Auto do Círio 2024: pela 1ª vez, cortejo será dirigido apenas por mulheres
Edição deste ano reafirma o protagonismo feminino e a luta por mais espaço e respeito nas artes e na sociedade

Em mais de 30 anos de história, o Auto do Círio, cortejo dramático realizado na sexta-feira antevéspera do Círio de Nazaré, terá em 2024 a primeira edição sob uma liderança inteiramente feminina, refletindo a luta por mais representatividade e reconhecimento das mulheres nas artes e na cultura. Essa mudança de perspectiva não apenas destaca a capacidade criativa feminina, mas também se conecta diretamente com o tema do Auto deste ano: “Bendita és tu, Mãe Terra: Nossa Senhora de todas as lutas”.
Acompanhe a transmissão do Círio 2024 ao vivo.
Inês Ribeiro, diretora geral do Auto e responsável pela direção cênica, está envolvida com o evento desde 1993, inicialmente como plateia e, depois, como artista. Ela ressalta que o convite para assumir a direção geral veio em 2023, enquanto ministrava um curso em Paris. Desde então, decidiu ampliar a presença feminina na liderança do espetáculo. “A experiência foi cheia de todos os desafios e críticas que uma mulher sofre quando assume uma função de direção em qualquer espaço”, conta Inês. Este ano, ela decidiu compartilhar a direção com professoras e artistas da Universidade Federal do Pará (UFPA), abrangendo teatro, dança, música e cenografia. Para Inês, essa coordenação feminina representa “um passo vital: pensar o papel da mulher na cultura e na arte da cidade”.
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A decisão de uma coordenação inteiramente feminina também traz mudanças perceptíveis na concepção artística do Auto do Círio. Inês destaca que o espetáculo ganha uma nova energia com essa junção de forças femininas.
“As pessoas perceberão que quando mulheres se reúnem com suas diferentes potências – dança, teatro, música, cenografia, figurino, maquiagem – elas atingem a criação de uma grande obra de arte”, afirma.
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Ela vê essa sinergia como uma forma de vencer o paradigma que limita o papel das mulheres em espaços de poder criativo, desmistificando a ideia de que elas só se reúnem para “falar de futilidades”.
Para Ana Flávia Mendes, professora da Escola de Teatro e Dança da UFPA e coreógrafa com mais de 20 anos de envolvimento no Auto do Círio, a coordenação feminina é um marco importante. “É uma grande honra compor esta equipe de mulheres-artistas e colocar de pé este espetáculo-cortejo, que é um dos projetos de extensão em artes de grande visibilidade para a UFPA”, afirma. Além de ser um momento de celebração de Nossa Senhora de Nazaré, o Auto também reflete a integração entre arte, ciência e fé, uma tríade sagrada que, segundo Ana Flávia, a move em sua trajetória profissional e pessoal.
Ana Flávia acredita que a sensibilidade feminina é um ponto forte da nova coordenação e que a união dessas mulheres pode promover transformações significativas. Ela destaca que o Auto deste ano funcionará como um eco às vozes que lutam pela visibilidade das mulheres e pela equidade de direitos. “A junção de várias mulheres em um mesmo propósito é capaz de promover importantes transformações”, enfatiza. Para ela, o espetáculo é uma oportunidade de dar visibilidade à luta feminina e de criar um espaço de resistência contra as estruturas patriarcais que sustentam a desigualdade social.
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O tema do Auto do Círio 2024, “Bendita és tu, Mãe Terra: Nossa Senhora de todas as lutas”, dialoga diretamente com a urgência das questões ambientais e sociais, especialmente no que diz respeito às mulheres. Inês Ribeiro ressalta a conexão entre a Terra e as mulheres: “A Terra nos promove possibilidades de vida pelo ar, água, terra. As mulheres têm possibilidades de gestar a vida”. Ela vê o tema como um chamado para que Nossa Senhora inspire a força necessária para lutar tanto pela preservação do planeta quanto pelos direitos das mulheres.
Ana Flávia complementa essa visão, destacando que a luta das mulheres não se restringe apenas ao universo feminino, mas a toda a estrutura social imposta pelo patriarcado. “Há tempos o ser humano vem demonstrando dificuldade para se ver como natureza, como bicho, como matéria orgânica integrada ao todo”, afirma. Ela alerta para o fato de que essa desconexão é um mecanismo estratégico de controle que afeta não só a preservação do meio ambiente, mas também os direitos das mulheres, especialmente as mais vulneráveis.
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