Dia Nacional de Atenção à Dislexia reforça importância do diagnóstico precoce e do apoio especializa
Tratamento para dislexia envolve equipe multiprofissional para desenvolver capacidades
A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica que afeta diretamente habilidades linguísticas essenciais. No Dia Nacional de Atenção à Dislexia, celebrado neste domingo (16), especialistas reforçam a importância desse olhar atento desde a infância. “A intervenção é fundamental para que o indivíduo consiga manejar as demandas clínicas e educacionais de maneira eficiente”, orienta a fonoaudióloga paraense Christiane Menezes.
De acordo com a especialista, o transtorno compromete sobretudo a leitura e escrita. “Na leitura, o indivíduo pode apresentar comprometimentos na fluência, na decodificação e na compreensão. Isso resulta em uma leitura lentificada, muitas vezes sem uso adequado de pontuação ou acentuação, o que prejudica o entendimento do texto”, explica.
Na escrita, Christiane detalha que as alterações ortográficas são marcantes e persistentes: “O indivíduo pode confundir grafemas parecidos, como P, B, D e Q, ou fonemas que têm sonoridade parecida, como P e B, T e D, F e V. Também há dificuldades com C cedilha, SS, C, X, CH, J e G. Além disso, podem surgir problemas no uso adequado de pontuação e acentuação, afetando a clareza da escrita.”
Segundo ela, embora a maior parte das avaliações aconteça na infância, um número crescente de adultos tem descoberto a dislexia tardiamente, muitas vezes após anos de dificuldades acadêmicas não compreendidas.
A neuropsicóloga Márcia Wilma de Araújo detalha que a dislexia é o transtorno do neurodesenvolvimento. As pessoas já nascem com esse transtorno que dificulta a leitura e a escrita, associados a dificuldade de nomeação e a memorização de sequências. “Essas dificuldades vão além da idade esperada. Eu não posso considerar uma criança dislexa se ela ainda está no processo de alfabetização. Se a criança tem 7 anos, eu posso identificar sinais de que ela é um pouco mais lenta, tem mais dificuldade de nomeação, mas não posso dar o diagnóstico de dislexia por causa disso”, enfatiza.
O diagnóstico e a avaliação deve ser multiprofissional. A neuropsicologia ajuda a analisar as características dos pacientes para diferenciar a dislexia de outros transtornos, que também podem causar problemas de aprendizagem parecidos. “Precisa do fonoaudiólogo, do psicopedagogo, do professor de sala de aula, porque ele percebe essa dificuldade, ele vai descrever para a gente. Para nós aplicarmos testes, precisamos de um relato sobre essa criança do professor”, falou.
Um dos aspectos importantes na avaliação neuropsicológica é que são desenvolvidas formas para as crianças aprenderem com estratégias conjuntas. “A dislexia não inviabiliza o aprendizado. A criança devido um funcionamento específico do cérebro como funciona, não aprende de forma automática. Ele não tem uma automatização da leitura. Palavras que ele não vê usualmente, ele vai tender a não lembrar, mas ele vai aprender. Por isso que para o diagnóstico, a capacidade intelectual tem que estar preservada, porque no geral são crianças muito inteligentes”, destacou.
Sinais de alerta e a importância de buscar avaliação
Os sinais podem variar conforme a idade, mas Christiane chama atenção para indícios comuns que não devem ser ignorados: “Trocas persistentes na escrita, leitura lenta ou silabada, dificuldade de compreender o que leu, desinteresse por atividades de leitura e frustração intensa em sala de aula são sinais importantes. Muitas crianças sofrem julgamentos injustos de preguiça ou falta de esforço, quando na verdade precisam de suporte especializado.”
A especialista reforça que identificar precocemente evita que a criança avance nos anos escolares acumulando dificuldades e impactos emocionais.
Tratamento e intervenção: por que o fonoaudiólogo é essencial
O tratamento da dislexia é contínuo e exige acompanhamento sistemático. Christiane é categórica: “Não há intervenção na dislexia sem a presença do fonoaudiólogo. Trabalhamos leitura, escrita, habilidades de consciência fonológica e funções executivas, fundamentais para a aquisição da linguagem escrita.”
O trabalho, segundo ela, precisa envolver escola e família: “Fazemos visitas escolares, acompanhamento do desempenho e orientações específicas para professores e familiares. Não adianta a criança estar em terapia se não houver apoio pedagógico e familiar.”
Ela destaca também que protocolos específicos e validados já fazem parte das rotinas clínicas, tanto para avaliação quanto para intervenção. “Com intervenção precoce e contínua, a evolução tende a ser muito positiva. O indivíduo pode alcançar autonomia leitora, melhorar significativamente a escrita e desenvolver autoconfiança, o que impacta diretamente a vida acadêmica e profissional.”
Apesar disso, Christiane lembra que a dislexia não tem cura, mas tem tratamento eficaz: “A intervenção é fundamental para que o indivíduo consiga manejar as demandas clínicas e educacionais de forma eficiente.”
Os desafios de quem convive com a dislexia
A rotina de quem convive com a dislexia desde cedo também revela os desafios e adaptações necessárias ao longo da vida. A professora e auxiliar de contabilidade Pollyana Martins, 37 anos, de Belém, foi diagnosticada entre os 8 e 9 anos, após uma ação realizada na escola onde estudava. Ela lembra que as dificuldades já eram perceptíveis na leitura e na escrita. “Eu invertia muito na sequência das letras, siglas e números. Sempre fiz grupos de estudo, o que foi muito efetivo para mim. Na escola e na faculdade, funcionava muito bem.”
Ela relata que sempre teve bom desempenho nas respostas orais, mas enfrentava dificuldades nas provas: “Eu sempre respondia as perguntas orais corretamente, mas na prova não era a mesma coisa. Trocava letras, números grandes, relia a mesma linha sem perceber.”
Sem acompanhamento pedagógico consistente na época, Pollyana recorreu a estratégias próprias: “Eu aprendo melhor com estudo ativo. Uso aplicativos que leem PDF, prefiro videoaulas, estudo em dupla e sempre reviso tudo. Às vezes, a leitura prolongada me dá dor de cabeça, então eu me preparo antes das provas para isso não atrapalhar.”
Hoje, adulta, ela organiza sua rotina profissional de acordo com suas necessidades: “Eu já sei as minhas dificuldades, então sempre faço revisão e peço auxílio para não inverter siglas. Tudo que faço precisa ser conferido.”
Conscientizar é incluir
Para Christiane, o Dia Nacional de Atenção à Dislexia tem papel essencial para quebrar estigmas: “Ainda há muito desconhecimento. Muitas crianças enfrentam julgamentos injustos quando precisam apenas de suporte especializado. A data reforça a necessidade de identificação precoce, intervenção adequada e inclusão escolar.”
Ela lembra que já existe legislação que garante adaptações curriculares para estudantes com dislexia, embora muitas escolas ainda não consigam aplicá-las integralmente. “Cada forma de aprender precisa ser respeitada. A inclusão só acontece quando compreendemos essas necessidades e atuamos para garantir que ninguém avance nos estudos carregando frustrações evitáveis.”
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