É possível evitar que Belém vá sempre para o fundo?

Geólogo do Museu Emílio Goeldi fala sobre as causas e o que ainda pode ser feito para evitar mais alagamentos

João Thiago Dias
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A população de Belém e de outras cidades costeiras do Pará enfrenta vários problemas de alagamentos e desbarrancamentos mediante a coincidência de maré alta com chuva no inverno amazônico. Mas por que esse problema é característico dessa região? E o que fazer para evitar o conflito com a força das águas? Quem responde é o geólogo e pesquisador do Programa de Estudos Costeiros (PEC), integrante da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Amilcar Carvalho Mendes.

Grupo Liberal - Belém e outras cidades paraenses estão mais suscetíveis às ações das marés? 

Amilcar - "Sim. Todas as cidades litorâneas estão suscetíveis às ações das marés, sobretudo na costa paraense, cuja a altura de maré são superiores a três metros. Some-se a isso a baixa altimetria da região litorânea, dominada por ambientes de baixa declividade."

Grupo Liberal - É um fenômeno natural ou expõe outros contextos ligados à ação humana, como a subida dos oceanos pela elevação das temperaturas da Terra e a ocupação desordenada de áreas costeiras? 

Amilcar - "As marés constituem um fenômeno natural, causado pela ação gravitacional da lua e do sol sobre a Terra, causando o deslocamento de massas de água. Logicamente que as consequências (erosão e inundação) são amplificadas pela subida do nível do mar e a ocupação de áreas que são de dinâmica natural dos processos físicos, áreas estas que, ao longo do tempo, foram ocupadas de maneira desordenada, sem levar em consideração as limitações para uso e ocupação."

Grupo Liberal - O que as cidades podem fazer para evitar essa relação conflituosa com as águas? 

Amilcar - "No quadro atual de urbanização das metrópoles litorâneas, o cenário ideal seria desocupar as áreas de risco, o que sabemos ser praticamente inviável. No entanto, há tecnologias disponíveis para fazer as adaptações necessárias à dinâmica do meio físico, excetuando aquelas áreas onde o processo erosivo, por exemplo, seja tão intenso. Outra ação é pensar em elaborar plano de ação a médio e longo prazo para disciplinar o uso e ocupação de setores litorâneos onde a ocupação é rarefeita ou inexistente."

Grupo Liberal - Como se avalia Belém nesse contexto, uma das cidades do litoral brasileiro mais expostas à essa situação? 

Amilcar - "Eu diria que a situação de Belém é crítica, pois mais de 60% da área superficial da cidade é entremeada de canais e terrenos baixos, que possibilitam maior magnitude das inundações. Historicamente esses baixos foram sendo aterrados e ocupados (sobretudo por população de baixa renda e, portanto, maior vulnerabilidade) de maneira desordenada. O que se tem feito são ações de engenharia no sentido de fazer drenagem das planícies de inundação e retilinização de canais, que precisam de manutenção constante."

Grupo Liberal - Existe algum estudo que aponte ações em conjunto com o poder público e sociedade civil para resolver a subida das águas em Belém? 

Amilcar - "Desconheço a existência de um plano de contingência ou de adaptações ao avanço do nível do mar para a cidade de Belém. Quando falamos em gerenciar problemas é necessário que se conheça os processos e agentes causadores dos problemas, para que possa ser assegurada a eficiência e eficácia das ações propostas. Fica difícil propor modelos confiáveis se não há series históricas, por exemplo, de medições de maré. Isso exige recursos para pesquisa e vontade política."

Grupo Liberal - Frente aos recentes fenômenos de desbarrancamentos, erosões e destruição de orlas como Vigia e praia do Marahú (Mosqueiro), além de inundações, esses fenômenos seguem um curso natural e se agravam com outro fenômeno maior, que é a subida dos oceanos? 

Amilcar - "No caso da costa amazônica, estamos falando de um ambiente estuarino (fluxo e refluxo de marés e correntes) dominado por macromarés semidiurnas, ondas, com ventos constantes, forte pluviometria e descarga de potentes rios na zona costeira, que caracterizam essa região como zona altamente dinâmica, onde as modificações do meio físico são regras, que impõem naturalmente limitações a determinados usos e ocupações. Se formos falar somente nos últimos dez mil anos, o planeta já teve sua temperatura aumentada e diminuída e, por conseguinte, o nível do mar também aumentou e diminuiu, estabelecendo zonas de transgressões (avanço) e regressões (recuo) da linha de costa."

Grupo Liberal - Tende a piorar nos próximos anos?

Amilcar - "Some-se ainda o aumento da temperatura das águas dos oceanos, que faz com que ocorra expansão das moléculas de água e, consequentemente, aumento do volume líquido. Não se pode ignorar, no entanto, que o aumento do nível do mar está sendo mais acentuado que o previsto, mas ao contrário que se pensa, as respostas não são globalizadas, ou seja, há locais em que o nível do mar não está aumentando e o litoral está experimentando progradação, ou seja, aumento de área. A destruição das orlas também está ligada ao modelo construtivo das obras de contenção, quase sempre inadequadas, que muitas vezes até amplificam o poder destrutivo de ondas e correntes."

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