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Arcebispo Dom Julio Endi destaca missão da Igreja, devoção mariana e compromisso com a ecologia

"A gente não pode perder de vista nunca a grande esperança, que é a vida eterna com Deus", diz o arcebispo

Dilson Pimentel

O novo arcebispo metropolitano de Belém, Dom Julio Endi Akamine, tomou posse imediatamente após o Papa Leão XIV acolher, no dia 6 deste mês, o pedido de renúncia de Dom Alberto Taveira ao governo da Arquidiocese da capital paraense por limite de idade, conforme prevê o Código de Direito Canônico. Com isso, Dom Julio tornou-se o 11º arcebispo metropolitano de Belém. Natural de São Paulo, ele traz uma longa trajetória pastoral, com experiências como bispo auxiliar em São Paulo e arcebispo em Sorocaba, e destacou, em entrevista, a importância da vocação, a vivência com os mais pobres, a espiritualidade mariana e ecológica, além do papel da Igreja na conscientização ética e social. Dom Julio Endi nasceu em Garça (SP) e tem 62 anos.

Abaixo, a entrevista concedida à Redação Integrada de O Liberal

Dom Júlio, o senhor é natural de São Paulo e tem uma longa trajetória pastoral na Igreja. Como foi seu chamado vocacional e o que mais o marcou no caminho até aqui?

A minha vocação surgiu quando eu tinha 10 anos de idade. Eu era coroinha, ajudava o padre na missa, eu gostava de ir na missa. E, numa dessas ocasiões, eu estava me preparando para entrar para missa, estava colocando a batina na sacristia, estava sozinho. E aí entrou o pároco, que o padre Vitório Escremin, padre muito zeloso, muito firme. Eu tinha muito medo dele. Ele me viu na sacristia, chegou perto de mim, apontou o dedo no meu nariz e perguntou assim: ‘Menino, você quer ser padre?’ E eu respondi: "Sim, senhor". Eu nunca ia dizer não para ele, né? Eu nunca tinha pensado em ser padre, mas foi a semente. Foi o início. Ele acreditou em mim, me colocou no grupo vocacional, visitou minha família, me incentivou e, com 12 anos então, eu fui para o seminário menor em Londrina, Paraná.

E aí começou então minha caminhada vocacional. Lógico, as motivações que me fizeram entrar no seminário não foram as mesmas que me fizeram permanecer no seminário, que também não foram as mesmas pelas quais eu fiz o pedido da minha primeira consagração com 18 anos de idade e as motivações também se amadureceram quando eu pedi para ser ordenado padre com 25 anos.

O que o senhor destaca nesse período?

Nesse período, eu acho que tenho a destacar exatamente o chamado, mas também a fé da minha família, principalmente meu avô. Teve um momento decisivo também da minha vida. Quando tinha 4 anos de idade, mais ou menos, tinha uma saúde muito frágil. Vivia internado no hospital. Em uma dessas longas internações foi que ele me ensinou a rezar Pai nosso e Ave Maria. A experiência de estar unido ao mistério da paixão de Cristo, de poder me unir ao sofrimento redentor de Cristo através do sofrimento pessoal de se confiar a Nossa Senhora. Ela nos acompanha.

Houve outro momento importante?

Outro momento importante foi o chamado para o episcopado. Eu já tinha já uns bons anos de padre. Estava já bastante satisfeito com a caminhada, tinha uma carreira acadêmica, promissora, tinha sido convidado para atuar no curso de mestrado da Universidade. E então chegou a nomeação como bispo auxiliar de São Paulo. Então, de fato, foi algo que ‘bagunçou’ minha vida no sentido de que tinha alguns planos, mas veio o chamado do Papa, na época Bento XVI. E me perguntaram se eu aceitava. E, lógico, bastante preocupado, sentindo o peso da responsabilidade, eu falei para o núncio apostólico na época que eu não tinha outra resposta a ser dada, se não confirmar aquilo que a gente tinha dado já há tanto tempo atrás quando fiz minha primeira consagração, quando pedi para ser ordenado padre.

E depois também o chamado para vir aqui para Belém do Pará. Foi uma surpresa para mim e para todos, eu acho. Então, de novo, quando me foi perguntado se eu aceitava, eu falei: ‘A minha resposta é a mesma, já foi dada há tanto tempo atrás. Então não tenho porque negar a nomeação do (então) Papa Francisco que me enviou aqui para Belém do Pará.

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Que experiências como bispo auxiliar em São Paulo e arcebispo em Sorocaba o senhor acredita que o prepararam para assumir a missão à frente da Arquidiocese de Belém?

Com relação à Arquidiocese de São Paulo, é o desafio da grande metrópole. Belém é também uma grande cidade, uma metrópole no meio da Amazônia. Essa questão da pastoral urbana é muito importante, evangelizar no mundo cada vez mais urbano. É o que está também nas diretrizes gerais da ação evangelizadora da CNBB. São Paulo é também uma cidade de muitos contrastes. A riqueza e a miséria extrema. Uma experiência valiosa para o Ministério Episcopal. E, também, a experiência com os mais pobres. Na Arquidiocese de São Paulo, eu tive oportunidade de tomar contato com moradores de rua, com as comunidades, as favelas. Essa experiência da pobreza, do grande sofrimento que isso traz para as pessoas. E também do trabalho que a Igreja faz com estas populações.

Desse período, de qual fato o senhor lembra?

Eu me lembro de um fato muito interessante: eu estava dirigindo o veículo em uma das grandes avenidas de São Paulo - avenida Tiradentes. Parei no semáforo e vieram muitos flanelinhas. E a gente porta trancada, vidro fechado, ar-condicionado ligado. E veio uma moça e batia com insistência no vidro do carro. Eu abri e fui pegar uma moeda para a moça. Era uma moça muito jovem, mas envelhecida pela droga, pela vida na rua, pela violência. E aí eu fui buscar a moedinha e ela falou: ‘Não, seu padre, eu não quero moeda". Falei: ‘Você não quer a moeda? O que você quer, então, filha?’ Ela disse: “Eu queria que você abençoasse o terço para mim”. E aí, com muita vergonha, dei a benção no terço dela e, depois, também dei uma moedinha para ajudá-la.

Uma situação que o senhor jamais imaginaria naquele momento....

Sim. Eu não imaginaria. Em São Paulo eu sempre andava de metrô, de trem, de ônibus, na rua, vestido como padre. As pessoas não reconhecem mais esses sinais, mas sabe que é o padre. A única coisa que o pessoal pergunta para a gente é: ‘como é que você aguenta ficar com essa roupa’? Mas eu sempre era reconhecido pelos moradores de rua. Eles pediam benção e tinham um grande respeito por mim. E aí eu fiquei admirado com isso. Porque de fato a Igreja Católica acolhe aqueles que são indesejáveis, indesejados. Os próprios moradores de rua, muitas vezes, querem distância das pessoas. É triste. Mas, ao mesmo tempo, para mim, foi um uma coisa muito significativa esse tipo de contato.

E como foi na Arquidiocese de Sorocaba?

Na Arquidiocese de Sorocaba, a gente tem a experiência de uma cidade grande do interior de São Paulo. Aquela piedade mais não tanto urbana, mas uma piedade mais marcada pelo meio rural. Interessante também ali a experiência que eu tive, por exemplo, com a romaria de Aparecidinha. Em Sorocaba tem o Santuário dedicado à Nossa Senhora Aparecida mais antigo do Brasil. É muito bonita essa manifestação de fé. São 12 km. E eu participei de todas. É uma manifestação muito bonita de devoção a Nossa Senhora. Afinal de contas, Nossa Senhora nos conduz a Cristo.

Como foi o processo de discernimento e acolhida do convite do Papa Francisco para vir a Belém?

Não teve um processo. Veio simplesmente uma videochamada do núncio apostólico. Ele falou: ‘Olha, tem aqui a carta de nomeação do Papa Francisco para arcebispo coadjutor de Belém do Pará’. Eu não imaginava. Foi uma surpresa. E aí ele me perguntou: ‘O senhor obedece ao Papa’? Eu: ‘Sim, senhor, obedeço ao Papa’. Aí teve todo um diálogo para a gente poder estabelecer a data da publicação. Esse foi o mais complicado, porque foi no mês de fevereiro e tinha que esperar março para poder publicar a nomeação, porque eu estava saindo em viagem, ia ficar fora do país. E eu expliquei isso para o ministro e negociamos ali uma data para a publicação. O processo foi sigiloso, reservado, que dependia da decisão do Papa. Mas a única coisa que foi feita para mim foi a comunicação e se eu aceitava. A única coisa que eu podia fazer era: ‘sim, senhor. Para quando que o senhor quer que eu vá?’

O senhor assumiu a Arquidiocese em um momento especial, às vésperas do Círio de Nazaré. O que já conhecia da festa antes de vir ao Pará?

Eu nunca tive participação direta no Círio de Nazaré. Já tinha ouvido falar, desejava participar, mas nunca tive a oportunidade. Agora tenho a oportunidade de não só participar pessoalmente, mas também de estar à frente.

Como o senhor está se preparando espiritualmente para viver seu primeiro Círio como arcebispo metropolitano de Belém?

Eu acho que a preparação espiritual consiste na oração, principalmente na oração pessoal e também na meditação bíblica. Eu acho que a gente precisa também buscar, aprofundar uma espiritualidade mariana arraigada profundamente na Sagrada Escritura e na tradição da Igreja.

O tema deste ano - “Maria, Mãe e Rainha de toda a criação” - propõe uma espiritualidade ecológica. Como o senhor interpreta essa dimensão da fé?

A questão da ecologia integral, humana integral, tem a ver com a nossa espiritualidade e com a nossa fé no criador. Deus é o criador. Nós não surgimos por acaso. Nós não somos um acidente de percurso. Nós somos queridos por Deus - ou seja, se ele criou, é porque ele quis. Então, a criação é uma obra de amor do criador. E por isso implica também a gente acolher com responsabilidade esta obra de amor do Criador. De que maneira? Conforme diz o Gênesis: cultivando e cuidando. Cultivar significa trabalhar, retirar da natureza tudo aquilo que é necessário para a nossa vida, mas também cuidando dela com responsabilidade para transmitir isto às novas gerações. Então, se trata de uma reciprocidade responsável e de uma solidariedade intergeracional.

A espiritualidade ecológica que está na Laudato Si' do Papa Francisco apregoa uma vida de mais simplicidade, uma vida de mais austeridade. Isto por causa de uma riqueza espiritual. Muitas vezes a nossa vida consumista ela é uma consequência do vazio espiritual. Então é importante a gente alimentar o espírito. A gente precisa anunciar Jesus Cristo para as pessoas. Quanto mais plenas do Espírito Santo, menos necessidade de coisas e mais a gente pode preservar a criação de Deus.

Belém também será sede da COP 30, um evento global sobre mudanças climáticas. Qual o papel da Igreja na defesa da casa comum e na sensibilização das pessoas?

Eu acho que a principal responsabilidade está na participação da própria COP 30. A Igreja participa de maneira oficial, em alto nível como observadora, e tem sua representação através da Santa Sé. E, ao mesmo tempo, a grande missão da Igreja é na formação da consciência ética, na consciência das pessoas. Porque é isso que está na base das grandes mudanças necessárias. Nós vamos ter que tomar decisões sérias para que haja uma mudança global. E isto vai implicar renúncias e sacrifícios. Mas isso não se sustenta sem a formação da consciência cidadã, da consciência ecológica, da consciência ciência ética das pessoas. Por isso que é importante o debate público, é importante a participação da igreja na COP 30 em alto nível, mas é importante também todo o trabalho que a Igreja faz e a conscientização das pessoas.

Como o senhor enxerga a missão evangelizadora da Igreja em tempos de indiferença religiosa, redes sociais e profundas desigualdades?

Indiferença religiosa é um grande desafio sim. Às vezes, até mais difícil do que o próprio ateísmo. O ateísmo, muitas vezes, é combativo. Mas ele combate por uma ideia. E, muitas vezes, é nisso que se pode ter o debate, o diálogo e o fato da gente dialogar não coloca em risco a fé. Muitas vezes, nos obriga a aprofundar a fé. A gente discute não para ter razão, a gente discute para encontrar as razões. E, nesta busca comum, a pessoa que crê pode aprofundar as razões da sua fé e aquele que não quer pode chegar a fé também por ver as razões da fé.

Eu acho que muita gente que não tem fé às vezes não tem fé por preconceitos. Por ideias erradas que lhe foram inculcadas. Se eu acreditasse em todas as mentiras que falam contra a Igreja, eu seria o primeiro a odiá-la. Muitas vezes as pessoas não creem em Deus por uma ideia errada de Deus. E esse debate muitas vezes ele é frutuoso. Agora indiferença é uma coisa mais difícil. Porque o ateu, pelo menos, ele tem o drama de não ter fé ou de buscar a fé. Enquanto que o indiferente não importa, não tem sentido, não entra como uma pauta significativa na sua vida.

Desafio também da pobreza, das desigualdades sociais - ou seja, esse é um questionamento também para a nossa fé. Se nós cremos em Deus, por que há tantas pessoas que vivem na miséria, na mais extrema pobreza? Se a gente de fato crê num Deus bondoso e justo, por que tantas injustiças no mundo de hoje? Acho isso é um questionamento também para aquele que tem fé: que mundo é esse que a gente está construindo? Mas existem também decisões que extrapolam a nossa responsabilidade. E a nossa responsabilidade de novo com a casa comum. A gente deseja cuidar bem. Não existe planeta alternativo, não existe estepe de planeta. O único planeta que a gente tem é esse e a gente deve cuidar bem da nossa casa comum.

O Papa Francisco propôs o Ano da Oração como preparação para o Jubileu de 2025. Como a Arquidiocese pode viver esse tempo de forma fecunda?

Eu acho que este grande jubileu da esperança tem o objetivo de, de fato, despertar a gente para a grande esperança. Nós podemos ter pequenas esperanças: elas são legítimas, são boas. Ter um bom emprego, fazer a faculdade, conseguir comprar casa, ter carro, ter celular, são boas esperanças, mas são pequenas esperanças. Que a gente não pode perder de vista nunca é a grande esperança, a vida eterna com Deus, a salvação ou, conforme diz o povo, é o céu. Lá que eu quero morar. Então a grande esperança é aquilo que está neste nosso jubileu. Nós caminhamos para esta grande esperança. Ainda que as pequenas esperanças sejam legítimas e sejam boas, mas elas não devem matar a grande esperança.