CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Como Sartre concebe a liberdade

Océlio de Morais

Dentro da série “Humanismo – breve ensaios filosóficos sobre a liberdade”, que venho pesquisando e escrevendo, este é dedicado à liberdade no pensamento de um filósofo francês,  que  um dia disse que a condição humana está condenada à liberdade. Precisamente nas suas palavras: “O homem está condenado a ser livre".

Seu pensamento filosófico sobre a liberdade percorre o absoluto e o concreto, porque  tinha por base o concretismo existencial humano, à medida que é a razão consciente que escolhe e define as possibilidades daquilo  que a pessoa pode ser – ideia que se opõe à predestinação da concepção religiosa. 

Para esse filósofo, a livre possibilidade da escolha  é a condição (natural, existencial) da liberdade humana.

Assim o meio acadêmico o conhece: Jean-Paul Sartre,  o "símbolo do intelectual engajado”, o filósofo que expandiu a ideia de que “o existencialismo é um humanismo”, a partir de uma palestra que fez em 1946  intitulada “L'existentialisme est un humanisme”;  mas,  depois que se rendeu às ideias do seu compatriota e  premiado filósofo francês Gabriel Marcel, considerado já em 1940 como defensor do “existencialismo cristão”,  baseado na meditação da experiência humana, cuja reflexão busca explicar os dilemas da existência.

Porém, a filosofia existencialista dos dois é bem distinta: Gabriel Marcel – opositor às ideias do denominado  do  "socratismo cristão" – adotou o “existencialismo cristão” nas perspectivas da liberdade e da intersubjetividade, à  luz da fé, da esperança, da paz e do equilíbrio.  

Por outro lado, Sartre – adepto do ateísmo, do comunismo e do marxismo – procurou explicar a experiência humana a partir da própria existência do indivíduo, e não da sua essência, porque a existência precede à essência,  por uma simples razão:  o homem primeiro existe e somente depois se define enquanto pessoa, conforme defendia Sartre.

O existencialismo concretista sartriano é encontrado nos livros “O ser e o nada” (1943), "O existencialismo é um humanismo" (1946),  “Crítica da razão dialética” (1960). Diversas bibliográficas sobre Sartre relatam que,  pelo conjunto da obra, no ano de 1964, ele  ganhou o Prêmio Nobel de Literatura da Academia Sueca, mas o recusou, justificando publicamente que ''nenhum escritor pode ser transformado em instituição”. 

Aquela recusa à premiação é interpretada como um exemplo da liberdade de escolha inerente ao indivíduo. 

A liberdade concreta,  em Sartre, o realça uma dualidade humana: a existência e a essência: “a existência precede à essência”, disse o filósofo,  exaltando a liberdade individual do ser humano, considerada  como ponto de partida à definição do que a pessoa  será e do que fará (da própria vida). 

Para ele, as instituições da sociedade nascem, se desenvolvem, se mantêm ou se dissolvem  em decorrência  das possibilidades de escolhas dos indivíduos, conforme a gama de interesses dos indivíduos. 

Por certa medida, a ideia de liberdade individual, em Sartre, tem raízes na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Essa Declaração reconheceu que o homem possui direitos "naturais e imprescritíveis", dentre outros, a liberdade – “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos (art. 1º) – e  legou à humanidade o ideal de âmbito universal à liberdade, à igualdade e à fraternidade.

A ideia de que “a existência precede à essência” é uma concepção filosófica também existente no direito natural, base das três condições essenciais à vida humana, por isso, indissociáveis: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. 

  Mas  ao considerar que o  existencialismo  é incompatível com a ideia de que a pessoa possui  “uma função pré-definida”, Sartre afasta a concepção de liberdade como um direito “sagrado” do homem.

O filósofo francês pensou a liberdade individual associada à responsabilidade, considerando que, pelos resultados das escolhas, o homem que é livre também é  “responsável por tudo que está à sua volta”.

“Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro”, escreveu na trilogia “Caminhos da Liberdade”, composta pelos livros-romances “A idade da razão” (1945), “Sursis” (1947) e “Com a morte na alma” (1949).

Interpreta-se que o princípio da responsabilidade,  que pode ser identificado a partir da concepção  de que a pessoa é  responsável por tudo que está à sua volta, projeta a seguinte ideia: a responsabilidade impõe limites às escolhas, porém, pela condição de sermos livres,  a liberdade individual é tomada no sentido ontológico da existência da pessoa.  

A liberdade é um princípio de escolha responsável por toda a existência, porque, na filosofia sartriana, a pessoa em si, é responsável por todas suas decisões. 

Nisso  reside o sentido da liberdade abstrata e absoluta, o que leva à explicação de que a autonomia de escolha é limitada  pelas capacidades físicas da pessoa; contudo, também pode representar um estímulo para que a liberdade se torne realizável e concreta na vida prática. 

Por outras palavras: a liberdade de escolha está alinhada à liberdade de superação, na perspectiva de que as limitações físicas também motivam e estimulam o indivíduo a superar seus limites. 

Então, em Sartre, a liberdade como  ideário abstrato, não se confunde como ideia divina, mas é explicada pela condição existencial da pessoa ser livre  e como resultado da  conquista.  Por essa concepção, a liberdade é um direito natural (atrelado à existência ontologicamente livre), mas também é uma conquista que vai se aprimorando pelas escolhas responsáveis.

As percepções sobre a liberdade abstrata e sobre a liberdade concreta definem o “homem histórico" sartriano – aquele Ser ontológico que busca encontrar, fazer e conquistar alguma coisa  de sentido (para si) durante a existência e, assim, é  entendido conjuntamente pela natureza de Ser (abstrato e absoluto) e pela realidade (concreta e envolvente). É  nessa dual liberdade (abstrata e concreta) que a pessoa  está “condenada” (atrelada) “a ser livre”. 

 A expressão “condenado a ser livre” quer designar que o “Ser em si é o que é” –  termo também utilizado por Sartre  no livro “O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica” (1943)  para explicar a liberdade –   isto é,  simultaneamente, a pessoa guarda em si a condição abstrata e absoluta de ser livre por sua própria natureza e, por isso, a  liberdade natural “não pode negar-se a si mesma”. 

E ainda porque somente com a morte do indivíduo a liberdade de ser livre desaparece. A Ideia de liberdade abstrata e absoluta – enquanto perdurar a existência – é a mesma que a Declaração francesa adotou quando qualificou a liberdade como um direito natural e imprescritível, isto é, a liberdade é um inato direito existencial e, nesta qualidade, é “imprescritível”, porque adere  ao indivíduo até a morte. 

A semelhança conceitual  – entre a liberdade como direito natural e imprescritível da Declaração francesa e a liberdade abstrata e absoluta na filosofia sartriana – leva-me  à seguinte afirmação: a liberdade em Sartre, não obstante procure explicá-la à luz da ontologia variável do Ser,  adota raízes do direito natural, mas avança em relação aquela quando , na perspectiva filosófica, pensa  a liberdade como uma qualidade, um valor ou um princípio inerente à vida e para toda a existência humana.  

Nesse particular – da liberdade  individual como uma qualidade, um bem, um valor, um princípio  inato da pessoa humana –  comungo com o filósofo francês.  Penso que a liberdade amplifica a dimensão humana. 

No entanto – entre o “concretismo existencialista” atrelado  à razão na filosofia de Sartre sobre a liberdade e o  “existencialismo cristão” sobre a  liberdade na filosofia de  Gabriel Marcel – penso que o “existencialismo cristão” se apresenta mais completo para explicar sentido existencial da liberdade humana. 

E por quê? Porque  o “existencialismo cristão” explica a intersubjetividade  (os dilemas e desafios humanos)  da pessoa  também à luz da fé e da esperança – virtudes teologais inerentes à espiritualidade das centenas de milhões  de pessoas  que crêem na liberdade espiritual e religiosa como um objetivo bem superior ao concretismo  do existencialismo sartriano.

Mas algo essencial do pensamento de Sartre sobre a liberdade precisa deve ser resgatado  com urgência para a vida concreta: a  liberdade natural “não pode negar-se a si mesma”. E concluo: E os órgãos de Estado devem respeitá-la como condição amplificadora da realização humana. 

_______________

ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação..

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Océlio de Morais
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM OCÉLIO DE MORAIS