O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

O certo e justo de cada um

Océlio de Morais

No dia 13/12/2023, completei 26 anos de magistratura no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª região.  Para marcar a data especial, fiquei procurando uma palavra para descrever um resultado, como experiências, dessa jornada. E me veio a palavra bolo – não pelo sentido comestível ou pelos diversos formatos que essa guloseima concentra, mas pelo caminho (ou procedimento) adotados para a confecção de um bolo com diversos ingredientes (no processo, valores) da Justiça.

Então, o bolo dos meus 26 anos de magistratura é composto por uma cesta de valores, notadamente aqueles mais  desafiadoramente difíceis, que tiveram que ser corajosamente adotados como necessários aos julgamentos dos  casos concretos submetidos às minhas decisões.

Faço uma revelação ao leitor: quando fui aprovado no concurso público,   minutos depois da prova oral, fui à basílica de Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará expressar a minha gratidão, ocasião em que pedi a Deus duas coisas: um pouco de sabedoria ( tal como a confiada ao rei Salomão), e retidão ética nas decisões para não ser corrompido e nem corromper em razão do poder de decidir e, assim, ser um magistrado justo, ainda que viesse a desagradar os eventualmente injusto e o desonesto. 

De lá para cá, o fardo tem sido cada vez mais pesado, porque  o compromisso ético-cristão e os valores da Justiça – na minha percepção – exigem do magistrado a vigilância permanente acerca de sua conduta profissional, pois  o inescrupulso é como um lobo selvagem – aquele que  não tem suas pretensões atendidas  nas decisões – estará preparando armadilhas contra o magistrado justo.

 E  os meus desafios, inclusive para superar minhas falibilidades, têm sido dois: a busca da verdade em cada processo e, como lógica decorrente, julgar conforme a verdade e com a medida exata de justiça virtuosa, o que tem me levado a outro desafio: não pender propositada e ideologicamente a balança para um dos lados. 

A filósofa brasileira Lúcia Helena Galvão adota por concepção que a verdade significa a libertação das concepções erradas que nos cercam e que às vezes são adotadas como verdadeiras.  Admito a assertiva como verdadeira e, adaptando-a para o âmbito dos processos, pode-se afirmar que, em termos práticos, a verdade fática é o que simplesmente é por inteiro e não apenas a fatia dela extraída ao interesse próprio. A verdade é uma das virtudes da Justiça, tanto que a regra-princípio penaliza a má-fé processual. 

Esses desafios – assim podem ser comparados para a finalidade dessa pensata – como um aprendizado que vai aperfeiçoando a confecção do bolo mais saboroso. Isto é,  vai  possibilitar uma visão mais aprofundada acerca das virtudes da Justiça em cotejo com os valores ou desvalores humanos que os processos judiciais podem revelar. 

Confesso – e aqui não se trata de licença literária  nem  de narrativa impressionista, mas é a honestidade de minha convicção –  que as minhas xícaras de medidas sempre objetivaram a confecção do “bolo” (a decisão) mais certo e do justo possível, cujos principais ingredientes foram e ainda são os valores da Justiça e os valores cristãos.

Da primeira à mais recente sentença – e já são milhares – foi possível perceber que muitos processos judiciais apresentam outras motivações bem distintas do que é certo e do que é justo. Isso designa a condição ontológica de cada pessoa que está no processo.

São aqueles possíveis casos com narrativas que alteram a verdade dos fatos e, a despeito disso, ironicamente sempre invocam a  si “o direito e a justiça”.

As experiências desses anos de magistratura me deram uma certeza: a confecção de um bolo bonito e saboroso (uma decisão judicial certa  justa), para distribuir  a cada um o seu exato pedaço ou o verdadeiro justo – que é o'objetivo de toda decisão virtuosa da Justiça – irremediavelmente é comprometida quando as peças processuais deixam de relatar a verdade dos fatos.

Todo bolo sem o trigo de boa qualidade e sem  a medida certa dos ingredientes resulta da inabilidade do confeiteiro e não agrada aos clientes. 

O confeiteiro inabilidoso não sabe escolher os bons produtos para confecção do bolo da noiva, o qual sempre se espera ser o mais lindo e delicioso.

O mesmo acontece com  a decisão da Justiça, que ontologicamente deve ser certa, isenta e justa, porém, justa não será se os valores Justiça são descartados. 

A receita do ”bolo" deve ser o bom trigo, com incineração do joio... A receita  à decisão judicial certa e justa deve ser  a verdade. 

Esse compromisso ético é obrigatório aos atores do processo, os quais devem se comportar e se comprometer conforme essa  virtude. 

Mas, podem observar em seu sentido mais profundamente teleológico: processos que não relatam a verdade, logicamente são processos que  retiram da  futura decisão judicial a possibilidade da essência do que deve ser plenamente certo e justo.

A verdade fática no âmbito de um processo judicial, interessa primeiro às partes e, como virtude, interessa à Justiça... É esse compromisso ético com a verdade e com a decisão justa que torna o fardo da magistratura incessantemente desafiador é maravilhoso, mas também verdadeiramente pesado, porque a Justiça não deve ser a primeira e nem a última a praticar injustiças. 

Por certo, e logicamente, deve ser a primeira e a última a garantir a decisão judicial certa e justa, mesmo que desagrade qualquer um que possa se utilizar do processo para tentar obter vantagens indevidas. 

Sendo a verdade a principal virtude da Justiça – porque dela depende a decisão certa e justa – posso afirmar que não é (e nem será) possível garantir a certa e a justa decisão judicial, se os ingredientes das xícaras de cada um alterarem os fatos (não separarem o joio e trigo) e se apresentarem valores visivelmente desproporcionais ou desconectados da real (uma espécie de fermento no bolo). 

Neste dia abençoado que registra os meus 26 anos de magistratura, reitero meus dois pedidos a Deus e renovo  compromisso com a verdade como a principal virtude da Justiça para que minhas decisões judiciais sejam guiadas pelos valores da Justiça. 

-----------------------
ATENÇÃO: Em observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Océlio de Morais
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM OCÉLIO DE MORAIS