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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A impermeabilidade da venda da Justiça

Océlio de Morais

Uma vez por mês, faço uma consulta  ao supercomputador “worldometer” para obter dados confiáveis sobre o crescimento da população mundial, sua economia e seu desenvolvimento social, minuto a minuto. 

Numa dessas consultas, admirado com o fantástico número de seres humanos, fiquei pensando nos bilhões de esperanças depositadas nos sistemas de Justiça espalhados pelo mundo para resolver conflitos, sempre desafiados a se submeter aos ditames da imparcialidade dos fatos e da justeza às decisões

Todos sabem: os pensamentos nos levam (sem restrições ou barreiras) onde queremos e lá ficamos o tempo que desejarmos. Então, meus pensamentos viajaram à antiguidade greco-romana e aos tempos de Jesus para buscar princípios de Justiça na Bíblia Sagrada.

Sem nenhuma dúvida –  qualquer um com o mínimo de interesse  pode conferir essa verdade – a Bíblia é cheia de princípios de Justiça. Vou abordar dois deles, que estão em Salmos (82:2) e em João (7:24), duas raízes jus-teológicas que reputo ser a origem remotíssima do princípio da imparcialidade e da decisão judicial justa – princípios que são a alma e o coração da Justiça.

Minha argumentação básica, neste sucinto ensaio teológico-filosófico sobre a plena liberdade do justo, é a seguinte: a imparcialidade da Justiça é o pressuposto inarredável para a garantia da plena liberdade do justo nas decisões judiciais.

Sobre o princípio da decisão justa,  Salmos (82:2) questiona o desvirtuamento da Justiça que prefere os ímpios – aqueles que desprezam valores da religião e das leis – em detrimento dos justos:  “Até quando dareis sentenças injustas, favorecendo os ímpios?”.

 Na contemporaneidade, o ímpio pode ser identificado como alguém que desvirtua ou corrompe valores e  princípios da moralidade pública, ignorando as leis.  O justo, nos tempos de Jesus, designava aquele  que observava e vivia conforme os mandamentos de Deus, comportava-se de acordo com as leis e respeitava os bons costumes do povo.

E é em face daqueles ímpios (homens injustos e corruptos) e em face dos subornos da Justiça que o profeta Isaías (5:21,23) foi implacável ao advertir  pessoas e  juízes de seu tempo: “Ai dos que são sábios aos seus próprios olhos e inteligentes em sua própria opinião! (...) Ai dos que absolvem o ímpio mediante suborno e negam ao inocente a sua justiça!”.  

O profeta Isaías, antes de se converter à missão,  corajosamente reconheceu ser “um homem de lábios impuros” (Isaías, 6:5) . Ele viveu entre os séculos 8 e 7 antes de Cristo.

Em João (7:24) – assim interpreto – está a raiz bíblica da venda da Justiça (aquela faixa de pano que cobre os olhos) quanto ao julgamento pela baliza do que é certo e do que é justo, e não pelas aparências: “Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos". 

Abro um Parêntesis: sobre os símbolos da Justiça, sugiro a leitura de dois breves ensaios filosóficos – “A  razão da lei e da Justiça e “A balança da Justiça e a Lei”  – no meu livro de crônicas filosóficas-teológicas,  editado pela Dialética neste ano de 2022. Fecho o parêntesis e retomo o objeto desse ensaio em forma de crônica.

Por certo, o princípio  bíblico de não julgar pelas aparências – que é transcendental  – condensa, principalmente,  o código moral para as relações diárias, evitando-se os preconceitos e discriminações – código moral que expande seus valores aos princípios da arte  real de julgar. 

Vejam-se dois exemplos: um, na parábola de Jesus sobre a hipocrisia, reportada por Lucas (6:39-42): “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho de teu irmão”.  E, outro,  no  relato de Tiago (4:11-12): “Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu irmão ou julga o seu irmão fala contra a Lei e a julga.(...) . Mas quem é você para julgar o seu próximo?”

 Além do código moral próprio e necessário ao cotidiano das relações interpessoais,  a venda da Justiça também incorpora a ideia de que a balança define o que é certo e assegura o justo, sem distinguir pelas aparências advindas da riqueza ou do poder entre quem busca  a Justiça. E também incorpora a ideia de que a venda nos olhos, na prática, seja a barreira contra julgamento pelas aparências, o qual pode levar às injustiças.

Na última pesquisa que fiz no site   “worldometer” – quando o cronômetro registrava  o extraordinário número de  8,005,636,9999 de seres humanos vivos – pensei nos bilhões de pensamentos que fervilham nas mentes e ecoavam em palavras pelas correntes magnéticas por todo o Planeta.  Mas também pensei nos bilhões de problemas que existem e nos bilhões de esperanças respectivas que alimentam a vida de cada ser humano.

E imaginei algumas cenas: uma delas, os bilhões de pensamentos, a cada segundo incessante,   rogando  que a  venda da Justiça – conta-se que a venda foi adotada a partir do Século XVI pelos alemães  para indicar a imparcialidade e a ausência de preconceitos – realmente represente a sensível arte de julgar pelas balizas das virtudes que a inspiram.

Também imaginei outra cena: os bilhões de pensamentos, que – insatisfeitos com a Justiça – queriam tirar a venda dos seus olhos para que, por um instante de segundo impactante, ela  tivesse o choque da realidade e pudesse  enxergar a verdade e ouvir o balbuciar daquelas bilhões de mentes, corações e bocas verbalizando o princípio inafastável da  “plena liberdade do justo”, cuja origem está  em Provérbios (17:15): “Há duas injustiças que o Senhor abomina: que o inocente seja condenado e que o culpado seja colocado em plena liberdade como justo”. Eis aqui a matriz do princípio ético-teológico da presunção da inocência. 

Aqueles bilhões de pensamentos com as respectivas esperanças depositadas na  impermeabilidade da venda dos olhos da Justiça – se somados aos mesmos anseios de todos os seres humanos que faleceram sem gozar o prazer do princípio inafastável da “plena liberdade do justo” – levam à seguinte conclusão lógica: a Justiça sempre foi vista como a última e segura esperança de que o ímpio não  e nunca pode  prevalecer sobre o justo. Isso representa que a Justiça deve ser, serenamente, a responsável por decisões justas.

Então, eis outra conclusão lógica:  a venda da Justiça existe porque deve eleger o princípio de que a verdade real dos fatos deve ser observada pela lente das virtudes, o que – em última perspectiva – quer passar a mensagem de que o julgamento sempre deverá ser imparcial para, conclusivamente, ser justo. 

Da venda impermeável da Justiça depende a realização das esperanças dos bilhões de pensamentos humanos que desejam viver concretamente o  inarredável princípio fundamental da “plena liberdade do justo”.

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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