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Paulo Chaves: 'devemos é levar nosso país e o Pará a um futuro venturoso'

Há cinco anos, véspera da entrega do Parque do Utinga, ele fazia um resumo de seu legado para Belém. Reveja entrevista

Lázaro Magalhães
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Há quase cinco anos, em novembro de 2016, a Agência Pará publicou uma entrevista com o arquiteto Paulo Chaves Fernandes num momento crucial de sua trajetória na Secretaria de Cultura no Estado (Secult) - seguramente a mais longeva de que se tem notícia, à frente de uma pasta de Estado no Pará -, que com ele ganhou grandes e questionáveis poderes e contornos estratégicos em sucessivos governos.

Aquele foi um ano decisivo para que a reabertura da visitação do público à nova e revitalizada estrutura da área ambiental do Parque do Utinga acontecesse finalmente, em 2017, após R$ 36 milhões investidos pelo Estado. E também marcava uma conjunção rara de efemérides, que resumiam os anos de esforço à frente da secretaria de cultura: eram então completados os 20 anos da Feira Amazônica do Livro, os 20 anos da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, e os 15 anos do Festival de Ópera.

Naquele dia de novembro, o autor do novo projeto para a área ambiental caminhava sob o sol. Checava últimos detalhes das obras atrasadas. Dava ralhos no canteiro. A forte Secult de Paulo Chaves era a responsável pela nova estruturação do Parque do Utinga. E se levantavam na paisagem as primeiras estruturas que hoje bem conhecemos. Sobre uma terra batida, lá estavam a parte do projeto do pórtico, do centro de recepção aos visitantes, e do estacionamento de 500 lugares. Depois viriam auditório, banheiros e um café, além de 4,5 quilômetros de pistas para os passeios entre as matas, e seus outros equipamentos de lazer.

Logo na entrada do canteiro de obras do Utinga, o pórtico acessado pela avenida João Paulo II iniciava um roteiro que resumia o que representava uma obra de Paulo Chaves dentro de um projeto de governo. “Aqui, um dia, este espaço poderá dar lugar a uma edição do Festival de Ópera. Imagine Aída [ópera de Giuseppe Verdi] encenada com este cenário”, sorria o arquiteto no espaço de acolhimento aos visitantes, também já quase concluído. Logo atrás, a moldura das árvores do parque ambiental.

Paulo Chaves Fernandes erguia os braços no ar ao falar do novo Utinga. Se referia ao que via adiante, mas mirava além, e parecia mesmo é ter às mãos uma batuta imaginária, para uma sinfonia inusitada de motores, serras tico-tico, martelos, furadeiras e algazarras de trabalhadores. E ao mirar o quase concluído pórtico de entrada do novo Parque Ambiental do Utinga, resumia: “Mimetiza-se com a paisagem. São formas que vemos na mata”.

Reproduzimos, então, parte da entrevista que o arquiteto, falecido nesta quarta (17), após lutar contra problemas no coração, cedeu à Agência Pará naquele novembro. Nela, Paulo Chaves resume parte de seu trabalho - e dá impressões sobre o que ficava como legado para Belém. Confira:

Quem entra na obra do Parque do Utinga, logo se vê a frondosa árvore que mudou o desenho original do projeto. Qual a importância dessa nova frente de trabalho?

A preocupação com a sustentabilidade, com a necessidade da economia se desenvolver e também se preservar os recursos que por vezes nem são mais renováveis, como é o caso da floresta, tem sido a tônica de nosso governo. Procurei me adequar a isso: foi preciso ocupar espaços degradados e jamais interferir em espaços que precisam ser preservados, por vários motivos. No caso do Parque do Utinga, para proteger os mananciais que abastecem Belém. O norte sempre foi esse. A Estação das Docas é um exemplo: eram galpões metálicos cinzas, numa área com meio quilômetro de extensão, em lugar privilegiado da cidade, que estavam servindo apenas de depósito.

“Procurei me adequar a isso: ocupar espaços degradados e jamais interferir em espaços que precisam ser preservados, por vários motivos. A Estação das Docas é um exemplo: eram galpões metálicos cinzas, numa área com meio quilômetro de extensão, em lugar privilegiado da cidade, que estavam servindo apenas de depósito”

Como esse esforço se liga a esse novo projeto para o Utinga?

Retomar narrativa da memória da cidade foi fazer com que o paraense retomasse, ao saber de sua história, o orgulho de ser paraense e habitar essa cidade. Isso cria uma energia especial no alterego das pessoas. Para mim, isso tudo também é sustentabilidade. É a sustentação de uma memória que muitas vezes você perde e não pode recuperar. Não é só a natureza que você não recupera. O Grande Hotel, a Fábrica da Palmeira, também não se recuperam mais. Estão perdidos para sempre. Nosso trabalho foi nesse sentido. Porque, dentro da sustentabilidade, além de se preservar a memória, a natureza e o edifício de pedra e cal, houve um interesse de se sensibilizar a população e aproveitar o que às vezes parece imprestável. É o caso do Hangar, que há anos estava inservível para a Aeronáutica, e virou um dos melhores centros de convenções do País.

image Hangar: antiga estrutura da Aeronáutica transformada em centro de convenções (Cristino Martins)

Na edição da Feira Pan Amazônica do livro deste ano, o senhor citou os 20 anos da feira, os 20 anos da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz e os 15 anos do Festival de Ópera, completados esse ano. E citou Herbert Marcuse e Fernando Pessoa. Disse que é preciso contagiar as pessoas com sonhos, que a utopia é transformação...

A utopia é o que poderia estar no lugar do que aí está. Ela não significa apenas o devaneio e a fantasia, embora tenha um componente disso, pois há que se ter um pouco de loucura para que as coisas aconteçam, e para se acreditar no que parece impossível. Mas a utopia não é a impossibilidade. É a transformação. É o que está te acenando do futuro como bússola.

“Retomar narrativa da memória da cidade foi fazer com que o paraense retomasse, ao saber de sua história, o orgulho de ser paraense e habitar essa cidade. Isso cria uma energia especial no alterego das pessoas. Para mim, isso tudo também é sustentabilidade. É a sustentação de uma memória que muitas vezes você perde e não pode recuperar. Não é só a natureza que você não recupera”

O senhor esteve envolvido em projetos de recuperação do patrimônio, na abertura de novos espaços culturais e de apoio à infraestrutura turística de Belém, como a Estação das Docas, o Mangal das Garças, o Complexo Feliz Lusitânia, o polo São José Liberto, o Parque Residência e a Estação Gasômetro, o Hangar Centro de Convenções e outros. O senhor se sente redesenhando o futuro da cidade?

Eu seria hipócrita de dissesse que não, mas acho que é ainda um desenho pequeno diante da dimensão das necessidades. Se cada governador tivesse feito pelo menos um Mangal das Garças, o desenho da orla da cidade seria outro. No Utinga, teremos um parque que poucas cidades têm, a pouquíssimos quilômetros do centro da cidade, com um potencial e uma riqueza ecológica extraordinários. E não será feito só para bicicleta e corredor. Será uma aula de ecologia. Para levar escolas, meninos serão nosso amanhã.

No novo Parque do Utinga, a avenida João Paulo II, que cruzará o parque, está atenta ao impactos à área verde...

Os governos dos quais eu participei, intensamente, não trabalharam por porções, por impulsos. Eles trabalharam com essa ideia de como será daqui a 20 anos, daqui a 30 anos. Planejou-se uma visão de intervenção onde preocupações com a sustentabilidade tiveram sempre um norte. Quando um governo tem conceito, fica mais fácil você fazer seu trabalho.

Como o senhor avalia tudo isso que já foi feito? E como vê o que ainda virá?

Não tenho arrependimentos. Errar, é claro que possivelmente erramos, principalmente num tempo tão longo. São duas décadas, e evidentemente algumas prioridades podem ter sido deixadas pelo caminho. O importante é que trabalhamos para passar com dez. 

“Eu seria hipócrita de dissesse que não [me sinto refazendo o desenho da cidade de Belém], mas acho que é ainda um desenho pequeno diante da dimensão das necessidades. Se cada governador tivesse feito pelo menos um Mangal das Garças, o desenho da orla da cidade seria outro”

O turismo traz essa possibilidade, de vislumbramos um futuro para uma Belém não tão dura, não é mesmo?

O turismo é consequência, não é causa. É a consequência de o povo gostar de si mesmo e de sua cidade. Se os espaços da cidade são abraçados pelo seu próprio povo, isso, o turismo, vem naturalmente.

image Parque do Utinga: após revitalização, veio a reabertura, em 2017 (Fernando Araújo / Agência Pará)

E qual é o balanço que o senhor faz hoje de sua experiência enquanto gestor de cultura?

Quando entrei na secretaria de cultura, o primeiro cuidado foi acabar com algo que se fazia aqui, que era transformar a cultura em uma espécie de balcão de negócios. As pessoas sentavam e pediam dinheiro para o cordão de pássaro, para publicar o livro de poesia... Se você era apaniguado do governo, facilitava. Trabalhamos para mudar isso. Criamos a Lei Semear, proposta por mim e aprovada na Assembleia Legislativa. Isso transformou parte dos recursos do Estado, através dos incentivos fiscais, em projetos culturais aprovados por mérito. Isso incentivou projetos mais bem elaborados, avaliados e fiscalizados. Imagine: o presidente da minha primeira comissão que selecionava e escolhia os projetos era Benedito Nunes. Não precisa dizer mais nada, não?

Nada mais justo para também distribuir os recursos de forma mais adequada...

A direção foi a de adotar os recursos que eram possíveis para prioridades, para salvar o que era importante, como o Waldemar Henrique, o Theatro da Paz... Lá fizemos uma reforma que só foi feita desta maneira no governo Augusto Montenegro. Foi a segunda maior do teatro.

Os que criticam sua atuação na Secult o chamam de elitista e afirmam que o senhor privilegia projetos que só favorecem a expressão erudita...

O Festival de Ópera trouxe alma ao Theatro da Paz. De que adianta restaurar um teatro como esse, que foi construído para abrigar óperas, e não termos isso?  Por que não? Da mesma forma foi a criação da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz. Tenho muito orgulho dela.

O senhor mesmo várias vezes já declarou que é contrário à uma divisão tão acirrada entre expressões populares e eruditas...

Não há limites tão rigorosos entre o que é popular e erudito. Não deveríamos perder tempo com essas bobagens. As óperas de Verdi eram cantaroladas e assoviadas pelas ruas da Itália, pelos empregados, pequenos artesões. Aqui, o legado musical de Waldemar Henrique é um exemplo, assim como o próprio Festival de Ópera. A cidade exige. O teatro lota todos os anos, com muita gente nova. Os ingressos se esgotam.

image Theatro da Paz: joia exigia restauração e um Festival de Ópera (Wagner Santana / Agência Pará)

“É como eu digo: em vez de perdermos tempo com bobagens, com essa cisão entre popular e erudito, devemos é nos preocupar em levar nosso país e o Pará para um futuro venturoso”

Como está o projeto para a recuperação do Teatro São Cristóvão?

Nos prometeram, pelo Ministério da Cultura, e fecharam isso em acordo com o governador, uma verba de R$ 8 milhões. Nós, o governo do Estado, entraríamos com mais R$ 4 milhões. O dinheiro nunca veio. Agora vamos ver como ficará. O projeto está detalhado e pronto. É um memorial da história dos pássaros juninos, que tinham ali uma sede. E atrás haverá um teatro moderníssimo, voltado sobretudo à cultura mais popular. 

E que projetos ainda estão por vir?

Há o projeto para o Cemitério Soledade e o Palacete Faciola, projetado para ser sede do Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado do Pará (Dphac) e do Museu da Imagem e do Som. E ainda temos o teatro e escola de música de Bragança. Depois do Theatro da Paz, é o mais bonito teatro do Pará. Será um espaço para toda a Região do Salgado, que é muito musical. É o berço do carimbó, da nossa marujada, e de grandes músicos. É como eu digo: em vez de perdermos tempo com bobagens, com essa cisão entre popular e erudito, devemos é nos preocupar em levar nosso país e o Pará para um futuro venturoso.

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