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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Mártires das virtudes

Océlio de Morais

Toda aquela mínima consciência  da condição efêmera da vida,  aquela que reflete sobre o papel humanista de cada um, possivelmente já se perguntou, diante da crescente corrupção das coisas do mundo:  qual proveito resulta viver as virtudes  e defendê-las?  

Quando o olhar se volta ao passado das vidas de pessoas virtuosas, a resposta imediatamente  primária é a seguinte: ser preso, castigado e morto por apego à virtude não é para qualquer um.  É um ato de extrema sublimação e de despojamento material, que vence o medo em nome de uma nobilíssima causa – aquele tipo de  causa que transcende o âmbito individual e serve de  paradigma (exemplo ou modelo) virtuoso para a humanidade.

A história registra diversos casos reais  – casos que, aos olhos de hoje, é possível compreender melhor a dimensão humana daqueles que morreram em defesa das virtudes.

 Não cuidarei especificamente, mas faço a referência,  dos casos do profeta João Batista (cabeça decapitada e servida numa bandeja para Salomé e à sua mãe, Herodias, por ordem de Herodes), nem dos apóstolos Pedro (crucificado de cabeça para  baixa por ordem do Imperador romano Nero, o  mentor da execução da própria mãe, Agripina Menor);  Paulo (o romando Saulo de Tarso, também decapitado  por ordem de Nero); Bartolomeu (discípulo de Jesus, ensacado com vida e lançado ao mar, morreu afogado), de Lucas  apóstolo de Jesus, pendurado e martirizado numa árvore até morrer); ou de Thomas More (o filósofo decapitado que ainda teve a cabeça exposta por 30 dias na ponte de Londres, por ordem do Rei Henrique VIII,  por se recusar a reconhecê-lo como líder supremo da Igreja Anglicana  e por não reverencia a Ana Bolena) .

Um parêntesis: remeto o leitor também à leitura da crônica filosófica "Thomas More e a Liberdade" (2023: p. 51-54), que integra o meu livro "Liberdade Filosófica" ensaios sobre o humanismo , editora Dialética (SP. Fecho o parêntesis.

Nesta pensata sobre a  nobreza da virtude – os casos referidos são emblemáticos para todo o sempre  –  vou dedicar maior atenção às  mortes de dois  filósofos por autoenvenenamento,  assim condenados porque foram fidedignos aos próprios ensinamentos filosóficos que apregoavam como valor de vida pessoal, às pessoas e às relações sociais daqueles tempos. 

Na Roma antiga existiam dois Senecas: o “Velho” e o “Moço”.  Marco Aneu Sêneca, o “velho” (ano 54 a.C a 39 d.C), foi o orador e retórico, o pai de Sêneca (ano 4 a..C. a 65 d.C) o “Moço”, nascido em Córdoba, e chamado Lúcio Aneu Sêneca.  Essa distinção é oportuna para que não se confundam entre os dois Sênecas qual deles foi condenado  a cometer o suicídio. 

Literato e  filósofo  estóico, Sêneca (o “Moço”) foi o principal conselheiro de Nero – aquele que tornou-se imperador, a partir dos 17 anos,  não por ser filho direto do Imperador Cláudio (Tibério Cláudio César Augusto Germânico) – que  o nomeou sucessor –, mas, sim,  por ser filho de Júlia Agripina Menor, a imperatriz-consorte, bisneta  do Imperador César Augusto, o primeiro imperador Romano.

Como todo poder tem suas  redes e teias perigosas e, também, projeta consequências imprevisíveis, com Sêneca (o “Moço”) não foi diferente.  Sua automorte (suicidio) decorre daquelas redes e teias perigosas  do poder romamo, o poder corrompido por todas as formas e expressões.  

Primeiro,   foi exilado para Córsega – uma espécie de fim de mundo na Roma antiga – acusado de cometer adultério  com  Júlia Lívia, filha do imperador Cláudio. 

 Mas, por influência de Agripina Menor,  foi permitido o seu retorno à  cidade de Roma, a mesma  mulher que o indicou  para exercer o cargo de  principal conselheiro do seu filho, Nero – o sanguinário imperador que, mais tarde,  executou a mãe e um meio-irmão, e outros membros da família,  porque se sentia ameaçado por eles. 

Segundo, veio a condenação à automorte.  Afinal, quem desagrada e desafia o poder não fica impune.  Assim também aconteceu com o filósofo e a esposa. Acusado de conspirar contra o trono de Nero. O imperador, sem provas e sem julgamento, esqueceu as virtudes  e os ensinamentos do ex-mestre e o condenou à automorte  (o suicídio). 

Isso aconteceu  também porque o filósofo  – após a morte do imperador Cláudio –  criticou o autoritarismo deste imperador e  por ter afirmado que ele era rejeitado pelo povo e pelos deuses, conforme relatado na sua  obra  “Transformação em  abóbora do divino Cláudio".

O Senado romano não se insurgiu contra a condenação do filósofo. E Sêneca, na presença de amigos, cortou as veias dos dois pulsos (e a esposa também), e, em seguida, sufocou-se num banho a vapor. Nero, por sua vez, cometeu o suicídio no ano 68 d.C.

Com Sócrates (470 a.C.-399 a.C) –  portanto, bem antes de Sêneca – a morte também foi por suicídio inudzido.

 Mas,  distintamente das causas  do autosuicídio de Sêneca, o filósofo “sábio dos sábios”  não manteve relações com o poder constituído  de sua época.

No livro “Fédon (A imortalidade da Alma)”, Platão narra que Sócrates foi acusado e condenado (também sem provas) de corromper a juventude e profanar os deuses, conforme constava na “Ata de Acusação”: “Sócrates comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas”. 

Como  todos os que se opõem à corrupção do poder são eliminados – assim registra a história como ocorreu com o próprio Jesus – Sócrates também foi eliminado pelo sistema político da época. A condenação do filósofo grego, pela assembleia dos atenienses , foi ao autoenvenenamento. 

O maior filósofo grego de todos os tempos  – narra Platão na obra “Apologia de Sócrates”  – fez a própria defesa na assembleia e acusou  o sofista Mileto de  caluniá-lo e de manipular as informações e para  a assembleia  desacreditá-lo e condená-lo. 

A verdade – ela é identificada  em “Fédon” e em “Apologia” – é que Sócrates, com suas lições  e modos de vida concretamente virtuoso –  ensinava os jovens a não se corromper, condenava a corrupção dos sofistas e do poder ateniense e  afirmava que os deuses não  silenciavam ou não compactuavam com a corrupção dos modos de vida e nem dos líderes do povo.

Sócrates aceitou o resultado da condenação, sem abdicar de suas convicções, tanto que recusou a chance de fuga que o carcereiro – a pedido de amigos e admiradores de Sócrates – havia prometido facilitar. Mas  o filósofo a recusou, justificando que, se fugisse, estaria negando as  virtudes que tanto ensinou e defendeu.  

Sócrates, ainda conforme a obra “Fédon “,  ao ver os amigos chorando por sua causa, pediu que se alegrassem, pois estava compartilhando com eles um “dia bem-aventurado”.  E também pediu em seguida: “tragam logo o veneno, se estiver pronto; senão, cuide de prepará-lo  (...). Vamos, continuou: obedece- me e só faças o que eu digo.”

 Antes de tomar o veneno, conversou alegremente com seus amigos na prisão, perguntou ao carcereiro qual seria a dose necessária para provocar a morte, pediu para tomar banho (a fim de não “dar trabalho às mulheres” para lavar e vestir seu cadáver) e, por último, pediu  um favor ao amigo   para pagar um dívida de um galo com Asclépio.

Ao beber o veneno, que lhe fora entregue por um menino numa taça, Sócrates – e como orientado pelo carcereiro –  deu algumas voltas na sela, sentiu as pernas pesadas, o coração acelerado, falta de ar e sensação de desmaio, finalmente deitou-se, pronunciando as últimas palavras:

- “Critão, exclamou Sócrates, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!”,  narra Platão em Fédon, destacando que  “foram suas últimas palavras”, naquele finalzinho de tarde e início da noite, na  Colina Filopapos, em Atenas, num dia do ano 399 a.C.

Por certo, se tivesse aceitado o plano de fuga, Sócrates teria entrado para a história como um covarde e sua filosofia não teria contribuído para a evolução do pensamento filosófico sobre  as virtudes preciosas do humanismo. 

A história registra a vida dos homens virtuosos como exemplos a serem seguidos, mas também registra a  história daqueles que se corrompem  pelo dinheiro e por tudo o que deste decorre. 

A história perpetua as virtudes, assim como condena à perenidade a história daqueles que se deixaram corromper pelas coisas do mundo.  Na virtude, repousa a tranquilidade da alma livre. Da corrupção das virtudes, se alimenta a mente e o coração corrompidos,  entorpecendo e tornando a   alma prisioneira do próprio veneno.

Encerro esta pensata com um excerto de meu livro “Liberdade filosófica”,  no ensaio intitulado “Sócrates e a Liberdade” (2023, p. 13-15):

“Sócrates levou às últimas consequências a liberdade de escolha ou do livre arbítrio, vinculando às duas regras inerentes à alma ou essência humana: a justiça e a moral, fora das quais não existirá liberdade verdadeira ".

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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