Juizes do trabalho são Robin Hood? Océlio de Morais 15.03.22 8h59 A lenda, o leitor a conhece bem: o herói de roupas verdes – com o chapéu de couro verde musgo, adornado com uma pena, botas à moda o “Gato de Botas”, e os inseparáveis arco e flecha – é idolatrado pelos moradores da floresta de Sherwood, em Nottingham, Inglaterra do século XII, na baixa Idade Média, auge do feudalismo econômico, político, social e ideológico. A lenda Robin Hood atravessou séculos com dois estigmas: herói para os refugiados da floresta – porque roubava da nobreza para distribuir aos pobres – mas fora-da-lei aos olhos dos barões do feudalismo. Adoro o tema para essa crônica porque em salas de aulas do curso de Direito já ouvi muitas críticas a juízes trabalhistas, comparados à lenda da floresta de Sherwood – críticas também ouvidas em audiências trabalhistas, onde advogados e certas partes reclamadas se queixam que já entram nos processos trabalhistas como condenados em alguma ou qualquer coisa, mesmo estando, o reclamado, com a razão e com o direito. Até pensei se tais críticas estariam ou não vinculadas àquelas determinadas decisões judiciais que confundem o ativismo judicial com o ativismo político. Na origem, o ativismo judicial é um dever constitucional, porque está atrelado às obrigações de ordem pública – aquele denominado agir de ofício – âmbito no qual as decisões judiciais podem ser adotadas em face de quaisquer das partes. Mas, pode ocorrer o ativismo político, quando a decisão judicial prioriza o idealismo da preferência política em detrimento da verdade real dos fatos e do direito. No idealismo político, é possível que a decisão judicial perca o sentido da balança da Justiça. Mas não cheguei à conclusão se as críticas decorrem do idealismo político nas decisões judiciais. No entanto, confesso que essas críticas me incomodam. E me incomodam por uma questão de princípio de Justiça real e por uma questão de dever legal: observar e fazer cumprir as leis. Primeiro, do ponto de vista da ideia de Justiça é inimaginável – mesmo no âmbito de um processo trabalhista – que a presunção da verdade sempre esteja com o reclamante e a presunção da violação do direito sempre recaia sobre a parte reclamada. É inconcebível que, por isso, o reclamado já seja previamente considerado culpado e condenado – independentemente de suas versões e provas – no processo trabalhista. Deve ser emocionalmente desestabilizadora a sensação de pensar que já se “entra” obrigado a pagar algum valor pelo simples fato de ter sido incluído como reclamado num processo trabalhista. Segundo, porque, quando a Justiça do Trabalho é interpretada – e tem muita gente que assim o faz – como a “Justiça do trabalhador”, acaba colaborando para legitimar a desconfortável ideia de que juízes trabalhistas não são imparciais. Provavelmente por isso, uns e outros magistrados trabalhistas acabam sendo comparados a uma espécie de Robin Hood do nosso tempo, assim, como se fossem “justiceiros”, que tiram do mais favorecido economicamente para dar ao reclamante, tido como o menos favorecido. A diferença - dizem as críticas – é que no caso do "Príncipe dos ladrões”, à força eram saqueados bens e riquezas dos barões feudais e, às vezes, sob o veneno da morte das flechadas que nunca erravam o alvo; enquanto que o dito “juiz-Robin Hood”, com a força da toga, “usa a lei para sempre dar razão ao trabalhador”. Para a imagem do magistrado, na minha percepção, isso não é bom, porque é ofensivo à ideia de Justiça real, à medida que as balizas ao julgamento de qualquer causa trabalhista devem ser a verdade real e o direito. Para descobrir a verdade real e assegurar o direito (a quem o pertença, qualquer que seja sua qualificação como parte), o magistrado precisa ser isento de qualquer parcialidade. Robin Hood era notoriamente parcial. Magistrados devem ser imparciais. Logo, juízes trabalhistas não podem ser comparados ao lendário Robin Hood, até mesmo porque aquele “espírito aventureiro” das emboscadas da floresta de Sherwood, com o seu bando (João Pequeno e Frei Tuck, dentre eles) não é paradigma ao “espírito de Justiça” do magistrado. O “espírito de Justiça” do magistrado não se compara com "espírito justiceiro” de lenda inglesa. Robin Hood tem arco e flecha como arma ameaçadora. Juízes do Trabalho têm a balança da Justiça como ideia de prover o direito a quem o pertença. Não é por acaso que a balança é um dos símbolos da Justiça. Ela representa a medida de equilíbrio e a venda, nos olhos da deusa grega Themis chama a atenção para o fato de que a Justiça e seus juízes devem ser imparciais, qualquer que seja a natureza da causa submetida ao seu julgamento. A Justiça do Trabalho não é – essa é a minha percepção – a Justiça do trabalhador, mas é a Justiça que nasceu vocacionalmente social, na Constituição de 1934 “para dirimir questões entre empregadores e empregados”. Por outras palavras: é uma Justiça social porque lhe compete conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, ainda, as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho. Ao desempenho dessa missão, juízes do trabalho não são e não podem ser Hobin Hood. Mas devem ser a segurança jurídica para solucionar os conflitos trabalhistas com isenção e imparcialidade. _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação. Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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