, não apenas em relação às regras-princípios franciscanas, em sentido filosófico deduz a disciplina necessária para que a pessoa  possa ser coerente com a escolha virtuosa que faz para a sua vida. 

A regra franciscana primitiva, quanto à liberdade de pensamento,  permitia o questionamento de “preceitos e ordens percebidos como contrários à consciência”.   A liberdade de pensamento – que autorizava apresentar com fraternidade e caridade oposição “preceitos e ordens” contrários aos princípios da verdade que liberta  –  sempre deveria apontar para a coerência de consciência, deduzindo-se  que a consciência deveria ser baseada na honradez.

 A castidade – voto (moral e religioso)  que  impõe total abstinência de relacionamentos amorosos – no contexto histórico  de Francisco de Assis também provocou reação em face dos costumes da Igreja Católica, à medida que tinha  bispos, cardeais e papas (na maioria oriundos da nobreza feudal) com  esposas e filhos.

Recorde-se que, na época de Francisco de Assis, a “espiritualidade europeia” estava predominantemente centrada na Igreja Católica. Isso decorria do fato  de que os imperadores romanos, por específicas alianças políticas ou econômicas, também influenciavam nas eleições dos papas – ingerência que incomodava alguns setores da Igreja, por isso, tal questão foi incluída como objetivos do Concílio de  Latrão: abolir  definitivamente  essa influência ou ingerência.

No pensamento de Francisco de Assis – assim inspirado na total abstinência amorosa de Jesus , conforme relatam os Evangelhos aceitos  –  era incompatível conciliar uma vivência libertadora  baseada no Evangelho com  o modo de vida  dos altos dirigentes da Igreja Católica de então. 

A regra franciscana primitiva não foi  bulada, isto é, não foi ratificada por bula (decreto) papal porque foi considerada muito radical. Francisco de Assis, “em revisão”, à primeira regra, manteve a sua essência, destacando que era preciso preservar a pureza do conteúdo dos Evangelhos. A liberdade de Francisco de Assis falou mais alto e a revisão de novo não foi bolada.  

Francisco de Assis não queria apenas uma Igreja coerente com o Evangelho, mas pessoalmente dava o exemplo de vida baseada  na liberdade de consciência, cheia de valor moral e religioso.  Para ele, nada poderia macular a nobreza da coerência. Ele chamava a atenção para as coisas que pudessem gerar escândalos. Uma das regras, advertia que “Todos os frades, em qualquer lugar em que estiverem  (...) não recebam algum emprego que cause escândalo ou produza detrimento para sua alma”. Nos tempos atuais, isso poderia ser interpretado que  Francisco de Assis queria evitar atos corruptos e corruptores no seio da sua Ordem e da própria Igreja Católica. 

A liberdade no pensamento e a coerência de consciência em Francisco de Assis –  isto está bem claro nas regras primitivas – não poderiam contrariar a pureza do Evangelho de Jesus, defendido como a verdade  completa que liberta.

Outro dispositivo, nas regras primitivas, que cuida do princípio da liberdade de consciência coerente,  dava legitimidade a qualquer membro da Ordem – não obstante o princípio da obediência –  a desobedecer ordens de superiores hierárquicos tidos como indignos. Regra-princípio Interpretada como radical e criadora de dissenso, foi  modificada pela Papa Honório III na bula Solet annuere, de 29 de novembro de 1223, quando, então, as regras franciscanas ganharam a denominação de regra bulada. 

Conclui-se com hipótese confirmada: a liberdade de consciência coerente no pensamento de Francisco  de Assis  foi tudo na sua vida  convertida, tendo sido homem-profeta que adotou a liberdade teológica (a verdade que liberta de Jesus).

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação.

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