Belém 408 anos: belenenses falam da relação de carinho com praças Batista Campos e da República

Áreas verdes foram idealizadas por Antônio Lemos para dar uma nova cara e sanear a cidade, no início do século XX

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

Antônio Lemos, quando intendente de Belém (cargo correspondente ao atual prefeito), foi responsável por várias intervenções urbanísticas, que buscavam aproximar a cidade, em estética e progresso, dos grandes centros europeus. Entre elas, estão duas praças que são cartões-postais da capital paraense: Batista Campos e da República.

VEJA MAIS

image Belém 408 anos: Áreas de lazer proporcionam bem-estar à população e dão nova cara à capital
Espaços como Porto Futuro e Boulevard da Gastronomia aumentam qualidade de vida e impulsionam turismo; novas opções estão em construção

image Belém 408 anos: De espécie asiática, mangueiras e seus túneis se tornaram a cara de Belém
Árvores foram plantadas em larga escala nas ruas da cidade durante a gestão de Antônio Lemos

image Estrangeiros se encantam por povo e culinária de Belém e adotam a cidade como sua
Acolhimento e calor humano da população belenense são enfatizados por estrangeiros de várias nacionalidades

Ambas se inseriam no projeto de Lemos de criar áreas verdes aos moldes das praças, jardins e parques parisienses e tornar Belém a “Paris n’América”. O projeto, além de estético, também pretendia ser uma ação higienizadora, criando espaços salubres e de contato com a natureza. Por isso, ele criou o Serviço de Bosques, Jardins e Hortos Municipais. 

“O moderno e o civilizado em termos espaciais, nesse momento, se identificavam com a construção de praças, arborização de vias, construção de novos edifícios em arquitetura eclética, mercados públicos para o controle da qualidade e quantidade de comida abastecida. Esse conjunto de obras se pautam na postura política higienista justificada pela ciência de sanitaristas como Saturnino de Brito. Diante disso, constroem-se as diversas praças, como a Praça da República e a Praça Batista Campos, como uma das maneiras de combater os miasmas, elementos que, se acreditava na época, eram responsáveis pela transmissão de doenças”, explica George Lima, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. 

Batista Campos

A Praça Batista Campos, antes de Lemos, era apenas um terreno com um canteiro central, inicialmente chamado de Largo da Salvaterra - em alusão ao nome de sua proprietária -, e, posteriormente Praça Sergipe - em referência à província recém-criada no Nordeste. 

Lemos iniciou sua reforma em 1901, inserindo as características atuais: coretos, cursos d’água, jardins, pontes, bancos e uma pequena torre de castelo de inspiração medieval. Foi inaugurada em 1904, levando o nome de um dos principais personagens da Cabanagem

image Prestes a receber a COP 30, Belém tem desafios para se tornar uma cidade mais sustentável
Especialistas apontam necessidade de investimentos em educação ambiental e em infraestrutura urbana, como saneamento e gestão do lixo

image Belém 408 anos: população recebe Palácio Antônio Lemos restaurado no aniversário da capital paraense
Prédio construído durante o período áureo da borracha leva o nome de um dos mais importantes intendentes que Belém já teve

“O paisagismo eclético, com caminhos meandrantes românticos, ruínas e o Pavilhão 1° de Dezembro, converge com a divisão em quatro quadrantes de orientação paisagística racionalizante francesa”, destaca Lima sobre a praça.

O espaço foi tombado pelo Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Cultural do Pará em 1983 e desde 1987 conta com a Associação dos Amigos da Praça Batista Campos, que ajuda a preservá-la. 

image Janari Vieira caminha e encontra com amigos diariamente na Praça Batista Campos (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

O aposentado José Olímpio é o atual presidente dessa associação. Ele explica que ela foi criada por um grupo de amigos que utilizam o espaço para o bem-estar, realizando exercícios físicos e contemplação. “Nós percebemos que, se a gente juntasse mais pessoas, teríamos condições de contribuir com o poder público para ajudar a manter a praça, para não deixar depredar, educar as pessoas. E o que temos feito desde a criação da associação”, conta Olímpio.

Ele cita algumas ações de destaque do coletivo, como a doação de madeira para reforma do mobiliário da praça e a realização do concurso da barraca de coco mais limpa. “No concurso, eram dez critérios simples, mas que ajudavam a manter a limpeza da praça. Foi interessante porque o presidente da associação dos barraqueiros disse que ia participar e falar com todos os colegas para também participarem, porque, se a praça ficasse limpa, mais pessoas iriam até ela e mais coco ele venderia”, relata. 

image Belém 408 anos: Espaços de lazer e convivência contribuem para embelezar e humanizar a cidade
Conhecidos como parklets, esses espaços são uma extensão da calçada e são feitos de material não permanente - ou seja, de modo que podem ser removidos do local

image Belém 408 anos: Grupo Liberal lança documentário sobre vida e obra de Antônio Lemos
Nas gravações, foram ouvidos urbanistas, historiadores e operários da reforma do Palácio que leva o nome de um dos mais importantes gestores que Belém já teve

Ao falar sobre a praça, Olímpio diz que é um caso de amor. “Caminho na Batista Campos há 37 anos. Isso traz essa aproximação, que a gente enxerga a praça como um item de pertencimento, que deveria ser de pertencimento de cada cidadão de Belém”, opina. “É uma das praças mais bonitas não só de Belém, mas do país”, arremata.

O também aposentado Janari Vieira caminha diariamente na praça. Ele ressalta que é um espaço não apenas para cuidar da saúde, mas também para socialização. “O que eu acho mais bacana é a pós caminhada, que a gente senta no banco e faz aquela resenha, fala das nossas vidas”, se diverte. “Já estive em praticamente todas as capitais e vi várias praças, e digo que a Batista Campos é a mais bonita que nós temos no país”, afirma.

image Said Trindade é um dos vendedores de coco mais antigos da Praça Batista Campos (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

Said Trindade vende coco no local há 35 anos e é um dos barraqueiros mais antigos. Começou com um carrinho de mão, dormindo na praça mesmo, e hoje tem carro, apartamento nas redondezas e uma família. Inclusive, conheceu a esposa na praça. “O pai dela tinha um carro de lanche aqui perto. Foi como a conheci, estamos juntos há 22 anos e temos dois filhos. Ela trabalha aqui também. Essa praça, para mim, significa tudo. Foi ela que me deu tudo, não penso em sair daqui”, explica.

República

Originalmente, a Praça da República era apenas um descampado, chamado Largo da Campina. Após surtos de doenças contagiosas como varíola e cólera, durante o século XVIII, o local se tornou um cemitério, onde eram enterradas pessoas das camadas populares. Após a desativação do cemitério, o espaço passou a abrigar um armazém de pólvora, o que lhe rendeu o nome de Largo da Pólvora. Na época do Império, recebeu o nome de Praça D. Pedro II. 

image Belém antes e depois: fotojornalista registra modificações ocorridas na capital ao longo do tempo
Ray Nonato reúne no projeto 'Belém da Memória' antigas e novas fotografias da capital paraense

Até então, tinha recebido algumas poucas intervenções urbanísticas. Apenas com a inauguração do Theatro da Paz, em 1878, durante o período da Belle Époque paraense, a praça começou a ser urbanizada e valorizada.

image Praça da República abriga Monumento à República, Theatro da Paz e Teatro Waldemar Henrique (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

“É interessante destacar a Praça da República como verdadeiro lugar de modernidade, quando se iniciam obras que buscam tornar esse logradouro símbolo do que a elite dominante enxergava como moderno. Assim, foram construídos o Theatro da Paz, reconhecidamente réplica do Scala de Milão, e os pavilhões em ferro fundido adquiridos em catálogos com as forjas inglesas e francesas, aliadas à outros equipamentos públicos como bancos, balizadores, calçamento em pedras portuguesas e arborização e ajardinamento. A sucessão de práticas de modernização resultou no atual conjunto paisagístico repleto de objetos arquitetônicos de estilos distintos, como o clássico estilo imperial do Theatro da Paz e o Art Nouveau do Pavilhão de Música Santa Helena Magno”, esclarece George Lima, que estuda a história da arquitetura belenense no século XX.

O nome atual da praça veio ao fim de 1889, em referência ao novo regime recém-implantado no país e substituindo o nome alusivo ao antigo imperador. O movimento de mudança de nomes, apagando os que faziam relação com a monarquia, atingiu vários outros logradouros de Belém. 

Em 1890, foi lançada a pedra fundamental do que seria a construção mais central da praça: o Monumento à República, inaugurado em 1897. Com 20 metros de altura e feito em mármore e bronze, o monumento tem como figura central, em seu topo, Marianne, personificação da República francesa

A partir deste mesmo ano, sob a gestão de Antônio Lemos, um novo projeto urbanístico foi promovido pelo intendente, definindo os traçados e boa parte das estruturas encontradas até hoje.

image Ana Cláudia Souza, moradora do município de Bonito, costuma frequentar a Praça da República quando vem a Belém (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

Atualmente, a praça é local de passeio, de feirinha aos domingos e ponto de encontro de manifestações políticas e culturais. Por sua história e beleza, por abrigar o Theatro do Paz e pela proximidade com o Ver-o-Peso, é um importante espaço turístico da cidade.

Ana Claudia Souza é agente comunitária no município de Bonito. Ela conta que, sempre que vem à capital, costuma passear na Praça da República. “Sempre que eu venho a Belém, gosto de vir na praça, tomar uma água de coco. Estava agora no comércio e lá estava muito quente. Chegando aqui, o clima muda completamente. É bem arborizado, arejado, um espaço muito agradável”, opina.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Belém Pra Ver e Sentir
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!