Liberdade individual e liberdade política Océlio de Morais 05.07.22 8h26 Se bem observarmos – o que significa um mínimo esforço para separar a objetividade científica do achismo empírico – a ideia de liberdade adotada na Declaração (francesa) dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789 ) não consiste na completa “emancipação do passado”, notadamente em relação à ideia do dogma religioso, como se propagada ainda hoje nalguma interpretação filosófica do iluminismo. Com isso, quero afirmar que a ideia de liberdade – na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – mantém um princípio religioso, mas inova quando a apresenta como um direito político. Então essa é a minha argumentação básica nesse sucinto ensaio sobre o sentido da liberdade na referida declaração.. Recordemos: filosoficamente conhecido como o "`Século das Luzes” ou o "Século da filosofia” – porque a razão é a fonte da autoridade e da legitimidade em oposição aos dogmas da então Igreja Católica Apostólica Romana – o iluminismo do século XVIII adotou, dentre outros valores humanos, a liberdade, a fraternidade e a tolerância, além da opção política que deu origem ao laicismo do Estado: a separação Estado-Igreja. Pascal Quinard, filósofo francês contemporâneo, relaciona a razão à dinâmica da faculdade de pensar. A concepção deste filósofo francês, desse modo, me permite afirmar que a razão iluminista, como uma faculdade da inteligência, no que à liberdade, à fraternidade e à tolerância religiosa, é haurida na doutrina do direito natural ou jusnaturalismo , cujo pressuposto é a existência de direito divino preexistente e sobreposto ao direito positivo. A liberdade humana, na concepção iluminista, possui um atributo de universalidade precisamente porque é um direito inerente à condição humana sempre válido e exigível em qualquer lugar, em qualquer tempo, em todos os momentos da vida. Na Declaração francesa – ela plantou o ideário “liberté, égalité e fraternité” como direitos universais à revolução francesa do período de 1789 a 1799 e rompeu com o regime monárquico absolutista — são identificáveis os seguintes princípios religiosos e políticos relativos à liberdade. Observe-se que a declaração francesa enuncia direitos positivos (liberdade e igualdade, por exemplo), mas o faz reconhecendo que são “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem e do cidadão”, porque são declarados “na presença e sob os auspícios do Ser Supremo”. Por um modo bem simplificado de dizer: a ideia (a razão) filosófica da liberdade iluminista não prescinde da ideia ou base teológica de que toda autoridade legitimadora do poder terreno emana do Ser Supremo (Deus). Portanto, a liberdade iluminista na referida declaração não sepulta a liberdade como princípio teológico, visto que são reconhecidos “na presença e sob os auspícios do Ser Supremo”. A liberdade, a igualdade e a resistência à opressão, dentre outros, são declarados como “direitos naturais e imprescritíveis do homem” (Art. 2º) precisamente porque as pessoas “nascem e são livres e iguais em direitos” (Art. 1º). Formalmente, elimina-se a ideia estrutural da discriminação da cor e da raça, que possibiliava e justificativa a escravidão no regime anterior à revolução francesa. Todos são iguais no direito de pensar e de expressar opiniões, inclusive política e religiosa, desde que não perturbadoras da ordem pública (Arts. 10º e 11º) A liberdade como “direito natural e imprescritível” quer dizer, que naquele princípio, que é dever da associação política (o Estado) conservá-lo, seja como garantia individual, seja como princípio “felicidade geral” – felicidade geral tomada na acepção da felicidade pública de que trata a declaração da independência americana, a partir das ideias de Thomas Jefferson. Enquanto princípio político a liberdade individual na declaração francesa, não é absoluta, mas limitada pelo princípio ou direito à igualdade. O princípio maior que rege o exercício da liberdade individual é o da não-lestividade ao direito de outrem. É o que consta na primeira parte do Art. 4º: – “A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem”. O segundo princípio é o igual direito garantido ao semelhante, constante na segunda parte do Art. 4º , cujo papel é delimitar , pela Lei, o exercício da liberdade: “(...) assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.” Nesse sentido, a liberdade política é uma liberdade vigiada e contida pela Lei, porque ela “é a expressão da vontade geral.” Da lei decorre a regulação da liberdade. Ela dirá o que pode e que não pode ser feito: “Tudo aquilo que não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.” (Art. 5º). Na concepção da declaração francesa, a Constituição é a garantia do exercício da liberdade enquanto direito natural e enquanto direito político: “- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos (...) não tem Constituição.” (Art. 16º). Em conclusão, penso que restou objetivamente comprovado que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão mantém o princípio teológico como base de reconhecimento dos direitos naturais relativos à liberdade e à igualdade, mas inova ao apresentar a liberdade com a natureza de direito político individual e coletivo. Porém, ainda que, por um lado, seja reconhecida como um direito natural, inalienável e imprescritível na declaração francesa, por outro lado, o exercício da liberdade exige o princípio da igual e respeitosa correspondência de direitos. _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Instagram: oceliojcmoraisescritor Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas oceliodemorais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . 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