CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A indelével lição da amizade canina

Océlio de Morais

Um dia desses, era um domingo de sol aberto e céu azul celeste reluzente.  Fui fazer uma caminhada na praça Batista Campos em Belém do Pará – que já foi  Largo da Salvaterra e Praça Sergipe , um conjunto arquitetônico e paisagístico desde 1897 à moda clássica-romântica francesa – e parei um pouco para observar algumas espécies de raças de cães (grandes e pequenos) que corriam, se enrolavam na grama e brincavam uns com outros. Ali pensei: eis uma verdadeira celebração da amizade canina. 

Então, me lembrei dos cães de minha infância: o “Tupã”, um  Pastor da Mantiqueira,  parecido com um lobo selvagem de pele cinza, o  “Rex”, um cão malhado nas cores branca e avermelhada, da raça dogue brasileiro,  a "Fofóia", uma cadela vira-lata, e a  “Suzete” era uma Pequinês. 

O “Tupã” e o “Rex” foram meus companheiros da infância  nas colônias do Jacaré e do Ypiranga, lá em Monte Alegre, época de colono e árduo trabalho infantil  de sol a sol nos roçados da família.  Naquele tempo, era assim mesmo: solidariamente, todos da família trabalhavam, mas, claro, à medida de suas forças e  habilidades.  A “Fofóia" e a  “Suzete” eram de estimação do início da adolescência, já na cidade, sendo que a “Fofóia” era uma parideira de alta fertilidade, enquanto que a “Suzete” era um mimo da família.

Todos eles constituíram aquilo que a minha memória infantil e adolescente convencionou chamar de  meus cães, minhas amizades caninas. E quando vi aqueles cães brincando na praça, fiquei pensando: as espécies semelhantes realmente se atraem e quando colocam suas semelhanças para fins comuns, brincam e se sentem bem. Ali, era a liberdade animal expressada no  lazer animal.  

Continuei pensando e  então fiz uma analogia com  os semelhantes humanos, que se atraem e comungam ideais alinhavados pelos bons costumes e bons princípios, terrenos férteis à amizade honesta e fraterna. E, de outro lado, os semelhantes que se atraem e comungam objetivos ocultos e não confessáveis, geralmente são destruidores dos bons valores. 

Cães adestrados e domésticos se tornam os melhores guardiães-amigos dos seus donos ou cuidadores. Tornam-se, assim, membros da família. E  como membros da família são tratados.  São especialmente fiéis até a morte. Não atacam  a família humana que os acolheram; mas, ao  contrário, se expõem ao risco, defendendo-a  quando percebem que a família está sob perigo.

O “Rex” foi, com toda certeza, o meu melhor amigo canino. Comigo, ia para o roçado, onde minha tarefa era  espantar as graúnas que iam comer arroz ou porcos que fuçavam a plantação de mandioca e melancia no roçado.  

Ao “Rex”, devo a vida; Ele me salvou de morrer afogado num riacho de forte correnteza. Estava dando uma soneca –  era  o início de uma tarde abafada e calorenta do verão amazônico, naquele roçado da localidade Jacaré –  sobre um galho ou “braço” de uma árvore que projetava sobre o riacho. Caí  e o meu amigo canino pulou atrás, resgatando-me, puxando-me pelo velho calção roçeiro para a beira do riacho.  A amizade canina é assim mesmo: é instintiva porque, embora irracional,  mas pela convivência contínua, ganha contornos de afeição, uma espécie de relação especialmente protetiva.   

A amiazade entre pessoas não depende do adestramento ou domesticação, mas da opção (da liberdade de escolha) inerente à inteligência humana. A amizade humana, racional e seletiva, decorre da liberdade de escolha: amizade honesta ou amizade interesseira.

 É verdade – mas, infelizmente – que pessoas até podem ser manipuladas (ideologicamente) e, assim, podem se tornar adestradas, sem poder de reação às manipulações das consciências e dos ideários que as personificam. 

Pessoas dominadas pelas manipulações das consciências perdem o sentido sincero da amizade e em tudo (ou em quase tudo) veem ameaças aos seus espaços e às suas pretensões. Vítimas, perdem também a referência de si mesmas.  E, com isso, perdem a perspetiva do sentido sincero da amizade.

 Manipuladores das consciências constroem narrativas de que – sob a sua proteção – os manipulados terão a proteção necessária.  Na realidade, neste tipo de “amizade” adestrada, não existe amizade sincera, mas uma dominação do semelhante, o que significa, em última observação, a manipulação da liberdade do outro. 

Vou  afirmar, com a devida licença cultural, que a amizade sincera pode ser tida como a fiel amizade canina.  Nem o tempo – que tem o poder de transformar a natureza das coisas –  é capaz de transformar a amizade canina (amizade sincera) em inimizade, salvo se o sentimento humano não for e nunca tenha sido honesto;  porém,  se manipulado pelos interesses das conveniências ocultas e  não confessáveis daquelas que maculam  a alma pura da amizade. 

A amizade sincera, com o passar do tempo, vai se tornando cada vez mais fiel como a marca peculiar do companheirismo  canino e tão especialmente  indelével como um excelente vinho envelhecido para brindar a vida. A amizade sincera exige reciprocidade de bons  princípios e valores. O tempo afaga e premia a natureza da  amizade honesta.  

A amizade interesseira, ao revés, tem sua natureza  volúvel e autofágica revelada pelo tempo. E seus efeitos nocivos são insanáveis.  O  tempo não apaga da alma as dores do infortúnio de uma amizade interesseira. 

______________
ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Océlio de Morais
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM OCÉLIO DE MORAIS