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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

O juiz, o padre e as virtudes cardeais da Justiça

(Crônicas judiciárias de quase um quarto de século na magistratura)

Océlio de Morais

Foi em 2004, há  dezessete  anos. Numa sala de aulas do curso de graduação em Direito, um aluno, que tinha fascinação pela magistratura, perguntou-me quais eram as principais virtudes do juiz?

Era um jovem com mais ou menos 20 anos. Tinha desenvoltura, com boa oratória. Escrevia bem, também. Sua predileção era pelo direito penal, demonstrando incomum interesse (para um jovem daquela idade) às teorias clássicas da pena.  Era o perfil do aluno que todo professor, que gosta da pesquisa e da academia, sempre quer  ter como um orientando no stricto sensu.  

Respondi-lhe. citando  as quatro virtudes da Justiça designadas por Platão, na obra “A República”, quando trata sobre "Ética e Justiça”:  sabedoria ou prudência, coragem (e fortaleza), temperança e justiça, explicando-lhe a teleologia de cada uma dessas virtudes,  e comparando-as com as virtudes teologais  ou religiosas (fé, esperança e caridade) do cristianismo católico,  as quais integraram o meu livro “Dos Dilemas e da Arte de Julgar", sob o item “O Juiz e as virtudes cardeais, publicado em 2008, pela editora em LTr, em São Paulo.

Sobre as virtudes cardeais, disse ao aluno que o exercício virtuoso da sabedoria, da coragem e da temperança na magistratura leva ao grande desafio: o exercício da justiça virtuosa e real, enquanto que as virtudes teologais têm como fundamento e razão imediatos o amor a Deus e ao próximo.

Vem à recordação esse fato para ilustrar essa crônica judiciária de quase um século da minha magistratura na jurisdição trabalhista na Amazônia brasileira, porque, numa certa localidade, deparei-me com significativos casos de ações trabalhistas temerárias e aventureiras.

Estimulado pela força das virtudes cardeais - eticamente ainda acredito nelas - precisei enfrentar aquela situação que estava desvirtuando um dos pilares éticos da Justiça (a boa-fé processual) através de condutas como  apropriação de dinheiro de cliente, falsificação de assinatura do juiz e patrocínio infiel.  

Lembro-me que conversei com padre  que atuava naquela localidade - com o qual estudei teologia e que atualmente já é arcebispo da Igreja Católica - sobre as questões éticas relacionadas à boa-fé no âmbito das reclamações trabalhistas. E certa vez o convidei para celebrar uma missa especial e aberta à comunidade no pátio da Vara. 

A homilia, para minha surpresa, adotou a temática da ética na Justiça, relacionando-as com as virtudes teologais.
Aquela homília deu mais gás à coragem (fortaleza) necessária  para, com prudência, para tentar sensibilizar, em cada caso que era detectado , a consciência e a mudança de conduta.

O objetivo era o alinhamento à boa-fé processual daqueles casos.  Lembrei-me de um ensinamento de Platão sobre o que significava fazer Justiça, Lembro-me que à época, eu estava lendo o  capítulo “Ética e Justiça", ainda do livro “A República”  e deparei-me com esse pensamento do filósofo  discípulo de Sócrates: “A Justiça consiste em fazer cada um aquilo para que o doou a natureza". Referiu-se, o filósofo grego, à prática cotidiana das virtudes cardeais e não dos vícios que empobrecem a natureza humana.

Investido da fortaleza cardeal da filosofia platônica, passei a adotar pensamentos filosóficos ou teologais relacionados à Justiça virtuosa, como se fosse uma espécie de  ementa, nas minhas sentenças e, ainda, a colocação de frases no átrio e na sala de audiência da vara, tais como: Faça a Justiça tão sincero quanto desejais recebê-la; A virtude tem como princípio a própria virtude e A ética é o reflexo d’alma.

Houve aprovação e desaprovação, como é da natureza humana. A grande maioria,  que também estava incomodada com as desvirtudes processuais,  aplaudiu, aprovou e incendiou as  tentativas de conscientização.   A mínima desaprovação ocorreu por parte de quem tinha sido identificado em conduta desabonadora na relação processual.

Essas experiências deste quase um século de vida na magistratura me mostraram que os desafios cotidianos para  viver na prática as virtudes cardeais não são tão mágicos como podemos pensar filosoficamente. Uma coisa é o mundo ideal projetado pelas virtudes cardeais; outra, é o mundo real, onde nem sempre o terreno é fértil às boas virtudes. 

Porém, e de outro lado, os desafios cotidianos da Justiça animam ao compromisso de honrar a toga com  com a força inabalável  das virtudes cardeais, cujo campo fértil é a  ética e a vocacionalidade à magistratura. 

Em tempo: o aluno do início desta crônica conseguiu seu objetivo:  tornou-se um  Juiz de Direito admirável, que bem cultiva e vive as virtudes cardeais da Justiça. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação. 
 

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