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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Água e Justiça

Océlio de Morais

O Homem Simples e o Homem das Leis voltaram a se encontrar.  Foram juntos, com as respectivas famílias, para a cabana do Homem Simples — na verdade, uma cabana bem rústica,  construída à beira de um igarapé de águas límpidas e transparentes – igarapé que nasce do olho d'água no pé de uma cachoeira no seio da floresta.

Eles se encontraram também para conversar sobre o coração sábio e ético da Justiça. 

A amizade que os unia já permitia o diálogo sobre qualquer assunto, sem melindres ou constrangimento.  Já se tornara um tipo de amizade confessional, na mesma dimensão da amizade que muito bem pode ser enquadrada na questão transcendental aristotélica da alma única — aquela que habita dois corpos, enaltecida pelo filósofo, na obra “Ética a Nicômaco”, ao discorrer sobre as duas virtudes da alma (as relativas ao caráter e as inerentes ao intelecto) e sobre a amizade como uma disposição de caráter:

– “(...) o melhor amigo de um homem é aquele que lhe deseja bem por ele mesmo (..)” porque, conforme dissemos, foi a partir desta relação que todas as características da amizade se estenderam aos nossos semelhantes, E isto é confirmado pelos provérbios, a amizade  como "uma só;   os amigos possuem todas as coisas em comum, amizade é igualdade (...). A amizade é uma disposição de caráter.”

É disso que advém a máxima aristotélica sobre a amizade como princípio de alma única: “A amizade é uma alma que habita em dois corpos” ou “um coração que habita em duas almas”. 

Um parêntesis: Na época de Aristóteles (385 a.C – 322 a.C, 62 anos) ainda não havia a Bíblia como reunião de livros sagrados.  Os provérbios de Salomão que abordam o tema da amizade virtuosa distam o período entre 1.100 a.C a  100 a.C, por exemplo:

–  Provérbio 17,1 (“O amigo ama em todos os momentos; é um irmão na adversidade.”); Provérbio 13,20  (“O primeiro valor de uma amizade é a sinceridade);  Provérbio 3: 13-18 (“Amigo, você é abençoado quando se encontra com a sanedoria, quando faz a amizade com a sabedoria, pois os caminhos da sabedoria são belos e traz uma paz maravilhosamente completa”); Provérbio 4, 20-22  (Amigo, ouça bem as minhas palavras. (..) Guarde na mente e no coração. Quem encontra essas palavras vive de verdade: eles são saudáveis de corpo e alma”). Fecho o parêntesis. Volto ao tema da pensata.

Enquanto as crianças brincavam na parte rasa do igarapé, sob o olhar atento das mães, o Homem Simples chamou a atenção do homem das Leis. 

– Veja como essa água é clara e transparente. E ela sempre corre na mesma direção, reta ou sinuosa, até se transformar num riacho, depois num grande rio e até se misturar às águas do mar, disse o Homem Simples.

E a continuou em sua breve reflexão:

– Por todo o seu curso, a água leva nutrientes aos peixes, vai regando suas margens e garantindo a vida a quem dela depende: homens, animais e vegetação. Ela não é apenas útil, mas, antes, é essencial à sobrevivência de todas as espécies de vida na terra.

E arrematou:

– Límpida e transparente, útil e essencial como a água deste maravilhoso igarapé, assim penso que sempre deveria ser o coração ético e sábio da Justiça justa – aquele tipo de Justiça como virtude completa, naquele sentido preconizado por Aristóteles, quando disse na mesma obra:  a Justiça é a virtude mais completa que pode existir.

O Homem das Leis, acostumado a ouvir comentários positivos e negativos sobre a Justiça, gostou da comparação, também comentando que a Justiça é tão necessária ao ser humano, quanto a água é substancial para a vida. 

E complementou: contudo, assim como a água clara e transparente vai sofrendo interferências dos húmus (aquela substância orgânica e negra) por toda a sua trajetória até se misturar ao mar, quando então perde toda a sua característica, assim também a Justiça pode ser contaminada, em sua transparência, pelos desvios éticos que possam lhe assaltar. 

Então, o Homem Simples perguntou ao Homem das Leis: Qual o maior compromisso ético nas suas decisões judiciais? , ao que respondeu o Homem das Leis:

— Ser transparente, pois é na transparência da decisão que repousam a serenidade de minha consciência na arte de julgar e o princípio da Justiça justa, aquele princípio relativo à primazia ética da decisão.

O Homem Simples pensou por alguns segundos e fez outra pergunta ao Homem das Leis, no sentido complementar à primeira, mas agora para que dissesse o que considerava ou definia como Justiça justa em termos práticos. 

Recebendo a palavra, o Homem das leis respondeu:

— Por Justiça entenda-se a decisão isenta de quaisquer desvios éticos, aquela que, por si, passa a seguinte mensagem realista e positiva para a sociedade: o parâmetro legal da Justiça ao julgamento é o pertencimento do direito para aquele que o faz jus, indistintamente de quem faça parte do processo e da respectiva decisão. 

Então, o Homem Simples —  depois de lembrar que Aristóteles também disse que “ninguém chamaria de justo o que não se compraz em agir com justiça” — voltou a perguntar: mas, se a decisão final não se compraz conforme o princípio Justiça justa, o que restaria ao injustiçado fazer?

Também recorrendo à lição de Aristóteles, o Homem das Leis lembrou que a questão está relacionada à virtude daquele que pratica o ato justo ou injusto: “pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos”, afirmou, reproduzindo o ensinamento do filósofo grego.

E acrescentou: isso é o que pode ocorrer em qualquer tomada de decisão humana, seja no âmbito da Justiça ou nas relações cotidianas entre as pessoas.

Pelo que dizes, quando a questão se refere à Justiça justa, o povo estaria diante do coração ético da Justiça?, indagou o Homem Simples.

O homem das Leis concordou, mas ponderou que, filosoficamente a Justiça, em si, personifica o ideário ético, muito embora – por ser integrada de pessoas falíveis – esse princípio  de ordem ético-moral está sempre sob condição de vulnerabilidade, face aos possíveis desvios do caráter daquele que detém o poder da decisão ou daquele que corrompe o coração ético da justiça.

E continuou: é precisamente no desvio da finalidade virtuosa do coração sábio e ético da Justiça que a decisão vai resultar numa injustiça; enquanto que aquele que age de acordo com a consciência ética, certamente  estará praticando a Justiça justa, acrescentou o homem das leis, fazendo ainda o seguinte comentário:

– É como o igarapé, que perde a característica quando se transforma num riacho e num grande rio até desaguar no mar: aquela água límpida e transparente deixa de existir, muito embora  continue sendo indispensável à vida na terra, assim também é a Justiça – mesmo estando vulnerável aos desvios ércio – nunca deixará de ser essencial à sociedade.

O homem Simples interveio, fazendo uma espécie de elegia livre:

– E assim como a água límpida e transparente na sua origem pode ser comparada à pureza, à simplicidade e à inocência da criança, assim também pode simbolizar a Justiça como virtude completa, pois ambas (água e Justiça) estão para a existência humana assim como Sol separa o dia da noite e as estrelas dão colorido aos Céus noturnos, complementou o homem simples.

O Sol desapareceu por entre as copas das árvores e as primeiras estrelas começaram a brilhar nos céus. O tempo passou rápido com uma conversa agradável, sem que os dois amigos percebessem.

Mas, eles já marcaram um novo encontro para falar sobre a simplicidade e sobre a vaidade.

_________________________
ATENÇÃO: Em observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: @oceliojcmoraisescritor

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