CARLOS FERREIRA

Jornalista, radialista e sociólogo. Começou a carreira em Castanhal (PA), em 1981, e fluiu para Belém no rádio, impresso e televisão, sempre na área esportiva. É autor do livro "Pisando na Bola", obra de irreverências casuais do jornalismo. Ganhador do prêmio Bola de Ouro (2004) pelo destaque no jornalismo esportivo brasileiro. | ferreiraliberal@yahoo.com.br

"Secador" do Pará pra todo o país

Carlos Ferreira

Onde e quando você acha que surgiu a expressão "secador" no futebol? O jornalista André Laurent buscou a confirmação de uma suspeita. A constatação foi que a figura do "secador" surgiu no Pará, efeito do enorme sucesso do Paysandu no início dos anos 2000, quando conquistou Série B e Copa dos Campeões, além do sucesso na Libertadores. Foi, portanto, em alusão aos remistas, incomodados pela fase áurea do Papão.
Diz André Laurent, como conclusão de sua pesquisa, que "no regionalismo amazônico, 'secar' tem outra raiz, outro peso cultural, outro campo semântico". A origem é a expressão popular "seca pimenteira", o mau-olhado, a vibração contrária. Como explica o historiador Aldrin Figueiredo, da UFPA, “secar” significa tirar a seiva, tirar o ânimo, tirar o viço. É o mau-olhado amazônico. Quando tu secas alguém, tu miras para que ele perca força, erre, não alcance o sucesso que busca. É uma expressão moldada pela cultura, pelos saberes tradicionais e pela simbologia da floresta.

A expressão distorcida 

Como o Remo agora, o Paysandu era notícia frequente em todo o país. E as referências a "secadores" (remistas) logo foram associadas em outras regiões ao aparelho de secar cabelo. O verbo tratado como substantivo.
O acesso do Remo à Série A coloca os bicolores na posição de "secadores" e revigora essa expressão tão amazônica, sobretudo nas redes sociais. Aqui na região, é o olhar de seca pimenteira. Onde a expressão segue distorcida, é o acionamento do aparelho de secar cabelo. Assim, a rivalidade Leão x Papão vai expressando para o país e para o mundo peculiaridades da cultura regional.

BAIXINHAS

* A Feira do Ver-o-Peso é uma síntese da cultura paraense, especialmente nas barracas das erveiras. Diz dona Miraci que a inveja tem “olho de seca pimenteira”: basta a pessoa invejosa elogiar tua casa, tuas plantas, tua roupa… no outro dia, a pimenteira está seca, morta”. É o imaginário popular da Amazônia, vivo, concreto e cheio de significado. Mais ainda no universo do futebol. 
* Na centenária rivalidade entre azulinos e bicolores, "secar" o rival pode ser tão prazeroso ou frustrante quanto torcer pelo próprio time. Isso é muito forte no Pará! Vale a emoção que esse envolvimento proporciona, com a mesma crendice que alimenta inúmeras superstições no comportamento de torcedores em todas as regiões do planeta. 
* Se há ou não há energia efetiva no ato de "secar", se dá ou não dá resultado, isso fica por conta de cada um. Afinal, torcedor apaixonado dispensa a razão. Vale o que convém. E se é conveniente acreditar no poder da secação, que siga o jogo. Ou melhor, que venha a rica temporada 2026. 
* É atribuída ao técnico Cuca a superstição contra marcha ré do ônibus com a delegação que ele esteja no comando, porque daria azar. Zagalo tinha o 13 como número da sorte e levava muito a sério. Muitos jogadores fazem questão de entrar em campo pisando com o pé direito. 
* Entre torcedores é comum a escolha de um objeto para se apegar. Pode ser a camisa usada na última grande glória, um terço, um boneco ou um acessório... Seja qual for a escolha do supersticioso, estará sempre junto para trazer sorte ao time do coração. Esse é o seu caso ou não? 
* Na pior fase do Remo, em 2013, quando ficou fora até da Série D pela terceira vez, a erveira Beth Cheirosinha, figura icônica do Ver-o-Peso, esteve no estádio Baenão para melhorar as energias no templo do futebol azulino. O fato gerou os mais diversos comentários na irreverência dos torcedores do próprio Remo e mais ainda do Paysandu.
* Em última análise, o episódio foi cultural, folclórico, comportamento muito próprio do mundo do futebol. O ritual expressou e reforçou a cultura regional à medida que obteve cobertura da mídia e grande repercussão. É o mesmo caso, agora, das informações e reflexões sobre a origem e o significado de "secador" no futebolês. 








 

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