O cuidado que atravessa gerações: como preservar livros e documentos antigos
No Pará, bibliotecas como a Arthur Viana, no Centur, abrigam preciosidades históricas que resistem ao tempo graças ao trabalho contínuo de conservação. Técnicas simples de limpeza e armazenamento também podem ser aplicadas em casa para prolongar a vida útil dos livros.

Manusear um jornal de 1822 como quem segura um pedaço da história do Pará. Esse é o tipo de experiência que pesquisadores, estudantes e curiosos têm ao visitar a Biblioteca Arthur Viana, no Centro Cultural Tancredo Neves (Centur), em Belém. Guardiã de milhares de obras raras, edições históricas e coleções únicas, a biblioteca desenvolve um trabalho delicado e constante para preservar documentos que contam a trajetória da Amazônia e do Brasil.
Segundo a bibliotecária Simone Matos Moreira, que coordena os Processos Técnicos da biblioteca, a maior ameaça a esse acervo não vem apenas do tempo ou da umidade, mas, principalmente, do próprio ser humano. “O que mais agride o material é o manuseio. Eles riscam, rasgam, dobram. Às vezes, a pessoa não tem consciência de que está mexendo com um documento que talvez só exista aqui”, afirma.
A biblioteca abriga coleções que não estão disponíveis em nenhum outro lugar do mundo, como edições raras do jornal Estado do Pará, além de obras com mais de 200 anos, ainda em bom estado graças à fibra de linho usada na confecção do papel na época. “Esse jornal de 1822 está melhor do que um de 1980”, diz Simone.
Embora o termo "restauração" seja frequentemente usado de forma genérica, Simone faz questão de esclarecer: “Nós não restauramos. Para restaurar, é preciso um laboratório, produtos químicos específicos, papel japonês, e profissionais especializados. O que fazemos é a conservação preventiva e a higienização”.
Esse cuidado envolve ações como oxigenação dos jornais e livros raros, que acontece duas vezes por ano. “Nosso clima é extremamente úmido. Se o material fica meses sem ser manuseado, ele corre o risco de colar, mofar ou ficar quebradiço. Então abrimos, folheamos, espanamos e colocamos ar entre as páginas”, explica.
Outro procedimento comum é o reparo manual com cola específica, além do armazenamento em caixas apropriadas. “Mesmo acondicionado, de seis em seis meses ele precisa ser oxigenado”, reforça a bibliotecária.
Para os jornais, o cuidado é ainda mais minucioso, já que o papel jornal moderno, feito com fibras de celulose, é mais frágil e perecível. “A gente orienta o pesquisador a não se debruçar sobre o jornal, não trazer alimentos ou bebidas para perto, e a usar os materiais com delicadeza”, afirma Simone. Essas orientações são repassadas também nas oficinas periódicas que a biblioteca oferece à comunidade e a instituições de ensino.
Do papel ao digital: a tecnologia como aliada
Com o avanço da tecnologia, a digitalização tem se tornado uma ferramenta essencial para democratizar o acesso sem comprometer os originais. Para Simone, no entanto, o foco ainda é a preservação física do acervo. “O digital dá acesso rápido, mas o nosso ideal é preservar o material original. Só o físico tem o valor documental completo”, defende.
Esse cuidado se justifica: a biblioteca já enfrentou perdas significativas. “Temos um período da Segunda Guerra Mundial que está extremamente deteriorado. As pessoas cortaram, rasgaram, levaram páginas. Se não tivéssemos preservado um exemplar, não teríamos como digitalizar hoje”, relata.
Com equipamentos próprios, a biblioteca digitaliza obras sob demanda, especialmente quando não há microfilmagem disponível. “Se você vem aqui pesquisar e não tem o material físico liberado, nós digitalizamos e entregamos. Essa é nossa missão: garantir o acesso, mas também preservar para as próximas gerações”, conclui.
O acervo da Biblioteca Arthur Viana é considerado um dos mais ricos da região Norte. Coleções como a “Coleção Amazônia” ficam em salas com acesso restrito, protegidas inclusive durante eventos para evitar que crianças ou visitantes descuidados toquem nos documentos.
A dedicação da equipe, aliada à conscientização da população, é o que garante que esses livros e jornais continuem atravessando gerações. “Esse acervo é a história do Pará. Ele só vai continuar existindo se todos cuidarem. O livro pode até ser seu, mas a memória contida nele pertence a todos nós”, finaliza Simone.
Conservação doméstica: dicas práticas
Higienização
Limpe as capas e lombadas com pano seco ou levemente úmido (nunca encharcado).
Evite produtos de limpeza comuns, prefira escovas de cerdas macias.
️ Ambiente
Guarde os livros em local ventilado, longe da luz solar direta.
Evite prateleiras encostadas em paredes úmidas.
Use sachês de sílica gel para controlar a umidade.
Manuseio
Sempre lave e seque bem as mãos antes de tocar nos livros.
Não force a abertura total do livro para evitar danos à lombada.
Evite marcar páginas dobrando-as — use marcadores.
Armazenamento
Organize livros em pé, com espaçamento para ventilação.
Se guardar em caixas, use papel livre de ácido.
Para livros antigos ou frágeis, use capas protetoras de TNT.
Evite
Comer ou beber perto dos livros.
Usar fitas adesivas ou grampos para reparar páginas, procure soluções apropriadas.
Deixar livros em locais abafados, como sacos plásticos fechados.
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